Quando se degrada, esta garrafa portuguesa liberta algas — em vez de microplásticos
Chama-se The Good Bottle, está a ser desenvolvida pela Fibrenamics, da Universidade do Minho, e não tem plásticos de origem fóssil na sua composição. Mas tem partículas de algas e pode ser degradada num compostor doméstico
Ao produzirem uma “garrafa 100% biodegradável”, os investigadores da Fibrenamics não ignoraram o possível fim negligente das embalagens de uso único — o fundo do mar. Por isso, incorporaram na mistura de amido, criada a partir de resíduos alimentares, algas. Uma iguaria mais apreciada pelas espécies marinhas do que os microplásticos.
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Ao produzirem uma “garrafa 100% biodegradável”, os investigadores da Fibrenamics não ignoraram o possível fim negligente das embalagens de uso único — o fundo do mar. Por isso, incorporaram na mistura de amido, criada a partir de resíduos alimentares, algas. Uma iguaria mais apreciada pelas espécies marinhas do que os microplásticos.
“No caso de estas garrafas serem depositadas nos oceanos, como muitas outras são, erradamente, as partículas de algas são libertadas durante o seu processo de decomposição e podem funcionar como alimento para as espécies marinhas”, apresenta-a João Bessa, gestor de tecnologia da Fibrenamics, o centro de investigação da Universidade do Minho para produtos com base em fibras e compósitos.
As algas não só ajudam a contar a história tóxica dos efeitos da degradação dos plásticos em micropartículas nos oceanos, como também pintam uma desejada relação mais harmoniosa com o ambiente. “O design de produto é inspirado em elementos naturais dos oceanos, como os corais, precisamente devido à procura de uma resolução desta problemática”, diz o engenheiro químico. Chamaram-lhe The Good Bottle, uma “garrafa boa” feita sem plásticos sintetizados através de matéria proveniente do petróleo e que não exige instalações industriais para se degradar naturalmente (tampa incluída).
Para testar a toxicidade aguda do material, foram realizados estudos em ambiente marinho com peixes-zebras, que registaram “efeitos excelentes em comparação com os registados com polímeros convencionais (como o polietileno)”, lê-se no comunicado da Fibrenamics. Os investigadores do centro da Universidade do Minho estão desde 2018 a desenvolver o produto em resposta a um desafio da Fundação Mirpuri, organização sem fins lucrativos estabelecida em Portugal pelo empresário Paulo Mirpuri. O projecto tem a Sociedade de Água de Monchique como parceiro industrial.
Com o aumento da pressão pública e das legislações que procuram banir o uso de plásticos de uso único, cada vez mais se publicitam e produzem os bioplásticos. Mas nem todos os bioplásticos são biodegradáveis em condições naturais, o que tem causado alguma confusão, tanto no momento da escolha como no momento do descarte do produto.
No caso da garrafa da Fibrenamics, o destino final será o lixo orgânico ou, melhor ainda, o compostor doméstico — e não o ecoponto amarelo, onde são depositados embalagens de plástico, pacotes de bebidas, latas e sacos de plástico. Isto porque a compostagem doméstica “acelera o processo de degradação” do polímero sintetizado a partir de resíduos alimentares. Mas em que condições é a garrafa “100% biodegradável”? “A 30º, em contacto com lixo compostável, num período de cerca de 12 meses”, sintetiza João Bessa.
Há bioplásticos à venda no mercado que se degradam em menos de metade do tempo, mas apenas em instalações próprias de compostagem industrial, que não existem ainda em Portugal e exigem temperaturas elevadas e condições muito controladas de humidade e pH. Em condições de compostagem controlada, a The Good Bottle “apresenta uma taxa de biodegradabilidade de 74%, ao final de 45 dias”.
A garrafa portuguesa ainda é um protótipo. Já foi oficialmente apresentada na primeira edição da The Ocean Race Europe, a prova de circum-navegação por equipas em barcos à vela, que passou por Cascais e teve como vencedora uma equipa portuguesa. Decorrem agora os ensaios de industrialização, “para que possa ser lançada com segurança para o mercado”.
Nos últimos anos, “tem-se registado uma tendência para o aumento da produção de biopolímeros”, diz o investigador, mas esta opção ainda traz alguns desafios. “Em primeiro lugar, uma questão de escala. É preciso matéria-prima disponível e que existam entidades e parceiros dispostos a escalar os processos de síntese de materiais poliméricos a partir de materiais naturais, resíduos alimentares e outros do género”, explica. Por causa disto, os custos podem ser mais elevados. "Neste momento, a produção de biopolímeros ainda não consegue ser competitiva em comparação com a síntese de polímeros convencionais obtidos a partir de combustíveis fósseis”, lamenta.
As associações ambientalistas, como a Zero e a Quercus, têm vindo a alertar para os perigos da “utilização de bioplásticos ou plásticos supostamente biodegradáveis”. Assumem que a solução para o lixo marinho deverá descartar uma economia de utilização única e passar para uma redução do consumo de recursos e uma aposta na reutilização.
Não está nos planos próximos, mas o material polimérico compostável em ambiente doméstico que constituiu a garrafa poderá ser transformado noutros produtos. No entanto, o foco no sector das embalagens alimentares pareceu “óbvio”. “Surge como um sector muito importante porque é um dos principais sectores consumidores de materiais plásticos de uso único, que geram um grande impacto no ambiente ao não serem correctamente descartados”, concluiu João Bessa.