Actual agricultura biológica não permitiria alimentar toda a humanidade em 2050

Estudo com cientistas portugueses sugere que o caminho para a viabilidade da agricultura biológica passa pela inovação e pelo recurso a animais.

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Jose Sarmento Matos/Arquivo

Uma equipa de cientistas de Portugal e da Áustria concluiu que não será possível alimentar toda a humanidade em 2050 apenas com o recurso à agricultura biológica tal como é praticada hoje em dia. O trabalho foi publicado na revista científica Global Environmental Change e sugere que o caminho para a viabilidade da agricultura biológica passa pela inovação e pelo recurso a animais.

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Uma equipa de cientistas de Portugal e da Áustria concluiu que não será possível alimentar toda a humanidade em 2050 apenas com o recurso à agricultura biológica tal como é praticada hoje em dia. O trabalho foi publicado na revista científica Global Environmental Change e sugere que o caminho para a viabilidade da agricultura biológica passa pela inovação e pelo recurso a animais.

Para este trabalho, a equipa que tem a participação de investigadores do Instituto Superior Técnico (em Lisboa) usou um modelo chamado “BioBaM”, que já tinha sido desenvolvido por cientistas na Áustria que participaram nesta investigação. Este modelo permite rastrear à escala global a utilização de biomassa. E, para o recente estudo, acrescentou-se o rastreio do fluxo de azoto associado aos fluxos de biomassa, bem como o balanço de azoto nas culturas agrícolas. O azoto é o nutriente fundamental que alimenta a produção agrícola.

Com o modelo analisou-se uma série de soluções para alimentar a humanidade em 2050 tanto com a agricultura biológica como com a agricultura convencional. Por fim, cruzaram-se essas duas formas de agricultura com diferentes dietas: as com níveis elevados de produtos animais; as lactovegetarianas; e as vegan.

O que se concluiu então? Viu-se que não seria possível alimentar toda a humanidade em 2050 apenas com a agricultura biológica tal como é praticada actualmente e com a população que se prevê que habite o planeta em 2050 – a equipa considerou que serão 9,3 mil milhões​.

Tiago Domingos, investigador no Instituto Superior Técnico e um dos autores do trabalho, explica que um dos motivos para esse resultado é o facto de a agricultura biológica ser menos produtiva e, para se produzir alimento para toda a humanidade, ser necessária uma área maior. “Uma das restrições que colocámos à nossa análise foi que em 2050 não houvesse desflorestação adicional em relação à situação actual”, esclarece o cientista. “Querendo evitar a expansão da área agrícola, a forma como hoje sabemos que se faz a agricultura biológica não conseguiremos produzir alimento suficiente para a humanidade em 2050.” Além de não existir área suficiente para se fazer agricultura biológica como se agora se pratica, também não existe área para se ir buscar azoto suficiente para fertilizar essa agricultura tal como está a ser feita – pois na produção biológica tem sempre de se gastar área para retirar o azoto.

A equipa também procurou soluções que permitiriam tornar a agricultura biológica viável em 2050 – isto a nível da área e azoto suficiente. Concluiu-se que é “muito exigente fazê-lo, mas que é possível”, refere Tiago Domingos. Para isso, têm de ser usadas todas as soluções consideradas no estudo. Uma delas é o “aumento drástico” da capacidade que as leguminosas têm para obter azoto da atmosfera, porque são as plantas que têm a capacidade de o fazer. “‘Drasticamente’ significa pôr todas as leguminosas do mundo a fixar azoto da atmosfera à mesma taxa que as melhores leguminosas conseguem fazer”, indica o investigador.

Outras soluções são o aumento da eficiência da alimentação que se dá aos animais ou os resíduos sólidos urbanos serem usados na forma de composto e depois na fertilização de terrenos. “Conjugando essas soluções, conseguiríamos ter uma agricultura biológica que tem azoto suficiente e que não precisa de criar desflorestação para ter área suficiente para alimentar a humanidade em 2050”, considera Tiago Domingos.

Convencional versus biológica

Também se analisou o mesmo nível de inovação aplicado à agricultura convencional. Hoje, a agricultura convencional está dependente de fábricas de adubo azotado que são grandes emissoras de gases com efeito de estufa, porque estão assentes num elevado consumo de energia com base na queima de gás natural. Na análise pressupôs-se que em 2050 todas as fábricas só usem energias renováveis e aplicaram-se todas as melhorias também estudadas para a agricultura biológica e comparou-se desempenho de ambas. Esse desempenho incluiu a área necessária de cultivo para alimentar a humanidade, a quantidade de azoto emitido como poluição e as emissões de gases com efeito de estufa.

Verificou-se então que a agricultura convencional tinha o mesmo desempenho da agricultura biológica em termos de emissões de gases com efeito de estufa. Contudo, a biológica era pior relativamente à área do que a convencional, mas melhor ao nível da poluição com azoto. No fundo, ao produzir-se menos azoto vai existir um melhor aproveitamento desse nutriente. “Se se usa melhor, fica menos para poluir”, frisa Tiago Domingos.

Por fim, retiraram-se algumas conclusões sobre as dietas. Do ponto de vista da agricultura convencional, a que tem menos impacto é a vegan – ou seja, sem nenhuma utilização de produtos animais. Já se se praticar apenas a agricultura biológica, “dificilmente se compatibiliza com uma dieta puramente vegan”. Porquê? Devido às questões do azoto, é muito importante ter uma componente “significativa” de animais no sistema agrícola, explica Tiago Domingos. Por exemplo, os animais vão buscar azoto que disponibilizam ao sistema agrícola através de estrume necessário para a agricultura biológica.

Este estudo aponta caminhos de desenvolvimento na agricultura. “Precisamos de melhorar muito a capacidade de fixação de azoto das leguminosas”, assinala o cientista sobre as recomendações do trabalho. Além disso, é preciso melhorar muito a eficiência com que os animais são alimentados, maximizar com alimentos que não podem ser usados no consumo humano, assim como o uso de leguminosas na alimentação animal. “Há também o aspecto da descarbonização dos adubos azotados e conseguir fazer a produção sem recorrer a combustíveis fósseis”, realça Tiago Domingos. Caminhos que terão de ser percorridos até 2050.