Medina: “A linha política de Carlos Moedas resume-se a insulto e ataque pessoal”
Autarca lisboeta diz que não vai esquecer o que os seus opositores disseram sobre o envio de dados à Rússia, que volta a classificar como erro burocrático. Para o próximo mandato promete continuar a apostar em ciclovias.
Em entrevista ao PÚBLICO e à Renascença, o presidente da Câmara de Lisboa volta a justificar o envio de dados pessoais a embaixadas com um procedimento burocrático e falta de juízo crítico dos serviços. Revela que o Parlamento ainda esta semana pediu à autarquia informações sobre uma manifestação e diz que demitir-se do cargo não era solução.
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Em entrevista ao PÚBLICO e à Renascença, o presidente da Câmara de Lisboa volta a justificar o envio de dados pessoais a embaixadas com um procedimento burocrático e falta de juízo crítico dos serviços. Revela que o Parlamento ainda esta semana pediu à autarquia informações sobre uma manifestação e diz que demitir-se do cargo não era solução.
Dá por encerrado o caso da comunicação das manifestações às embaixadas?
Nós fizemos o que era a nossa obrigação perante um erro grave que foi cometido ao nível dos serviços do município. Foi o reconhecimento desse erro, sem hesitações, sem mas, sem vírgulas. Os meus avós foram opositores ao antigo regime e ajudaram muita gente a sair do país. Os meus pais estiveram na clandestinidade. Eu sei bem o que é a expressão da palavra medo. Eu nunca o senti, mas sei bem o que é o sentimento do medo. O que me toca, o que me penaliza mais é sentir que a câmara de alguma forma contribuiu para um sentimento de medo.
Que explicação encontra para que isso tenha acontecido?
O direito à manifestação não carece de qualquer autorização, a câmara simplesmente é destinatária de comunicações e isto fez com que o processo ficasse muito desgraduado do ponto de vista interno. Isto era tratado ao nível de um gabinete de expediente, que recebia comunicações, digitalizava e reencaminhava.
Como se ninguém pensasse?
Sim, como se ninguém pensasse. Ninguém fazia nenhum juízo crítico. Era um processo que se repetia. Não tenho nenhuma explicação de malícia, de má intenção.
Mas é estranho que um despacho que era especificamente destinado àquele serviço tenha sido ignorado durante estes anos todos.
Conhecendo os meandros da burocracia e das rotinas dos processos, não me custava a crer que possa ter havido uma mudança de procedimentos logo num primeiro momento e depois, até por solicitação das entidades que normalmente recebem essa informação, que tenha recomeçado a ser enviada, porque era assim que era feito. Nestes últimos dias, a propósito desta manifestação que aconteceu dos polícias, a Câmara de Lisboa recebeu uma solicitação dos serviços da Assembleia da República para que lhes fosse enviado o aviso da manifestação.
E foi?
Não, obviamente não foi. As máquinas vão reproduzindo a rotina dos procedimentos que vêm de muito tempo atrás.
Havendo um caso tão flagrante de violação de um despacho que vem da autoridade máxima dentro da câmara, que é o presidente, o que é que isto diz da autoridade interna dos eleitos?
O que diz é sobre o funcionamento desse serviço concreto. Quem conhece o funcionamento das máquinas da administração sabe que processos que são relativamente normalizados do ponto de vista burocrático, como era o caso deste... Só para termos uma ideia, estamos a falar de três a quatro manifestações por dia que entram. Muitas vezes o que se passa é rotina aplicada.
É automatismo.
É tratada da mesma forma uma manifestação sobre uma casa ambiental como foi esta, com a sensibilidade política. Esse é que é o erro, é isso que não pode ser.
Porque é que a equipa de protecção de dados tem cinco funcionários em vez dos 12 que podia ter?
Conhece algum departamento, de uma organização pública ou privada, cujo dirigente diga que tem todos os recursos de que precisa? Na secção do PÚBLICO em que trabalha tem toda a gente de que precisa?
Aqui é menos de metade.
É uma equipa de cinco adstrita ao núcleo fundamental, mas depois há um conjunto de mais de 200 pessoas. A responsabilidade da protecção de dados, ao abrigo da lei, não está centralizada numa pessoa. Não há um polícia, um guardador das chaves dos dados. O que tem de haver é responsáveis em todas as áreas que têm de assegurar a identificação de todos os procedimentos e a protecção desses dados. Esta é a razão que nos leva à mudança orgânica de graduação da divisão de expediente para assegurar esse mapeamento efectivo, porque aí não havia.
Aí não havia ninguém que fosse responsável?
Havia nesse departamento de apoio aos órgãos do município, não havia neste gabinete de apoio. É por isso que esta passagem a divisão vai resolver este problema, é que o responsável pela protecção de dados será a pessoa que vai chefiar esta unidade.
Este tornou-se um caso político, que levou a vários pedidos de demissão. Demitir-se ou suspender as funções não lhe teria dado mais margem de liberdade e transparência?
Não, não teria dado. Não teria resolvido nada do problema, teria sido um número com efeito político e mediático e teria seguramente contribuído para que o problema não se resolvesse. Eu assumo na íntegra todas as minhas responsabilidades, ao assumir ao problema, ao reconhecê-lo, ao pedir desculpas em nome do município, ao fazer algo que acho que é raro, que foi a rapidez com que se apresentam as verdades fundamentais. Há sempre auditorias mais perfeitas a fazer, há sempre coisas mais profundas a saber. Nós agimos da forma como acho que devíamos agir. Em volta disto aconteceu um debate político que é absolutamente legítimo porque este é um assunto político. Mas depois levou a um aproveitamento político que, obviamente, pelo facto de estarmos na proximidade das eleições autárquicas e também pela fragilidade do discurso político dos opositores, faz com que tenhamos ouvido coisas... A primeira leitura política que foi feita, por parte do candidato do PSD à Câmara de Lisboa, foi que nós estávamos a agir ao serviço de Putin. Isto foi dito. Convém não esquecer, não deixarei branquear e não me esquecerei desta. O líder do CDS afirmou também que nós estávamos ao serviço de interesses estrangeiros. Não aceito e não deixarei que isto se desvalorize nem que se ignore. Isto foi uma tentativa de insulto pessoal.
Já antes deste caso, Carlos Moedas atacava a sua gestão na câmara dizendo que havia uma sombra de suspeição. E chegou mesmo a dizer que “há uma parte do PS que viveu sempre no Estado com uma ideia de amigos e de favores e que a história é clara sobre isso”. Como é que responde a estas acusações?
Toda a linha política do candidato do PSD nestas eleições resume-se a insulto e ataque pessoal. Esta linha só tem uma origem, que é a sua fraqueza, a sua fragilidade. Não sei se reparou que Carlos Moedas, sempre que pretende intervir sobre a cidade, não tem verdadeiramente nada a dizer. E isso é uma dificuldade para quem quer ser candidato à principal câmara do país. A forma que ele arranjou para ultrapassar esse enorme vazio de ideias foi entrar numa campanha com esse nível. Esse tipo de linha diz muito mais do candidato do PSD do que de mim.
Como é que vai lidar em campanha eleitoral com as suspeitas ou com as investigações que existem e que envolvem, nomeadamente, o arquitecto Manuel Salgado?
Talvez por conhecer alguma coisa da natureza humana e também por ter alguma leitura de Eça de Queirós, confesso-lhe que este tipo de campanha não é para mim uma surpresa. O slogan que se ajusta melhor seria “Velhos Tempos”, porque aquilo é mesmo a velha forma de fazer política. Acho que Lisboa precisa e merece o debate de ideias, das propostas, das soluções para os desafios com que está confrontada e é aí que eu me quero concentrar. Sobre o caso concreto que referiu, nós apoiaremos todas as investigações em curso. Mas gostava de sublinhar um aspecto: várias, para não dizer as mais importantes, investigações que estão em curso, resultam de queixas feitas ao longo dos anos por parte desses mesmos partidos junto das autoridades. A tentativa de judicialização da política da cidade de Lisboa é algo que não vem de agora.
No próximo mandato é preciso “acelerar” as ciclovias
O que é que está por fazer em Lisboa?
Este mandato está marcado por um avanço em políticas centrais de transformação da cidade. A promoção de habitação acessível para jovens e classes médias, iniciámos uma nova geração de políticas, que é essencial ser prosseguida. Uma política de mobilidade que faça crescer significativamente o transporte colectivo de qualidade e acessível na área metropolitana, porque se não não conseguiremos fazer a gestão da mobilidade no município. O terceiro pilar da transformação da cidade é a valorização do espaço público e dos espaços verdes, tornar Lisboa numa cidade cada vez mais saudável e amiga das pessoas.
Ainda que seja acusado de ser um bocadinho fixado nas ciclovias.
Nós tínhamos programas muito centrados numa lógica de mudança de filosofia da cidade e de valorização do espaço público e dos bairros, mas também de promoção de estilos de vida saudáveis. Se há lição que podemos tirar da pandemia sobre a construção da cidade é que nós devemos fazer isto mais rápido. Hoje, no nosso país, há cerca de 7000 mortes por ano que estão de forma directa associada à poluição. E nós podemos não fazer nada sobre isto? O próximo ciclo tem de ser marcado por uma aceleração deste processo de transformação da cidade, no espaço público, também na promoção da mobilidade ciclável. A mudança vai passar por cada um perceber que a criação das ciclovias é a criação de uma possibilidade adicional de um meio de mobilidade. As ciclovias não são nenhuma obrigação, as bicicletas não são nenhuma obrigação, são um meio para quem o quiser usar.
Já que estamos a falar de tirar carros da cidade, os novos autocarros da Grande Lisboa estão para chegar, é desta vez que os carros vão diminuir? E como é que estamos de parques para quem queira deixar o carro à entrada da cidade e se continua a queixar?
A melhoria do sistema de mobilidade vai ser gradual e depende, acima de tudo, de nós conseguirmos fazer aquilo que durante décadas não se fez: um sistema de mobilidade pesada e ligeira que permita as deslocações eficazes em transporte colectivo dentro de toda a área metropolitana. A força dos movimentos pendulares é enormíssima. A criação de parques de estacionamento dissuasores para resolver o problema do trânsito na cidade é uma ideia tão evidentemente ineficaz...
Não é para continuar a aposta nos parques dissuasores?
Deve haver parques junto às principais interfaces de transportes. Mas vamos ter noção da escala: entram por dias em Lisboa 340 mil automóveis. É uma fila de Lisboa até Paris. Se nós estivermos a falar de um parque como o do Marquês de Pombal ou do Corte Inglés, por exemplo, estamos a falar de mil lugares de estacionamento, acham que a solução é criar 300 parques iguais àqueles à porta de Lisboa?
Mas a câmara assumiu a estratégia de criar parques dissuasores.
E temos vindo a fazê-lo.
O que nos está a dizer é que a aposta tem de ser outra?
Nos transportes colectivos, claro. Achar que a criação de parques de estacionamento é a primeira ou a principal solução para o problema da mobilidade na cidade de Lisboa é um erro.
Levar o metro a Alcântara e o metro ligeiro a Oeiras e a Loures são projectos para esta década?
A expansão da linha vermelha do metro até Alcântara é um projecto que está inscrito no PRR. A execução terá de ser de tal forma rápida que terá de ser colocada até ao final de 2026. É um desafio muito grande para o metropolitano, mas tenho confiança que o façam. Para as outras linhas neste momento já estão contratados os estudos.
Isso não seria uma forma mais rápida de tirar carros da cidade? Porque é que não foi dada prioridade a Alcântara?
A linha circular tem uma importância grande sobre a eficácia de funcionamento do sistema. Tocam na linha circular todas as grandes linhas de operação do barco, do comboio, as outras linhas de metropolitano. Nós conseguimos num mandato não ter uma, mas duas linhas de metropolitano expandidas.
Porque é que não foi possível cumprir a sua promessa de mais seis mil casas de renda acessível?
Vamos concluir este mandato com o maior número de casas atribuídas em todos os programas municipais desde os mandatos de Jorge Sampaio e João Soares. Entre casas atribuídas e casas para as quais a câmara permitiu a bonificação da renda, vamos ter cerca de 3000 casas neste mandato. Destinamos a maioria destas casas para o regime de renda apoiada, isto é, para os extractos de mais baixos rendimentos. E acabaremos o mandato com mais de mil casas em regime de renda acessível, quer através de propriedade municipal ou de atribuição de um subsídio de arrendamento. Isto é um avanço muito grande.
Ainda assim não será tão grande como queria e tinha prometido.
Este mandato autárquico foi muito atípico. No nosso programa não estavam apoios à economia, não estavam programas de testagem, nem centros de vacinação, nem enfermeiros, não estava todo o último ano e meio de resposta à pandemia que nos mobilizou. O que nós já fizemos e temos em marcha relativamente à renda acessível fará a diferença na cidade. O que nós temos é um pipeline de projectos já com grande impacto quantitativo.