A “barbárie assassina” ou o leste como lapso de memória
O presidente alemão apela à lembrança dos 27 milhões de vitimas soviéticas durante Segunda Guerra Mundial.
O Holocausto ocupa um lugar incontornável na história alemã pós 1945. A memória desta “ruptura civilizacional” (Zivilisationsbruch) que foi o extermínio de 6 milhões de judeus constitui até uma pedra basilar da identidade da RFA. Apesar do ajuste de contas crítico com o passado (Vergangenheitsbewältigung) ter sido ter sido um processo tardio, polémico e doloroso, a Alemanha vê-se hoje como modelo em questões de (pós)-memória, ou seja, na forma como países lidam com períodos críticos da sua história nacional.
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O Holocausto ocupa um lugar incontornável na história alemã pós 1945. A memória desta “ruptura civilizacional” (Zivilisationsbruch) que foi o extermínio de 6 milhões de judeus constitui até uma pedra basilar da identidade da RFA. Apesar do ajuste de contas crítico com o passado (Vergangenheitsbewältigung) ter sido ter sido um processo tardio, polémico e doloroso, a Alemanha vê-se hoje como modelo em questões de (pós)-memória, ou seja, na forma como países lidam com períodos críticos da sua história nacional.
No entanto, é gritante a lacuna que existe ainda na memória coletiva da RFA e de países ocidentais relativamente à dimensão leste da Segunda Guerra Mundial e do Holocausto. Ora se desconhece a visão colonial que Hitler tinha do Leste Europeu, ora o Generalplan Ost, ou seja, o plano de conquista do leste europeu que friamente previa a dizimação de cerca 30 milhões de habitantes considerados racialmente inferiores e supérfluos, ora se equivoca a origem oriental de muitos judeus assassinados.
Mesmo pessoas interessadas na Segunda Guerra Mundial ou no Holocausto não estão por vezes devidamente conscientes da violência e destruição que o ataque à União Soviética em 22 de Junho de 1941 - ou seja, precisamente há 80 anos -, desencadeou em forma uma guerra de extermínio (Vernichtungskrieg) nas zonas do Leste Europeu ocupadas pelos alemães tais como a Ucrânia, a Bielorrússia, os Países Bálticos e a Rússia, nomes “exóticos” aos ouvidos portugueses, e que desembocou em 27 milhões de vítimas soviéticas, 14 milhões dos quais eram civis. Também não têm sempre em mente que Holocausto e a guerra contra a União Soviética estão intimamente ligados na medida em que o genocídio começou pouco após a ofensiva nestas zonas ocupadas pelos alemães do leste europeu e que 96% das vítimas judaicas não eram alemães nem austríacas. Ainda menos presente ainda está o facto que o Exército alemão, impelido por sentimentos racistas e antibolchevistas, assim como interesses económicos e militares, capturou e maltratou quase 6 milhões de soldados soviéticos: 3 milhões de prisioneiros de guerra sucumbiram a abusos, à fome e execuções alemães. Nenhum país conta mais vítimas do que a União Soviética.
Já vários historiadores tais como Christian Streit, Jürgen Zarusky, Götz Aly ou Christian Gerlach entreoutos apontaram para esta dimensão leste da Segunda Guerra Mundial e da sua importância para se entender a desenfreamento de violência extrema que levou ao Holocausto. No entanto, tal não foi suficiente para marcar a memória coletiva. A política deixou aqui as suas marcas: a ocupação dos territórios a leste pela União Soviética, a Guerra Fria e a divisão da Alemanha votaram as vítimas soviéticas ao esquecimento. Ao inaugurar a exibição Dimensões do Crime: Os Prisioneiros de Guerra Soviéticos durante a Segunda Guerra Mundial no Museu Russo-Alemão em Berlim Karlhorst no dia 18.06.21, o presidente alemão Frank-Walter Steinmeier tentou colmatar essa lacuna ao lembrar estas vítimas no seu discurso.
Nesse local, onde o Exército alemão assinou a capitulação incondicional na noite de 8 a 9 Maio de 1945, o presidente recordou a “barbárie assassina” germânica em nome da cultura de Schiller Goethe, Bach e Beethoven e apelou para que ela sirva de aviso ao mundo. 15 países da antiga União Soviética estavam convidados, apenas o embaixador ucraniano não compareceu por discordar do local do evento e pelo papel recente da Rússia no leste da Ucrânia e na Crimeia.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico