Britney Spears: o que levou a cantora a perder o direito à autodeterminação, o que pode mudar e como
Tem 39 anos e ganha para si e para muitos a quem paga ordenado. Mas não pode movimentar os seus bens, desde que o pai, há 13 anos, foi nomeado seu tutor e curador. Agora, Britney Spears quer ser livre ou, pelo menos, ver-se livre do pai.
Britney Spears falou pela primeira vez publicamente sobre como o facto de estar, há 13 anos e a todos os níveis, sob o controlo de terceiros a deixou “traumatizada”, “revoltada” e “deprimida”. O desabafo foi dirigido por videochamada, esta quarta-feira, ao Tribunal Superior de Los Angeles, onde a juíza Brenda Penny, numa postura apaziguadora, deu toda a atenção ao pedido de emancipação da cantora, de 39 anos. No entanto, a sessão terminou sem que a magistrada pudesse reverter a situação: é que nunca foi apresentada uma petição nesse sentido e, sem isso, o tribunal não tem poder para deliberar sobre o caso.
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Britney Spears falou pela primeira vez publicamente sobre como o facto de estar, há 13 anos e a todos os níveis, sob o controlo de terceiros a deixou “traumatizada”, “revoltada” e “deprimida”. O desabafo foi dirigido por videochamada, esta quarta-feira, ao Tribunal Superior de Los Angeles, onde a juíza Brenda Penny, numa postura apaziguadora, deu toda a atenção ao pedido de emancipação da cantora, de 39 anos. No entanto, a sessão terminou sem que a magistrada pudesse reverter a situação: é que nunca foi apresentada uma petição nesse sentido e, sem isso, o tribunal não tem poder para deliberar sobre o caso.
Mas como chegou a artista fenómeno da música entre adolescentes do início do milénio a este ponto? Como perdeu o direito à autodeterminação e como é de facto a sua vida há 13 anos, tempo ao longo do qual diz não ter podido sequer arranjar as unhas ou o cabelo sem a autorização do seu curador — no caso, o pai —, apesar de ter continuado a produzir trabalhos, a dar concertos e a gerar fortuna. Por que razão lhe foi imposta por lei uma supervisão, como pode escapar à mesma e o que terá de fazer para isso?
Nascimento e queda de uma estrela
O fenómeno Britney Spears nasceu ainda no século XX, com o primeiro álbum de estúdio Baby One More Time (1999), mas foi nos primeiros anos deste milénio que a cantora, nascida em McComb e criada em Kentwood, duas pequenas cidades do estado norte-americano do Mississípi, se tornou na artista adolescente que mais vendera até então: o segundo trabalho de estúdio, Oops!... I Did It Again (2000), quebrou vários recordes. Seguiram-se Britney (2001, nomeado para um Grammy) e In the Zone (2003), do qual saiu o single Toxic, que rendeu a Britney o primeiro Grammy.
Paralelamente, houve uma relação com Justin Timberlake. Britney Spears e o cantor namoraram durante três anos e o fim foi marcante para ambos, mas em sentidos diferentes: a canção Cry me a river, lançada por Timberlake pouco depois, sugeria que Britney o tinha traído e, ao mesmo tempo que a carreira de Justin disparava, a cantora era arrasada na imprensa como traidora e perseguida constantemente pelos paparazzi.
Quase 20 anos depois, e após ter sido exposto pelo documentário Framing Britney Spears, produzido pelo New York Times, o cantor veio a público retractar-se por “todas as vezes” em que não “levantou a voz pelo que era certo”, admitindo que “as suas acções apenas contribuíram para o agravar do “problema”. Timberlake admitiu mesmo ter beneficiado do “sistema que tolera o machismo”.
Ainda assim, Spears seguiu em frente e, durante a digressão de In the Zone, envolveu-se com o dançarino e rapper Kevin Federline, numa relação muito pouco acarinhada pelos fãs. Porém, os dois acabariam por casar, em Setembro de 2004: anunciaram uma festa de noivado e surpreenderam os convidados com um matrimónio, deixando assim a curiosa imprensa de fora. Ainda em 2004, a cantora lançou Greatest Hits: My Prerogative e, um ano depois, o casal produziu o reality show intitulado Britney & Kevin: Chaotic.
O enlace durou dois anos e dois meses, resultou em dois filhos — Sean nasceu em Setembro de 2005; Jayden, em Setembro de 2006 — e no primeiro e único álbum de rap de Kevin.
2008, ano de ruptura
Em finais de 2006, a imprensa devassava a vida de Britney Spears, que a colocara à disposição, como se se tratasse de um livro aberto, com um complicado processo de divórcio e de custódia das crianças, ao mesmo tempo que tentava pôr na rua mais um álbum: Blackout, lançado no fim de 2007 — do disco saíram sucessos como Gimme more, Piece of me e Break the ice.
Mas Britney já tinha iniciado uma espiral descendente, que incluiu o consumo abusivo de álcool e estupefacientes, noitadas (com a amiga Paris Hilton), escândalos e até crimes: foi condenada por conduzir sem carta e por ter batido e fugido, causando danos materiais.
O comportamento errático e as suspeitas de negligência levaram o tribunal a ceder a guarda das crianças ao ex-marido, ficando Britney com direito a visitas monitorizadas.
Até que, em Janeiro de 2008, a polícia foi chamada à residência da cantora pelo facto de esta se recusar a entregar as crianças ao pai: a artista foi, então, levada de ambulância para o Cedars-Sinai Medical Center e as autoridades consideraram que ela estaria sob a influência de uma qualquer substância ilícita. No dia seguinte, os direitos de visita da cantora aos filhos foram suspensos numa audiência de emergência e a custódia física e legal dos menores foi concedida ao pai, Kevin Federline.
Uma semana depois, o hospital deu-lhe alta, mas o facto foi, publicamente, condenado pelos seus pais. “Como pais de uma criança adulta em plena crise de saúde mental, ficámos extremamente desapontados esta manhã ao saber que, por recomendação do psiquiatra assistente, a nossa filha Britney teve alta do hospital que melhor podia cuidar dela e mantê-la em segurança”, escreveram numa declaração em que já anunciavam a intenção: “Estamos profundamente preocupados com a segurança e vulnerabilidade da nossa filha e acreditamos que a sua vida está actualmente em risco. Existem medidas criadas para proteger a nossa filha que estão a ser flagrantemente desrespeitadas. Pedimos apenas que as ordens do tribunal sejam cumpridas para que uma tragédia possa ser evitada.”
A perda dos direitos
A 31 de Janeiro de 2008, Britney era levada, numa aparatosa operação que envolveu mais de uma dúzia de operacionais e até dois helicópteros, para o Centro Médico UCLA para avaliação psiquiátrica. No dia seguinte, o pai de Britney, James ‘Jamie’ Spears, foi nomeado tutor e curador provisório da filha, enquanto os bens desta passaram a ser geridos em conjunto pelo progenitor e pelo advogado Andrew Wallet. Poucos meses depois, a decisão foi tornada permanente, tendo-se mantido inalterada até 2019, altura em que Wallet se demitiu e Jamie Spears se tornou o único curador de um património avaliado em 60 milhões de dólares. Até que o pai foi forçado a afastar-se durante algum tempo do papel de tutor, ou seja, das decisões sobre a vida pessoal da filha, deixando a agente Jodi Montgomery temporariamente nesse papel. O progenitor manteve-se, porém, como curador dos bens.
Em Agosto de 2020, o advogado oficioso de Britney Spears solicitou que Jamie Spears fosse retirado como curador do património da cantora, propondo que essa responsabilidade passasse para o Fundo Bessemer, uma firma de gestão de fortunas e investimentos. No fim, o juiz recusou “despedir” o pai, mas nomeou o Fundo Bessemer para agir como co-curador.
Libertem Britney
Já este ano, a estreia do documentário Framing Britney Spears, do New York Times, que a cantora condenou, veio despertar o interesse sobre o caso e dar uma nova perspectiva sobre toda a situação, levando a que o movimento viral #FreeBritney, com fãs que acreditam que a estrela está nesta situação contra a sua vontade, crescesse. Isto, apesar de a cantora ter, meses antes, garantido estar bem. Paralelamente, o advogado que representa Spears (e que ela não escolheu) apresentou uma moção para que Jamie Spears seja permanentemente substituído por Jodi Montgomery.
De acordo com a imprensa, o pai recebe um salário de 16 mil dólares mensais (quase 13.500€) para tomar conta da fortuna da cantora.
Depois do desabafo emocionado desta semana, se Britney Spears quer mesmo voltar a ser dona da sua vida (ou simplesmente deixar de ter o pai a comandar o seu destino) terá de apresentar uma petição nesse sentido, mas também convencer a juíza de que é capaz de gerir os seus bens e assuntos pessoais.
“Uma vez que uma pessoa esteja sob uma tutela, é difícil sair porque o tribunal não quer retirar essas protecções” e arriscar que haja aproveitamento de quem pode não ser capaz de decidir, explicou um advogado especializado em direito familiar norte-americano, Christopher Melcher, ouvido pela Reuters. Ou seja, no caso, Britney Spears teria “de demonstrar que já não é necessária” a supervisão. No entanto, esta semana, a cantora não se mostrou disposta a ser reavaliada: “Não quero ser avaliada, estar sentada numa sala com pessoas quatro horas por dia como me fizeram antes”, disse. “Se eu posso trabalhar e fazer dinheiro, sustentar-me e pagar [o salário] a outras pessoas…”.
Caso Britney avance com a petição pedida pela juíza Brenda Penny, então, a magistrada poderá destacar um investigador para falar com a interessada e as restantes partes, incluindo os pais da cantora, a sua agente e a instituição financeira que gere os seus negócios. Depois, tendo em conta o conteúdo dessas conversas, o tribunal pode tomar uma decisão sobre o apelo.
“Toda a gente pensa que simplesmente se entra em tribunal com um caso e o juiz vai ouvir e vai compreender que ‘o que eu quero é o que está certo’”, começa por dizer Scott Rahn, advogado versado em fundos e tutelas. Mas, simplesmente “não é assim que funciona”.
A advogada Lisa MacCarley, que apoia o movimento #FreeBritney, disse que a artista tem vindo a ser “maltratada” sob o domínio dos seus protectores, considerando essencial que possa “entrar num gabinete de um consultor jurídico competente e independente e pesar as suas opções”. Aliás, essa foi uma das questões levantadas pela cantora e uma das mais básicas reivindicações de Britney: ter o direito de, ao menos, poder escolher o seu próprio advogado.