“Com criatividade, o lixo não existe”: a R-Coat transforma guarda-chuvas partidos em casacos impermeáveis
Criada por duas jovens com amor pelo planeta e pela moda, a R-Coat quer reduzir o impacto que o ser humano tem na Terra, transformando guarda-chuvas partidos em impermeáveis.
Quando olhamos para os casacos e chapéus impermeáveis, coloridos e divertidos da R-Coat, nem percebemos que noutra vida foram guarda-chuvas partidos que tinham como destino final o lixo. Feitas à mão e em Portugal, estas peças são únicas e promovem a ideia de que “com criatividade, o lixo não existe”. A parte exterior dos produtos é feita a partir de guarda-chuvas, mas o forro é composto por sobras industriais que a marca recebe de uma indústria do Norte do país.
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Quando olhamos para os casacos e chapéus impermeáveis, coloridos e divertidos da R-Coat, nem percebemos que noutra vida foram guarda-chuvas partidos que tinham como destino final o lixo. Feitas à mão e em Portugal, estas peças são únicas e promovem a ideia de que “com criatividade, o lixo não existe”. A parte exterior dos produtos é feita a partir de guarda-chuvas, mas o forro é composto por sobras industriais que a marca recebe de uma indústria do Norte do país.
O projecto R-Coat começou em 2017, quando Anna Masiello, jovem italiana com 27 anos, se mudou para Portugal. Escolheu um mestrado em Estudos do Ambiente e da Sustentabilidade no ISCTE, em Lisboa, e acabou por ficar e concretizar o objectivo de ter um estilo de vida sem desperdício: zero waste. “Este modo de vida ensinou-me a ver tudo com muito valor e não como lixo. Foi nessa altura que comecei a reparar que havia guarda-chuvas partidos em todo o lado, principalmente em Lisboa, nos dias de chuva.”
Conhecendo esta realidade, Anna queria fazer a diferença. “Eu olhava para os guarda-chuvas e pensava que iam ser incinerados e isto é um desperdício enorme”, conta. No mundo da sustentabilidade e do desperdício zero é necessário muita imaginação, diz a jovem. “Como ainda não sabia o que fazer com eles, levei-os todos para minha casa.”
Durante meses, Anna viveu com mais 30 guarda-chuvas partidos no quarto, até que chegou o momento de encontrar uma solução. “Fui fazer uma pesquisa e percebei que ninguém estava a fazer roupa com guarda-chuvas. Havia projectos que faziam acessórios mais simples, mas não roupa, e eu achei que era um bom desafio”, recorda. “Foi aí que fiz o meu primeiro casaco, muito, muito simples, porque não tinha experiência nenhuma de costura ou em design.”
Com esta ideia em mente, Anna participou num evento de moda sustentável, onde conheceu Yasmin Medeiros, jovem brasileira de 30 anos a frequentar o mestrado em
no IADE, também em Lisboa. “Eu já trabalhava em moda no Brasil, mas não acreditava mais nesta vertente de moda”, conta a designer. “Na altura estava a trabalhar em economia circular na moda e o timing foi perfeito. Conheci a Anna e a sua ideia num momento muito bom.”Juntas, as jovens desenvolveram um modelo de negócio e criaram a marca de moda sustentável. “Eu só queria reduzir o desperdício e a Yasmin tinha esta paixão pela moda e por contribuir para um mundo mais sustentável e justo. Juntas conseguimos conciliar as duas paixões: a moda e a redução de desperdício.”
Mas o processo até ao lançamento dos primeiros impermeáveis foi demorado. Numa primeira fase, começaram por trabalhar com uma costureira, mas não sentiram que era a ideal. “Quando a Yasmin se juntou disse-me que se queríamos ter uma marca de qualidade e upcycling [que dá nova vida a objectos usados, reaproveitando materiais e recursos para criar peças únicas], tínhamos de ter materiais com muito boa qualidade, feitos à mão, e que tínhamos de o fazer de forma muito boa”, explica Anna.
“O produto não podia parecer upcycling. As pessoas tinham de olhar e pensar ‘Uau, que casaco de boa qualidade’, e só depois descobrirem que era feito de lixo. E isto demorou muito tempo. Principalmente para conseguir construir uma equipa de costureiras que queira e consiga trabalhar este material tão complicando como é o guarda-chuva”, sublinha a jovem italiana. “Tentámos, durante meses e meses, com costureiras do Norte do país e nenhuma quis ficar connosco. Dava muito trabalho, principalmente na parte do controlo de qualidade: ver se havia buracos, manchas e conseguir que o pano ficasse certinho.” Mais tarde, as empreendedoras encontraram uma costureira em Alenquer “que adora desafios” e, por isso, foi um “match perfeito”.
Apesar de quererem chegar mais longe, pretendem sempre destacar que a R-Coat é uma marca portuguesa. “Temos nacionalidades diferentes, mas queremos manter o ADN local. A marca nasceu aqui, cresceu aqui e, se em algum momento fomos conhecidos internacionalmente, queremos que saibam que esta marca cresceu em Portugal e que toda a sua estrutura seja portuguesa. Queremos sempre fomentar a cultura local”, reforçam as jovens.
Umbrella Heroes
O projecto R-Coat não nasceu sozinho, mas sim com a ajuda de muitos portugueses: só através dos resgates de chapéus de outras pessoas é que é possível crescer. “Todos podemos ser um Umbrella Hero, como gosto de chamar. Se encontrarem um guarda-chuva partido podem entregar num dos vários pontos de recolha de Portugal e assim reduzem a pegada ecológica, pessoal e da comunidade”, explica.
“Nós estamos a tentar abrir mais pontos de recolha para que se possam entregar chapéus partidos. Já temos mais de 30 em Portugal e vamos abrir os primeiros em Itália. Estamos a tentar abrir também novos pontos na Comissão Europeia, em Bruxelas.”
As jovens contam que foi graças à comunidade de Umbrella Heroes que já conseguiram salvar mais de 1000 guarda-chuvas. “É um resultado incrível porque este material não é reciclável e acabaria por ser incinerado ou num aterro, o que significaria mais emissões de gás com efeito estufa”, refere Anna.
“O objectivo é empoderar as pessoas para se tornarem agentes activos de mudança e sentir que podem fazer a diferença e reduzir o desperdício. Só têm que entregar os guarda-chuvas nos pontos de recolha para que nós possamos dar-lhes uma nova vida”, diz Yasmin.
Anna e Yasmin acreditam que ainda há um caminho a percorrer em direcção à sustentabilidade. “Os portugueses são interessados em sustentabilidade e querem ajudar o planeta, mas ainda há uma forte atracção para produtos mais baratos de marcas de fast fashion. O preço ainda lidera nas decisões dos portugueses e, às vezes, a sustentabilidade acaba por ficar em segundo lugar.” Os casacos da marca estão à venda online a partir de 160 euros.
A política da R-Coat é ser o mais transparente possível. No site, explicam e apresentam todos os custos associados ao produto antes do resultado final, desde o preço dos botões aos custos associados ao marketing, passando pelos descontos que têm de fazer ao Estado. “Quando dizemos que somos transparentes é porque o somos de verdade”, explica Yasmin. “Se houvesse mais incentivos para marcas sustentáveis, talvez estes produtos conseguissem ser mais competitivos e mais acessíveis”, ressalva Anna.