Cidades de 15 minutos ou o “big bang da proximidade”. Cabe a todos “reequilibrar” as nossas cidades

Tudo o que faz falta no nosso dia-a-dia a um quarto de hora de distância a pé ou de bicicleta. Menos carros e mais transporte público. Menos movimentos pendulares. “Metros quadrados” de uso misto. Menos poluição, mais e melhor vida para todos – ou seja, várias cidades de 15 minutos, na verdade – e pensadas por todos.

Foto
Nuno Ferreira Santos

Na cidade de 15 minutos há menos carros e mais transporte público. Conseguimos chegar, a pé ou de bicicleta, a tudo o que faz falta no nosso dia-a-dia. Há menos movimentos pendulares. Os “metros quadrados” existentes acolhem mais do que um uso. Há menos poluição, a vida é melhor. Mas, para que seja para todos, esta é uma cidade do “plural” – tem várias centralidades dentro – e faz-se em torno “bem comum”, com a redistribuição de recursos que isso exige.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Na cidade de 15 minutos há menos carros e mais transporte público. Conseguimos chegar, a pé ou de bicicleta, a tudo o que faz falta no nosso dia-a-dia. Há menos movimentos pendulares. Os “metros quadrados” existentes acolhem mais do que um uso. Há menos poluição, a vida é melhor. Mas, para que seja para todos, esta é uma cidade do “plural” – tem várias centralidades dentro – e faz-se em torno “bem comum”, com a redistribuição de recursos que isso exige.

“Para evitar a gentrificação, a cidade deve ser multicêntrica. Para isso, [em Paris] delineámos um projecto em torno do que é mais importante, o bem comum urbano, que é aquilo que nos permite reequilibrar a cidade do ponto de vista económico, social e ecológico”, começou por explicar Carlos Moreno, urbanista, “pai” do conceito da ville du quart d’heure e conselheiro da maire Anne Hidalgo, que abraçou a ideia e começou a pô-la em prática há quase um ano em Paris. “Uma revolução urbana” assente em quatro eixos: ecologia, proximidade, solidariedade e participação cidadã. À nova política de fazer cidade chamaram “regulação”.

O cientista e professor na Sorbonne Business School foi um dos convidados no episódio desta segunda-feira das Conversas Urbanas, uma websérie sobre cidades de e com futuro disponível no PÚBLICO Ao Vivo e que tem o apoio da Gaiurb. Ao lado da arquitecta Alexandra Paio e de Miguel Gaspar, vereador da Mobilidade em Lisboa.

“Num perímetro curto, a pé ou de bicicleta, em 15 minutos em zonas compactas e em 30 em zonas menos compactas”, devemos conseguir ter: habitação, emprego, comércio, cuidados de saúde – física e mental –, cultura e espaços de fruição e descanso. Para conseguir ter várias cidades de 15 minutos, Paris pôs no terreno vários “projectos de circularidade social funcional”, como explica Carlos Moreno.

Os anglo-saxónicos não gostam do termo “regulação”, mas em França, sublinha, estão habituados a fazê-lo. Foi “só” aplicar a regulação à cidade. Como? Com uma empresa municipal que “compra metros quadrados e os aluga abaixo do preço de mercado”, para instalar em todos os bairros da cidade diversos negócios e actividades. Com “um programa de habitação social em toda a cidade”. Com a reconversão de edifícios de escritórios para habitação, ou o contrário, dependendo do bairro. Retirando espaço ao automóvel – 60 mil lugares de estacionamento à superfície, 72% do total, só para dar um exemplo – e alocando-o ao peão. E até criando novos serviços onde deles havia falta. Tudo isso com “800 milhões de euro por ano para projectos de participação cidadã”. A cidade de 15 minutos “é a coluna vertebral de todo o mandato” da maire de Paris, que quer agora tornar “um terço da cidade, o grande centro, exclusivamente pedonal”.

Em Lisboa, seria possível?

Por cá, é possível assistir a um tal “big bang da proximidade”, como lhe chama Moreno? Este novo conceito urbano “é um plano de acção concreto e muito ambicioso”, ressalva o vereador da Economia e Inovação e da Mobilidade da Câmara de Lisboa, que explica que “o facto de duas em cada três pessoas que trabalham em Lisboa não serem da cidade agrava o desafio” e que a resposta tem de ser “à escala metropolitana”. “Haverá uma parte [desses movimentos pendulares] à qual o teletrabalho dará resposta, mas temos de trazer de forma sustentável e eficiente as pessoas de fora para dentro de Lisboa. E só o transporte público tem essa capacidade.”

Dentro da cidade, “a conversa é outra”. Lisboa precisa de mais moradores e isso consegue-se, por exemplo, “com o programa da Renda Acessível”, que considera essencial. E precisa de recuperar espaço público para os lisboetas andarem a pé e de bicicleta, continua.

“Se dentro de cada bairro queremos uma cidade de 15 minutos, precisamos de uma rede para ligar os diferentes bairros. É incompreensível que pessoas que falam de novos tempos usem as soluções dos velhos tempos, o carro, e sejam contra as ciclovias da cidade, nomeadamente a da Almirante Reis. Em teoria gostam da marca, mas depois no concreto não entendem a ambição que é necessária para verdadeiramente transformar a cidade”, concretizou, dando o exemplo de um equipamento que tem feito correr muita tinta e que, de resto, será redesenhado depois de “um processo de discussão pública”.

A autarquia continuará a “secundarizar” o automóvel, rumo ao objectivo de reduzir as viagens em automóvel na cidade a um terço do total, e Miguel Gaspar deu o exemplo da baixa de Lisboa, que, finda a pandemia, a Câmara quer “relançar como uma zona de baixas emissões”.

O que dará “mais trabalho para adaptar é a cidade dos anos 90”, explicou, “aquela cidade das avenidas muito largas. “Mas temos dez anos para transformar a cidade, isso é um dia na vida de uma cidade”.

Toca a todos pensar as cidades

Para Alexandra Paio, quando falamos de mudar as cidades em que vivemos, todos devem ser chamados a contribuir. E, segundo a directora do Doutoramento em Arquitectura dos Territórios Metropolitanos Contemporâneos no ISCTE, “a covid trouxe-nos uma lente mais específica sobre o sítio onde vivemos”.

“Todos os que vivem no espaço público têm de ter um papel activo nessa tomada de decisão. Em Portugal há processos participativos para envolver a população na tomada de decisões, mas é preciso que esta sinta que a cidade é um sistema. É muito importante a capacitação das pessoas.”

E capacitá-las, explica a arquitecta que tem vindo a fazer investigação na área do espaço público e processos participativos, é, por exemplo, “explicar-lhes com palavras simples o que é a cidade de 15 minutos”. “Para que todos nós, sabendo o que isto significa possamos dar a nossa opinião.”

As Conversas Urbanas regressam no dia 28 de Junho, às 14h, para discutir o tema: “Cidades inteligentes, em que fase estamos?”