A pandemia mostrou, “mais do que nunca, que a arquitectura é vida”

O 27.º Congresso Mundial de Arquitectos, no Rio de Janeiro, é dedicado ao impacto dos fluxos migratórios e contará ainda com um debate entre Carmen Silva e Edgar Maza sobre as novas práticas na arquitectura.

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Paulo Pimenta

A arquitecta Carmen Silva, membro do Movimento dos Sem Teto de São Paulo, que luta pelo acesso à habitação na maior cidade brasileira, disse à agência Lusa que a pandemia mostrou, “mais do que nunca, que a arquitectura é vida”.

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A arquitecta Carmen Silva, membro do Movimento dos Sem Teto de São Paulo, que luta pelo acesso à habitação na maior cidade brasileira, disse à agência Lusa que a pandemia mostrou, “mais do que nunca, que a arquitectura é vida”.

“Não adianta um arquitecto criar uma cidade simplesmente pensando no betão, sem vida. Isso não valeria de nada. A arquitectura é para a vida. Ela dimensiona onde as pessoas vão ficar, o modo de vida das pessoas. Agora, com a pandemia, isto ficou mais evidente. Qual foi a primeira frase que gritaram? ‘Fiquem em casa’. Que casa?”, ponderou a especialista, que participará num debate do Congresso Mundial de Arquitectos, com o arquitecto colombiano Edgar Maza, esta terça-feira, 22 de Junho.

A quarta semana aberta do 27.º Congresso Mundial de Arquitectos, no Rio de Janeiro, dedicada ao impacto dos fluxos migratórios nas cidades, tem início esta segunda-feira, 21 de Junho, com um debate sobre migrações e diásporas. Na terça-feira, o tema em discussão será as novas práticas na arquitectura.

Carmen Silva, descrita como uma arquitecta na prática, é uma das líderes do Movimento dos Sem Teto do Centro (MSTC), de São Paulo, que procura garantir o direito à habitação de milhares de pessoas, ocupando e requalificando prédios que foram abandonados pelos donos e permanecem vazios. O centro de São Paulo tem milhares de imóveis nestas condições, a maioria deles inutilizados porque os proprietários têm problemas financeiros, judiciais ou dívidas tributárias muito elevadas. 

O MSTC já foi responsável pela inclusão social de quase 3000 pessoas que moravam nas ruas ou em habitações muito precárias. “Temos [em São Paulo], infelizmente, territórios com um grande adensamento que provoca a falta da habitação, que é uma porta de entrada para outros direitos”, defendeu a arquitecta, em declarações à Lusa.

“Quando nós ocupamos estes espaços que estão abandonados, fazemos uma transformação. Não é simplesmente ocupar por ocupar, mas sim para morar. Morar é participar na vida do território. Esta transformação vai desde questões sanitárias, de renovação dos espaços, a também criar um ambiente que actua em conjunto com outros sectores”, acrescentou.

Carmen Silva contou que reconfigurar edifícios abandonados com o MTSC, é tornar espaços sem função social em lugares onde as pessoas podem morar e a partir dos quais podem se inserir na realidade territorial da cidade.

“Temos uma ocupação na região central onde mantemos um trabalho em rede com a saúde, com a educação. Temos uma horta urbana. Estamos a pegar nestes espaços que estavam sem nenhuma função, ‘ressignificando-os’ e criando uma nova forma de morar”, contou à Lusa.

“Nós ocupamos prédios abandonados com propósito de transformar aquele lugar, não num espaço de habitação provisória, mas num lugar de habitação permanente. O que queremos é transformar um espaço que estava abandonado, cheio de lixo, num espaço de habitação definitiva”, acrescentou.

Questionada sobre expectativas, perante a participação no 27.º Congresso Mundial de Arquitectos, Carmen Silva espera “que os movimentos sociais tenham voz e que, através deste seminário, tão importante, com a participação de muitos arquitectos, possamos fazer esta troca de conhecimento e ter o entendimento de que os movimentos têm um papel fundamental de intermediação entre a comunidade e o poder público, e também com a cidade”.

A brasileira considerou que o conceito de transitoriedade, um dos eixos temáticos da quarta semana aberta do congresso, é pertinente em relação ao seu trabalho: “Vivemos num espaço, no espacial, vivemos também a querer ter um pertencimento nos territórios que habitamos.”

“Como acontece este pertencimento? Participando efectivamente na vida do território, na vida do bairro, tendo uma participação efectiva em tudo o que território nos propõe para não chegarmos como um elemento distante da realidade destes territórios. Quando ocupamos um espaço, temos sempre a intenção de ser inseridos naquele local, na vida pública e socioeconómica”, concluiu.

Marcado inicialmente para Julho de 2020, o 27.º Congresso Mundial de Arquitectos teve de ser adiado para o presente ano devido à pandemia de covid-19. O evento é organizado pela primeira vez no Rio de Janeiro, mas a decorrer de forma totalmente virtual, com mesas de debates, palestras e outras actividades que acontecem desde Março, até Julho.