Destruição de documentos ordenada por Netanyahu “não tem precedentes e é antidemocrática”
Imprensa israelita interroga-se sobre os motivos que levam o ex-primeiro-ministro, que se prepara para ser julgado por corrupção, a insistir na tese de fraude na formação do novo Governo.
A destruição dos documentos que se encontravam nos cofres do gabinete do primeiro-ministro, alegadamente ordenada por Benjamin Netanyahu pouco antes de passar o poder à nova coligação no Governo, liderada por Naftali Bennett (e que vai da esquerda à extrema-direita), “não tem precedentes” e é “inadequada para um Estado democrático”, disse ao diário Ha’aretz o ex-arquivista chefe de Israel, Yaacov Lozowick.
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A destruição dos documentos que se encontravam nos cofres do gabinete do primeiro-ministro, alegadamente ordenada por Benjamin Netanyahu pouco antes de passar o poder à nova coligação no Governo, liderada por Naftali Bennett (e que vai da esquerda à extrema-direita), “não tem precedentes” e é “inadequada para um Estado democrático”, disse ao diário Ha’aretz o ex-arquivista chefe de Israel, Yaacov Lozowick.
A notícia da destruição dos documentos foi avançada pelo mesmo diário de centro-esquerda a semana passada, citando altos conselheiros de Netanyahu. Lozowick, que foi arquivista do Estado durante sete anos, diz que nunca se confrontou com uma situação em que um primeiro-ministro de saída tenha mandado destruir documentos.
Questionado sobre o facto de ter sido pedido a “profissionais” do gabinete do primeiro-ministro para averiguar as denúncias, Lozowick afirma que estes “não têm as ferramentas para conduzir uma análise dessas”. Só os funcionários dos Arquivos do Estado de Israel o poderiam fazer, mas mesmo estes não estão habituados a enfrentar “elementos de oposição que querem destruir coisas”, nota.
Lozowick também rejeitou a alegação do gabinete de Netanyahu de que “todos os documentos oficiais, diplomáticos ou relacionados com a segurança, resumos de reuniões ou conversas são documentos armazenados digitalmente”. “Como alguém que chefiou os Arquivos do Estado de Israel e hoje pesquisa muito material do Gabinete do primeiro-ministro, sei que há documentos que não têm versões digitais”, sublinhou.
Enquanto se espera que a actual chefe dos Arquivos do Estado de Israel se pronuncie sobre a denúncia, a questão não parece para já estar a provocar grandes reacções, com os partidos que formam o novo Governo e os da oposição ocupados com outras preocupações.
O Likud, partido de Netanyahu – que liderou os destinos de Israel durante 12 anos e que no discurso da sessão parlamentar que aprovou o novo Governo, prometeu “We’ll be back soon” –, apresentou na quinta-feira uma moção de censura contra o executivo, argumentando que este “foi estabelecido através de mentiras e fraude”, uma ideia que o ex-chefe de Governo não se cansa de repetir.
A tese que o até agora primeiro-ministro insiste em defender não visa convencer os israelitas que houve fraude eleitoral nas eleições de Março, as quartas em dois anos. “A maior fraude eleitoral na história do país e, na minha opinião, na história das democracias”, como descreveu Netanyahu (obrigando até o Likud a clarificar que estava comprometido com “uma transição pacífica de poder”), é mais uma forma de promover a ideia de que Bennett violou “as regras mais profundas do jogo democrático” ao assumir o cargo de primeiro-ministro quando lidera um partido de apenas seis deputados, o oitavo maior no novo Knesset, escreve o analista Havit Rettig Gur no jornal The Times of Israel.
Sublinhando as diferenças entre os actos de Donald Trump (emotivos e espontâneos) e de Netanyahu (frios e calculistas), o analista conclui que a insistência de que o novo Governo resulta de um acordo “ilegítimo” pode vir mesmo do exemplo do ex-Presidente dos Estados Unidos, que, ao não abandonar as alegações de fraude, encurralou o Partido Republicano na sua órbita. A declaração de Netanyahu, escreve Rettig Gur, “não é sobre o passado, mas sobre o futuro”.
Para além de vários aspirantes à liderança do Likud quererem vê-lo de saída para poderem competir pela sua sucessão, o deputado Nir Barkat, ex-presidente da câmara de Jerusalém, afirmou numa entrevista que se Netanyahu tivesse saído de cena depois das eleições (retirando aos partidos da oposição o seu único factor de união), o partido teria continuado no poder e o novo Governo nunca teria sido estabelecido.
À espera do fim da coligação
Netanyahu, fora do poder pela primeira vez em muito tempo, viu rejeitada a semana passada uma petição dos seus advogados para adiar até Setembro o seu julgamento por acusações de corrupção. Sente-se vulnerável. “A sua insistência de que o novo Governo é uma fraude ilegítima visa tornar mais difícil aos candidatos à sua sucessão no Likud desafiarem-no e aos seus aliados Haredi abandonarem-no”, defende escreve Rettig Gur.
O analista refere-se aos dois partidos da comunidade haredi (ultra-ortodoxos), que se mantiveram foram do Governo e proclamaram a sua lealdade a Netanyahu, apesar de precisarem de fundos para financiar as yeshivas (escolas religiosas) e assegurar que a população haredi cresce, algo que não será possível de garantir a partir da oposição.
Rettig Gur aposta que esta “representação” de Netanyahu não vai durar muito, “mas pode funcionar por tempo suficiente para que a nova coligação se desfaça a partir das suas próprias tensões internas”.