Covid-19. Variante Delta representa já mais de 60% dos casos em Lisboa e Vale do Tejo

Resultados preliminares de Junho de estudo do Insa indicam prevalências da variante Delta superior a 60% em LVT e inferior a 15% no Norte.

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Mário Cruz/Lusa

A variante Delta do novo coronavírus já é dominante em Lisboa e Vale do Tejo (LVT), revelou o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (Insa) este domingo. De acordo com os resultados preliminares das sequenciações obtidas no mês de Junho, no âmbito do estudo sobre a diversidade genética do SARS-CoV-2 em Portugal, aquela variante (B.1.617.2, associada à Índia) tem uma representatividade superior a 60% na região.

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A variante Delta do novo coronavírus já é dominante em Lisboa e Vale do Tejo (LVT), revelou o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (Insa) este domingo. De acordo com os resultados preliminares das sequenciações obtidas no mês de Junho, no âmbito do estudo sobre a diversidade genética do SARS-CoV-2 em Portugal, aquela variante (B.1.617.2, associada à Índia) tem uma representatividade superior a 60% na região.

Já na região Norte a prevalência desta variante é ainda inferior a 15%. “Recorda-se que se estima que a variante Delta tenha um grau de transmissibilidade cerca de 60% superior à variante Alfa [associada anteriormente ao Reino Unido]” que era a mais transmissível anteriormente, lembra o Insa.

João Paulo Gomes, coordenador do estudo sobre a diversidade genética do novo coronavírus, explica ao PÚBLICO que “há fortíssimas indicações” de que a entrada da variante Delta no país tenha acontecido através de “múltiplas introduções” de pessoas que viajaram da Índia para Portugal, nomeadamente para a região de Lisboa e Vale do Tejo.

De acordo com as informações do Insa e da Direcção-Geral da Saúde, com base nos dados genéticos que são associados aos dados epidemiológicos dos inquéritos feitos pela saúde pública, “muitas das introduções, incluindo das primeiras, estavam associadas a pessoas que tinham vindo da Índia” com historial de viagem.

“Através da caracterização genética também conseguimos perceber que muitos dos casos que não tinham historial de viagem (porque não facultavam essa informação ou porque o inquérito não tinha sido feito) tinham vírus geneticamente semelhantes a outras pessoas que tinham historial de viagem e, portanto, estávamos eventualmente a falar das mesmas cadeias de transmissão”, acrescenta o especialista.

O coordenador do estudo admite que o Insa já suspeitava que o número de casos associados a esta variante fosse elevado. Isto porque, para além da “vigilância aleatória” com recurso a dados que os hospitais e laboratórios enviam de todos os pontos do país e que permite uma “amostragem muito forte”, o Insa tem também acompanhado “casos suspeitos que são indicados pela saúde pública”. Esses casos suspeitos estavam a permitir a identificação de muitos casos da variante Delta, coisa que não aconteceu em Maio. Agora em Junho estavam a ser tantos que, de facto, isso só podia ser explicado se esta variante estivesse já com uma forte disseminação, o que se veio a confirmar”, explica, destacando que a grande transmissibilidade da variante Delta “justifica um espalhamento muito rápido”.

O especialista admite ainda que, “nas próximas semanas, estes números aumentem”, que a variante se alastre ao resto do país e que, com o aumento dos casos, aumentem também as hospitalizações (embora as pessoas mais vulneráveis estejam já vacinadas), mas adianta que deverão surgir durante a próxima semana mais dados referentes às outras regiões de Portugal.

“Os países estão a observar um crescimento”

Em termos mundiais, João Paulo Gomes refere que “os países estão a observar um crescimento”, embora o Reino Unido continue a apresentar uma predominância maior desta variante. Contudo, destaca, mesmo no Reino Unido há uma “heterogeneidade muito grande”, visto que os dados da Irlanda não são semelhantes aos de Inglaterra e Escócia (onde é mais predominante). Já os Estados Unidos e Canadá não verificam ainda uma propagação “significativa” da variante Delta, embora estejam já a registar aumentos. “Acho que todo o mundo já percebeu que dentro de um ou dois meses eventualmente esta variante vai substituir em termos de prevalência a variante britânica e, portanto, o cenário mundial será o expectável”, diz.

O “melhor” a fazer é “acelerar o mais possível o processo de vacinação para que as pessoas que têm uma dose passem a ter duas” e as pessoas que não foram ainda inoculadas tenham a vacinação completa “muito rapidamente”, incluindo nas faixas etárias mais jovens — “aqueles que estão mais desconfinados naturalmente como a faixa etária trabalhadora” e os estudantes. O perito mostra assim “grande agrado” pelo facto de, na próxima semana, as pessoas com 35 ou mais anos já poderem proceder ao auto-agendamento da vacinação.

“Tenho muita esperança que a vacinação seja decisiva. Mas é óbvio que o vírus só sobreviverá se surgir com mutações que consigam contornar o sistema imunitário. Portanto, não podemos descartar que daqui a uns meses estejamos a lidar com outra variante qualquer”, alerta o perito, embora acredite que eventuais variantes futuras não tenham “tanto sucesso” porque “a maior parte dos países já terá imunidade de grupo”.

João Paulo Gomes sublinha que a região de Lisboa e Vale do Tejo inclui “vários distritos com múltiplos concelhos” e que “a maior parte das pessoas que trabalham em Lisboa não moram lá”. “Portanto, imaginar um confinamento ou um recuo significativo numa região que é claramente gigantesca e que tem cerca de um terço da população portuguesa com todas as implicações sociais, económicas e de turismo seria muito complexo”, diz. Contudo, nota, “espera-se que algumas medidas específicas entrem em vigor porque a situação na região de Lisboa e Vale do Tejo tem obviamente que ser controlada”.

Para o especialista, o fim das aulas poderá ser benéfico, uma vez que os jovens deixarão de contactar com tantos colegas, o que poderá impulsionar o “processo de redução do número de casos”. Por outro lado, afirma que os grandes ajuntamentos nocturnos, com milhares de pessoas sem máscara e em “contacto muito próximo”, nomeadamente em Lisboa e Vale do Tejo, “devem ser controlados”.

A situação na região da capital levou o Governo a impedir as entradas e saídas da área metropolitana de Lisboa aos fins-de-semana. Já antes, o executivo decidiu que todos os passageiros que viajam da Índia deverão fazer quarentena durante 14 dias após a chegada a território nacional.

Ritmo de vacinação é essencial para travar transmissão

Para o virologista Celso Cunha, do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa, a chave para travar a propagação da variante Delta é precisamente a vacinação. Ao PÚBLICO, o especialista refere que o momento presente continua a ser de “incerteza” e que a pandemia está longe de terminar. “A variante Delta está a dominar os contágios na região de Lisboa e Vale do Tejo e seria bom que não se espalhasse demasiado ao resto do país, mas isso está um bocadinho fora do controlo”, sustenta.

“O que vai permitir controlar mais esta variante é o ritmo de vacinação. Ou seja, quanto mais cedo nós atingirmos um patamar de pessoas vacinadas que seja suficiente para travar a transmissão comunitária, mais cedo nós iremos conseguir travar a transmissão de todas as variantes, incluindo a Delta (embora esta possivelmente com mais dificuldade porque parece que pode escapar com mais facilidade [à eficácia das vacinas])”, defende Celso Cunha. 

Para o virologista, o facto de se limitarem as entradas e saídas na área metropolitana da capital durante o fim-de-semana é uma medida “pouco eficaz” para conter a transmissão, uma vez que se vai continuar a espalhar durante a semana. Além disso, como diz, “as pessoas vão continuar a contaminar-se todas na Grande Lisboa” – o que justificaria medidas específicas para cada concelho da região, uma vez que têm números de casos diferentes.

Celso Cunha recorda ainda que irão continuar a existir pessoas infectadas com outras variantes do vírus, mas “esta, como é mais transmissível, vai espalhar-se mais rapidamente, fazendo com que as outras tenham um peso relativo menor.” Para o virologista, o facto de o valor do R(t) – índice de transmissibilidade – estar a subir há já mais de um mês está com certeza ligado à propagação da variante Delta no país: “sabendo-se que esta variante é mais transmissível do que a inglesa [Alfa], é natural que o R(t) suba devido ao aumento de casos da variante indiana [Delta]”.

Variante Alfa é mais representativa no Norte

Por outro lado, a análise do Insa dos resultados das primeiras amostras sequenciadas em Junho indica ainda uma situação diferente em relação à variante Alfa, estimando-se uma prevalência desta variante de cerca de 30% em LVT e de 80% no Norte.

O Insa refere que estes são resultados preliminares, mas que, ainda assim, “permitem conhecer melhor a prevalência das principais variantes genéticas do SARS-CoV-2 em Portugal, nomeadamente para as regiões LVT e Norte, nas quais a amostragem é mais significativa”. Os resultados agora divulgados constituem ainda “apenas uma fracção do total de amostras positivas de covid-19 que ainda serão analisadas durante o mês de Junho”, informa o instituto. 

Os dados apresentados sugerem ainda uma representatividade de apenas 2,5% da mutação K417N (apontada como alvo de vigilância apertada pelas autoridades de saúde do Reino Unido, sendo que Portugal era um dos países onde tinha sido identificada na variante Delta) nos casos associados a esta variante. “Estes resultados sugerem que a variante Delta com esta mutação adicional não ganhou expressão relevante em Portugal”, acrescenta o Insa.

Não foram identificadas amostras nas quais a variante Beta (associada à África do Sul) estivesse presente neste mês. Já a variante Gama (501Y.V3, associada ao Brasil, Manaus) aparece com uma prevalência de cerca de 3%, tanto na região Norte como em LVT, mantendo os valores estimados no mês de Maio.