Rei Burak, o velhote

No Euro 2020, a Turquia foi um zero total, sem pontos, sem engenho e até sem brio. Burak Yilmaz, que foi o primeiro jogador a tocar na bola no Euro, era, talvez, o que menos merecia este desfecho.

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Reuters/DARKO VOJINOVIC

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Era uma vez um goleador tremendo. Um daqueles que se tornam heróis. Este goleador jogou anos a fio no seu país – lá, chamavam-lhe “kral”, palavra turca para “rei”. E também lá, na Turquia, era bem pago e idolatrado pelo que fazia, ganhando prémios individuais e/ou colectivos praticamente todos os anos. Depois, decidiu ir para a China – onde, evidentemente, também fez golos –, antes de regressar ao seu palco supremo, a Liga turca.

Este jogador chegou aos 35 anos e tinha, sobretudo, três hipóteses: começar a pensar na reforma, experimentar outros locais de “milhões no bolso”, como os Estados Unidos ou o Médio Oriente, ou, por fim, manter-se na Turquia, onde era o “kral”. Qual foi a opção? Experimentar, pela primeira vez, um campeonato “big 5”.

Esta é a história bizarra de Burak Yilmaz, o goleador turco que tem feito a carreira ao contrário. Nada era suposto acontecer assim. Mas, entre a alcunha de “rei” e o cognome “velhote”, Yilmaz decidiu, aos 35 anos, assinar contrato pelo Lille, de França.

Burak é ainda hoje, a par de Sergen Yalcin, um dos dois jogadores a terem jogado nos “big 4” do futebol turco (Besiktas, Fenerbahce, Galatasaray e Trabzonspor). Na Turquia, o “kral” não podia sair à rua, como contou à France Football o ex-colega Chedjou.

“Ele é uma estrela na Turquia, não muito atrás do Hakan Sükür. Não pode ir à rua, sob pena de se instalar a confusão. Lembro-me de que uma vez eu quis experimentar um dos melhores restaurantes de Istambul, mas disseram-me que estava cheio. O Burak ligou e conseguiu-me logo uma mesa”.

Serve esta história para explicar o quanto Burak Yilmaz tinha a ganhar em ficar na Turquia e a transferência para França, no último Verão, era um movimento bastante arriscado para todos.

Para o Lille, porque apostava forte num jogador propenso a lesões e que nunca tinha dado provas num campeonato melhor do que o turco. Para Burak, porque estava, no Lille, a arriscar toda a aura conquistada durante 15 anos de carreira, além de receber o fardo de substituir a estrela Victor Osimhen, vendida ao Nápoles.

Sim, tinha tudo para correr mal. Sim, correu melhor do que bem. O Lille foi campeão francês, superando o poderoso Paris Saint-Germain, e Burak, ao lado de José Fonte, Xeka e Renato Sanches, marcou 16 golos em 38 jogos, média apenas superada pelos 27 golos em 31 jogos de Kylian Mbappé.

Com a sua muito apreciada camisola 17, Burak mostrou, em França, aquilo que já lhe poderia ter valido o estrelato anos antes: força física, do alto de quase 1,90 e mais de 80kg, jogo de apoios frontais, unindo a equipa, capacidade de explorar a profundidade, força aérea, movimentação de elite, finalização e até valências nas bolas paradas.

No Euro 2020, a Turquia foi um zero total, sem pontos, sem engenho e até sem brio. Burak Yilmaz, que foi o primeiro jogador a tocar na bola no Euro 2020, no pontapé de saída do Itália-Turquia ainda lutou, em especial no jogo frente à Suíça, mas, desacompanhado por uma equipa “morta”, fê-lo em vão. E era, talvez, o que menos merecia este desfecho, depois de uma temporada de sonho.