Tribunal belga conclui que AstraZeneca “violou deliberadamente” o contrato assinado com a UE
Juíza fixou um calendário vinculativo para a farmacêutica entregar 50 milhões de doses de vacina contra a covid-19 até ao fim de Setembro. Valor está muito abaixo do que exigia a Comissão e do que previa o contrato.
Uma juíza do tribunal de primeira instância de Bruxelas concluiu, esta sexta-feira, que a farmacêutica AstraZeneca “violou deliberadamente” os termos do contrato de aquisição prévia de vacinas contra a covid-19 assinado com a União Europeia e não cumpriu a sua obrigação de fazer os “melhores esforços razoáveis” para entregar as 300 milhões de doses encomendadas pela Comissão em nome dos 27 estados-membros.
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Uma juíza do tribunal de primeira instância de Bruxelas concluiu, esta sexta-feira, que a farmacêutica AstraZeneca “violou deliberadamente” os termos do contrato de aquisição prévia de vacinas contra a covid-19 assinado com a União Europeia e não cumpriu a sua obrigação de fazer os “melhores esforços razoáveis” para entregar as 300 milhões de doses encomendadas pela Comissão em nome dos 27 estados-membros.
A justiça belga ordenou a empresa anglo-sueca a entregar 50 milhões de doses da vacina contra a covid-19 até ao dia 27 de Setembro, e estabeleceu uma penalização de dez euros por dia por dose se a farmacêutica desrespeitar um novo calendário vinculativo: 15 milhões de doses até às 9h (8h de Lisboa) de dia 26 de Julho; 20 milhões até 23 de Agosto, e outros 15 milhões até 27 de Setembro.
Com esta decisão, o tribunal garante que até ao final do Verão, a AstraZeneca terá fornecido 80 milhões de doses à UE: 30 milhões que chegaram até ao fim de Março e os 50 milhões que terão de ser entregues antes do fim do terceiro trimestre. A farmacêutica já fez saber que cumprirá com a ordem judicial: como notou uma fonte europeia, antecipando-se ao veredicto da juíza, a AstraZeneca decidiu “espontaneamente” acelerar as suas entregas, tendo distribuído 40 milhões de doses desde o final de Março (o que quer dizer que apenas lhe basta entregar dez milhões de doses nos próximos três meses).
O valor que foi fixado pela juíza é menor do que a Comissão Europeia exigia e está significativamente abaixo do que estava previsto no contrato — razão pela qual a multinacional declarou vitória num comunicado emitido depois do anúncio da decisão do tribunal. De acordo com o calendário de entregas anexo a esse documento, assinado entre as partes em Agosto de 2020, a farmacêutica deveria entregar 120 milhões de doses de vacinas até Março de 2021. Para Abril estavam previstas mais 80 milhões de doses, com outros 40 milhões no mês de Maio e 60 milhões de doses até o fim de Junho, data em que previsivelmente o contrato seria cumprido na totalidade.
Logo no início do ano, a AstraZeneca identificou uma série de problemas de produção e distribuição, e informou Bruxelas que não estaria em condições de cumprir os termos do contrato — uma notícia que caiu como uma bomba, uma vez que comprometia o arranque da campanha europeia de vacinação contra a covid-19. A preocupação da Comissão transformou-se em fúria quando, na sequência dos contactos com a empresa, verificou que a AstraZeneca não estava a utilizar todas as unidades identificadas no contrato para o abastecimento da UE.
Concretamente, a farmacêutica estava a canalizar a produção das unidades da Halix, nos Países Baixos, e da Oxford Biomedica, no Reino Unido, para o abastecimento do mercado britânico, o que segundo a Comissão, punha em causa os seus “melhores esforços” para honrar o contrato. O tribunal de Bruxelas validou os argumentos do executivo comunitário, e decretou que a empresa foi “negligente” e não assegurou os seus “melhores esforços” para cumprir o contrato.
“A decisão do tribunal reconhece a interpretação do contrato de aquisição prévia tal como foi feita pela Comissão e nesse sentido é inteiramente satisfatória para nós”, reagiu um dos advogados que representou o executivo comunitário em tribunal. A sentença “diz claramente que para entregar o número de doses que está prevista no contrato, a AstraZeneca tem de recorrer à capacidade de todas as unidades de produção que são mencionadas no contrato, incluindo a Halix e Oxford Biomedica”, sublinhou.
Até agora, a empresa não enviou nem uma única dose produzida na fábrica britânica para a União Europeia. Segundo alegaram os seus representantes em tribunal, a UE não tinha direito de prioridade ou exclusividade sobre outras partes” com quem a AstraZeneca também assinou contratos, nomeadamente o Governo do Reino Unido, que alegadamente reservou para si próprio toda a produção da Oxford Biomedica.
A equipa jurídica da Comissão contrapôs que Bruxelas nunca reclamou prioridade ou exclusividade, mas sim que o facto de a AstraZeneca ter outras obrigações contratuais com terceiros não a eximia do cumprir os termos que tinha assinado com a UE. Para o advogado da Comissão, o facto de o tribunal ter derrubado a tese da farmacêutica, e determinado que a “recusa deliberada” da empresa em recorrer a essas unidades constituía uma “infracção grave”, pode ter “um impacto positivo” nas entregas futuras. “Provavelmente vai resultar numa aceleração das entregas no futuro”, estimou.
No âmbito do contrato, a AstraZeneca ainda terá de entregar 220 milhões de doses de vacinas até ao fim do ano. Ao contrário do que a Comissão pediu, o tribunal não fixou um calendário juridicamente vinculativo para o fornecimento de doses depois o terceiro trimestre, uma vez que esta foi apenas uma primeira pronúncia no quarto de um procedimento de urgência, e que novas audições judiciais estão já agendadas para o fim de Setembro. Com Lusa