Observatório sobre Crises alerta para riscos do fim das moratórias

A análise destaca que os empréstimos concedidos pelas instituições bancárias a famílias concentram-se nos empréstimos à habitação, que constituem cerca de 80% do total dos empréstimos concedidos.

Foto
Rui Gaudencio

O Observatório sobre Crises e Alternativas prevê que as empresas e famílias tenham dificuldade em pagar os seus empréstimos quando terminarem as moratórias, em Setembro, comprometendo o sector bancário nacional e a retoma económica, refere o seu Barómetro hoje publicado.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

O Observatório sobre Crises e Alternativas prevê que as empresas e famílias tenham dificuldade em pagar os seus empréstimos quando terminarem as moratórias, em Setembro, comprometendo o sector bancário nacional e a retoma económica, refere o seu Barómetro hoje publicado.

“O fim das moratórias de crédito em Setembro próximo, em simultâneo com o término de outras medidas extraordinárias de mitigação dos efeitos da pandemia, acarreta riscos elevados. (...) Empresas e famílias acumulam um maior volume de dívida que, num cenário realista de recuperação apenas parcial da actividade económica, não será fácil pagar, e que compromete o sector bancário nacional”, segundo a análise efectuada.

De acordo com o Barómetro das Crises, do pólo de Lisboa do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, as empresas e famílias que mais recorreram à moratória do crédito correspondem aos segmentos mais afectados pela pandemia, designadamente empresas e trabalhadores do sector do alojamento e restauração.

“A recuperação da sua situação financeira dependerá da recuperação da actividade económica destes sectores, o que torna a economia de novo dependente de um sector com reduzido valor acrescentado assente em trabalho precário e salários baixos. Assim, as políticas de apoio aos sectores mais afectados deverão ser acompanhadas por políticas de estímulo aos sectores com maior efeito de arrastamento económico”, defende o documento.

A análise feita pelos investigadores Catarina Frade, Ana Cordeiro Santos, Nuno Teles salienta que os empréstimos concedidos pelas instituições bancárias a famílias concentram-se nos empréstimos à habitação, que constituem cerca de 80% do total dos empréstimos concedidos.

Mas a distribuição dos empréstimos por finalidade do crédito não se espelha de modo proporcional na composição dos empréstimos vencidos.

Em Março de 2021 os empréstimos à habitação representavam cerca de 27% do total dos empréstimos vencidos, enquanto os empréstimos ao consumo e outros fins relacionavam-se com cerca de 73% destes empréstimos.

“Ao suspender o pagamento das prestações bancárias, a moratória de crédito teve o propósito de suavizar as necessidades de liquidez e reduzir o risco de incumprimento das empresas e famílias. No caso dos sectores mais afectados pela pandemia, a moratória do crédito permitiu aliviar um pouco mais a pressão ao estender as maturidades por 12 meses, dilatando o pagamento das prestações bancárias por mais um ano. No entanto, no actual contexto de crise, a moratória de crédito não faz mais que adiar o pagamento de uma dívida que se avoluma”, alerta o Barómetro.

O documento cita uma estimativa da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), que prevê que Portugal será um dos países que mais vai demorar a recuperar da crise pandémica.

“Segundo esta organização, serão precisos dois anos e três trimestres para que o PIB [Produto Interno Bruto] “per capita” português atinja o valor de 2019. (...) Perante uma recuperação económica lenta, a solvabilidade de empresas e famílias está em risco”, adverte.

Tendo em conta a importância das moratórias em Portugal, bem como a cessação de outras medidas no mesmo prazo, o Barómetro afirma que “o levantamento da moratória de crédito a partir de Outubro próximo poderá ser precoce” e levar “ao aumento abrupto das insolvências e do desemprego que se queria evitar, comprometendo a retoma económica”.

“Sendo ainda cedo para aferir a magnitude do impacto do fim das moratórias, é previsível que o volume dos empréstimos vencidos das empresas e famílias venha a aumentar após Setembro de 2021, afectando o sistema financeiro nacional. Este impacto está já a ser antecipado pela generalidade dos bancos nacionais, admitindo que o principal risco com que se deparam no curto prazo é precisamente o enfrentamento de perdas com o fim das moratórias”, refere a análise.

O Barómetros das Crises considera ainda que a evolução da situação financeira das empresas, famílias e bancos dependerá da eficácia das políticas públicas de estímulo à actividade económica e de apoio aos sectores mais frágeis e às famílias.

A moratória de crédito é uma medida excepcional de apoio a empresas e famílias que teve o propósito de mitigar os impactos económicos e financeiros da contracção da actividade económica decorrente da pandemia.

No final de Abril de 2021, o montante total de empréstimos abrangidos por moratória era de cerca de 38 mil milhões de euros, correspondendo a cerca de 31% do montante total dos empréstimos bancários, com os empréstimos a empresas a representarem cerca de 61% e a famílias 39% do total destes empréstimos.