Morreu Vítor Fernandes, artista por detrás do glitter de Natasha Semmynova
Morreu aos 41 anos uma das drag queens mais conhecidas nas noites do Porto. Mostrava que o transformismo podia ter muitas corporalizações — todas elas ainda “menosprezadas” em Portugal.
Vítor Fernandes, o artista por detrás da música e glitter de Natasha Semmynova, morreu na sequência de um cancro de pulmão, esta terça-feira, 15 de Junho, aos 41 anos.
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Vítor Fernandes, o artista por detrás da música e glitter de Natasha Semmynova, morreu na sequência de um cancro de pulmão, esta terça-feira, 15 de Junho, aos 41 anos.
Conhecido nas noites de drag do Porto muito antes de participar no The Voice Portugal, programa de talentos da RTP1, em 2015, Vítor Fernandes começou a criar Natasha Semmynova em 1999. “Escancarou a porta para outras imagens idênticas colorirem o espaço monocromático”, escreveu João Paulo, do Portugal Gay, na publicação no Facebook em que fala da morte do amigo.
Distinguia-se por ser uma figura ambígua e andrógina, ao actuar de barba e corpetes, mas sem perucas e próteses de mamas, uma opção pouco comum no transformismo. “Descompliquem! Não tentem sequer perceber ‘ai, mas aquilo é o quê?’. É o que é”, disse em 2014 numa entrevista para um projecto do estudante António Martinó, referindo-se às drag queens em geral e em especial a Conchita Wurst, transformista que venceu o Festival Eurovisão e que chegou a interpretar numa das muitas noites no Café Lusitano, no Porto. “Não sou bem uma drag queen, não sou um transformista, porque me considero mais fora do comum do que o tradicional”, apresentava-se, no perfil fotográfico publicado no P3. Preferia ser conhecido por performer.
Natasha Semmynova era mestre-de-cerimónias do Porto Drag Fest, festival que, como Vítor Fernandes, tentava mostrar as múltiplas vidas do transformismo, ainda uma “arte menosprezada” em Portugal, dizia. O artista trabalhava como maquilhador profissional, quando não se maquilhava a ele mesmo para actuar actuar nos míticos Boys'r'us, Moinho de Vento e Him/Syndikato e na festa Porto Pride, que durante anos ocupou o Teatro Sá da Bandeira. Nos últimos anos, participou também em várias sessões do ciclo Quintas de Leitura, do Teatro Municipal do Porto.
“Ultimamente, o Vítor estava a ficar muito mais politizado. Nos espectáculos que fazia, queria passar às pessoas não só a versão do brilho, do show, da cor, mas transmitir também uma mensagem de liberdade. Queria mostrar que a festa é importante, mas que havia um trabalho a fazer. Conquistar o que não está conquistado e preservar o que foi conquistado”, relembra, ao telefone com o P3, João Paulo, que conheceu a segunda pele de “Vítor Semmynova” no extinto Boys'r'us. “O que me impressionou nele, e que não vejo em todos os transformistas, é que ele não fazia uma música porque sim, fazia uma música depois de a estudar. Era um perfeccionista a todos os níveis”, diz sobre o amigo que tinha uma “paixão louca pelos The Cranberries”.
Em Abril de 2021, depois de mais de um ano de bares e discotecas fechadas, sem conseguir trabalhar e já muito “incapacitado”, Vítor Fernandes recorreu às redes sociais para pedir ajuda financeira para pagar contas domésticas e despesas médicas do “grave cancro do pulmão" que enfrentava, enquanto aguardava pelo atestado de incapacidade que permite o acesso a descontos e subsídios.
O funeral vai realizar-se na quarta-feira, 16 de Junho, às 15h, na capela de Águas Santas, informa o colectivo de activistas Caleidoscópio LGBT. O velório está a decorrer no mesmo local até às 23h.