Morreu Vítor Fernandes, artista por detrás do glitter de Natasha Semmynova

Morreu aos 41 anos uma das drag queens mais conhecidas nas noites do Porto. Mostrava que o transformismo podia ter muitas corporalizações — todas elas ainda “menosprezadas” em Portugal.

Foto
Natasha Semmynova, no Porto Drag Fest, em Fevereiro de 2020. Paulo Pimenta

Vítor Fernandes, o artista por detrás da música e glitter de Natasha Semmynova, morreu na sequência de um cancro de pulmão, esta terça-feira, 15 de Junho, aos 41 anos.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Vítor Fernandes, o artista por detrás da música e glitter de Natasha Semmynova, morreu na sequência de um cancro de pulmão, esta terça-feira, 15 de Junho, aos 41 anos.

Conhecido nas noites de drag do Porto muito antes de participar no The Voice Portugal, programa de talentos da RTP1em 2015, Vítor Fernandes começou a criar Natasha Semmynova em 1999. “Escancarou a porta para outras imagens idênticas colorirem o espaço monocromático”, escreveu João Paulo, do Portugal Gay, na publicação no Facebook em que fala da morte do amigo.

Foto
Natasha Semmynova, no Porto Drag Fest, em Fevereiro de 2020. Paulo Pimenta
Foto
Vítor Fernandes a vestir a sua segunda pele, Natasha Semmynova, no Porto Drag Fest, em Fevereiro de 2020. Paulo Pimenta

Distinguia-se por ser uma figura ambígua e andrógina, ao actuar de barba e corpetes, mas sem perucas e próteses de mamas, uma opção pouco comum no transformismo. “Descompliquem! Não tentem sequer perceber ‘ai, mas aquilo é o quê?’. É o que é”, disse em 2014 numa entrevista para um projecto do estudante António Martinó, referindo-se às drag queens em geral e em especial a Conchita Wurst, transformista que venceu o Festival Eurovisão e que chegou a interpretar numa das muitas noites no Café Lusitano, no Porto. ​Não sou bem uma drag queen, não sou um transformista, porque me considero mais fora do comum do que o tradicional”, apresentava-se, no perfil fotográfico publicado no P3. Preferia ser conhecido por performer. 

Natasha Semmynova era mestre-de-cerimónias do Porto Drag Fest, festival que, como Vítor Fernandes, tentava mostrar as múltiplas vidas do transformismo, ainda uma “arte menosprezada” em Portugal, dizia. O artista trabalhava como maquilhador profissional, quando não se maquilhava a ele mesmo para actuar actuar nos míticos Boys'r'us​, Moinho de Vento e Him/Syndikato e na festa Porto Pride, que durante anos ocupou o Teatro Sá da Bandeira. Nos últimos anos, participou também em várias sessões do ciclo Quintas de Leitura, do Teatro Municipal do Porto.

Fotogaleria
António Martinó

Ultimamente, o Vítor estava a ficar muito mais politizado. Nos espectáculos que fazia, queria passar às pessoas não só a versão do brilho, do show, da cor, mas transmitir também uma mensagem de liberdade. Queria mostrar que a festa é importante, mas que havia um trabalho a fazer. Conquistar o que não está conquistado e preservar o que foi conquistado”, relembra, ao telefone com o P3, João Paulo, que conheceu a segunda pele de “Vítor Semmynova” no extinto Boys'r'us. “O que me impressionou nele, e que não vejo em todos os transformistas, é que ele não fazia uma música porque sim, fazia uma música depois de a estudar. Era um perfeccionista a todos os níveis”, diz sobre o amigo que tinha uma “paixão louca pelos The Cranberries”.

Em Abril de 2021, depois de mais de um ano de bares e discotecas fechadas, sem conseguir trabalhar e já muito “incapacitado”, Vítor Fernandes recorreu às redes sociais para pedir ajuda financeira para pagar contas domésticas e despesas médicas do “grave cancro do pulmão" que enfrentava, enquanto aguardava pelo atestado de incapacidade que permite o acesso a descontos e subsídios. 

O funeral vai realizar-se na quarta-feira, 16 de Junho, às 15h, na capela de Águas Santas, informa o colectivo de activistas Caleidoscópio LGBT. O velório está a decorrer no mesmo local até às 23h.