Morreu Ned Beatty, o actor secundário “mais solicitado em Hollywood”
Estreou-se em Fim-de-Semana Alucinante, de John Boorman, e durante quatro décadas entrou em mais de centena e meia de filmes. Network – Escândalo na TV valeu-lhe uma nomeação para o Óscar de Melhor Actor Secundário.
Foi a revista Variety quem, uma vez, classificou Ned Beatty como “o actor secundário mais solicitado de Hollywood”. E os números confirmam-no: numa carreira iniciada tardiamente, já avançado na casa dos trinta e durante não mais de quatro décadas, o actor norte-americano deu corpo a mais de centena e meia de filmes e produções televisivas, não falando do seu trabalho no teatro.
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Foi a revista Variety quem, uma vez, classificou Ned Beatty como “o actor secundário mais solicitado de Hollywood”. E os números confirmam-no: numa carreira iniciada tardiamente, já avançado na casa dos trinta e durante não mais de quatro décadas, o actor norte-americano deu corpo a mais de centena e meia de filmes e produções televisivas, não falando do seu trabalho no teatro.
Já retirado dos ecrãs desde 2013, Ned Beatty morreu na manhã deste domingo, na sua casa em Los Angeles, aos 83 anos, “de causas naturais e rodeado pela família e pelos amigos mais próximos”, disse a sua agente, Deborah Miller, citada pela imprensa americana.
O mínimo que se pode dizer é que, mesmo se tardia, a carreira de Ned Beatty no cinema deixou marcas memoráveis: em Fim-de-Semana Alucinante (Deliverance, 1972), realizado por John Boorman, é Bobby Trippe, um dos quatro amigos que se aventuram em descer um rio numa canoa para um fim-de-semana de natureza e descontracção, mas que acaba em violência e morte. Ao lado de Burt Reynolds e John Voight, a personagem de Ned é vítima de sodomização por dois montanheses, numa cena que haverá de o acompanhar toda a vida. “Eu conheço-o! Eu conheço-o! Onde é que já o vi?”, disse uma vez o actor, em 1992, ao evocar o modo como muitas vezes era interpelado na rua por referência a essa sequência...
Mas se é verdade que a sua chegada aos ecrãs foi tardia, a sua primeira década de trabalho no cinema e na televisão rendeu-lhe logo meia centena de títulos, praticamente um terço do que viria a fazer numa carreira maioritariamente marcada por personagens secundárias, mas que deixariam rasto. Logo nessa década de 70, Ned Beatty haveria de estar nos elencos de quatro títulos nomeados para os Óscares de Melhor Filme: além de Deliverance, Nashville (Robert Altman, 1975), Os Homens do Presidente (Alan J. Pakula, 1976) e Network – Escândalo na TV (Sidney Lumet, 1976). Com a particularidade de, neste último, ter-se visto também nomeado na categoria de Melhor Actor Secundário, pelo papel de Arthur Jensen, um patrão da televisão — uma espécie de “messias folclórico”, como lhe chamou o New York Times – que, num monólogo de 3 minutos, faz o retrato da América dominada pelas grandes empresas e corporações: “A América não existe; a democracia não existe”, diz Jensen, acrescentando que o que há é a IBM e a ITT, a Union Carbide e a Exxon. “Essas é que são as ‘nações’ do mundo de hoje”.
Foi também ao diário nova-iorquino que, em 1977, Ned Beatty explicou por que sempre preferiu fazer personagens secundárias. Numa associação com o imaginário do basebol, o actor lembrou que “as stars nunca querem lançar bolas curvas” ao público, antes preferem confirmar aquilo que os espectadores esperam delas. “Mas eu, a minha grande alegria é lançar uma bola curva; é fazer o inesperado, surpreender o público”, justificou.
E foi isso que fez em tantos e tantos papéis e personagens: o advogado em Nashville, o repórter em Os Homens do Presidente, o polícia em Nas Teias da Mafia (The Big Easy, de Jim McBride, 1987), o detective na série Homicide: Life on the Street (1993-95), o capanga do vilão Lex Luthor nos dois Super-Homem protagonizados por Christopher Reeve (realizados por Richard Donner e por Richard Lester, 2008 e 2010), ou, já também na fase final da sua carreira, a voz dada ao maquiavélico urso Lotso em Toy Story 3 (Lee Unkrich, 2010). Um trabalho que justificou que, conhecida a sua morte, o realizador desta animação tivesse escrito no Twitter: “Foi uma alegria, e uma honra incrível, ter trabalhado contigo. Obrigado Ned, por teres dado vida ao Lotso, nas suas facetas boas e más. Vais fazer-nos falta”.
Ned Thomas Beatty nasceu no dia 6 de Julho de 1937 num ambiente rural de Louisville, no Kentucky. Começou a interessar-se pelo mundo da música e do teatro — pelos palcos, afinal — na igreja protestante dos Discípulos de Cristo, em Lexington. A aprendizagem do teatro, fê-la passando por grupos de Abingdon, na Virgínia, e depois também de Houston e de Washington, como a D.C,’ Arena Stage Company, onde fez um Tio Vânia, de Tchekov, e Morte de um Caixeiro Viajante, de Artur Miller… Até que o conhecimento de que John Boorman estava em Nova Iorque a fazer audições para o elenco de Deliverance o fez apanhar um comboio que haveria de mudar o rumo da sua carreira.
Um dia, perguntaram-lhe como é que tinha ido parar ao show business, tendo ele nascido e crescido num lugar tão distante desse mundo. “Por conviver com as ‘pessoas erradas’”, respondeu Ned Beatty com ironia. Entre essas “pessoas erradas”, além das atrás já citadas, estiveram também John Huston, Steven Spielberg, Paul Newman, Robert Redford, Richard Burton, Marlon Brando, Gene Hackman…
Ned Beatty casou quatro vezes e teve oito filhos.