“Pandemigra”

Se a pandemia nos retirou a todos três meses de esperança de vida, a preparação desta viagem para Portugal cortou mais uns sete.

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A viagem a Portugal foi marcada após uma tarde bem passada agarrado ao computador com o anúncio de abertura para viagens internacionais do Governo britânico num ecrã e um motor de busca de voos no outro, criando assim o meu novo jogo preferido: Bingolidays. Grécia? Os voos já triplicaram e não parecia que reunisse as condições para poder regressar sem fazer quarentena. Ilhas Faroé? Estava pouco disposto a sofrer ainda mais de claustrofobia insular do que já passámos este ano. Quase que reservei uma estância em Telavive, o que se viria a revelar uma má opção, e ainda encomendei um guia para a Islândia mas eis que o nome de Portugal foi incluído na lista verde de destinos de turismo. Bingoliday!

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A viagem a Portugal foi marcada após uma tarde bem passada agarrado ao computador com o anúncio de abertura para viagens internacionais do Governo britânico num ecrã e um motor de busca de voos no outro, criando assim o meu novo jogo preferido: Bingolidays. Grécia? Os voos já triplicaram e não parecia que reunisse as condições para poder regressar sem fazer quarentena. Ilhas Faroé? Estava pouco disposto a sofrer ainda mais de claustrofobia insular do que já passámos este ano. Quase que reservei uma estância em Telavive, o que se viria a revelar uma má opção, e ainda encomendei um guia para a Islândia mas eis que o nome de Portugal foi incluído na lista verde de destinos de turismo. Bingoliday!

Carreguei logo no botão, pouco importado com o facto de ter de vender uma córnea para ir à terrinha reencontrar a família. As crianças qualquer dia não conseguiriam distinguir as interacções com a Peppa Pig das com os avós e nós estávamos com uma necessidade urgente de passar três ou quatro dias sem pensar na insuficiência de vitamina D, telescola, teletrabalho, segundas e terceiras vagas de contágio e o resto as tarefas domésticas que nos ocupam quase todas as horas de cada dia, sem perdão, há mais de um ano. 

Se a pandemia nos retirou a todos três meses de esperança de vida, a preparação desta viagem cortou mais uns sete. Uma vez utilizado um dos múltiplos vouchers de companhias aéreas que tínhamos para a troca, começou então a saga de preparação de férias em tempos de cólera, com o bónus de os requisitos de entrada em cada país estarem em mudança constante. O próprio ministro que anunciou a possibilidade de viagem para Portugal já tinha sido apanhado e teve que ser repatriado com direito a quarentena, o que não inspirava grande confiança.

O Consulado Português remeteu-me para o site do SEF e os suores frios começaram-se a sentir, antevendo a possibilidade de ser convidado a acompanhar um agente a uma salinha escondida para “responder a perguntas de emigração”. Conclusão: tivemos que preencher oito formulários de localização, fazer quatro testes PCR 72 horas antes de entrar em Portugal, dois testes antigénio 72 horas antes de regressar ao Reino Unido e mais dois PCR ao segundo dia do regresso, elevando o custo da brincadeira para o equivalente a duas semanas num bungalow sobre o mar na Polinésia Francesa em regime de pensão completo.

A saída do Reino Unido deu-se de forma tranquila, uma vez que os aeroportos ainda estão às moscas. Após apenas dois minutos no controlo de segurança, deparei-me com a única vantagem que o “Brexit" materializou até agora: whisky a metade do preço. Que ironia, tanta divisão sectária e sangue retórico derramado para depois se beneficiar quem regressa à União Europeia. Ao chegar, enchemo-nos de abraços mascarados e reencontros vacinados. Fomos recebidos com escassez de carros de aluguer porque ninguém se tinha precavido para a avalanche de bifes sedentos de sol que lhes apareceu à porta (o inglês ao meu lado recusou-se a entrar no “fucking Peugeot” que lhe queriam dar em substituição do Mercedes que tinha reservado). 

O resto da semana foi passado à volta de uma sapateira à beira-mar, intercalada com uma visita a um centro de testagem onde até a alma me tocaram com a dita zaragatoa. Na manhã do penúltimo dia fomos brindados com um belo pânico de última hora graças ao aviso inesperado de que Portugal ia voltar para a lista dos malcomportados. Tivemos sorte de ter o regresso marcado antes de começarem as debandadas de Faro, e pudemos regressar sem quarentenas e isolamentos, mas com muita pena pelos nossos compatriotas, que tanto dependem das mãos largas inglesas. Ficamos, no entanto, sem saber o que levou este Governo a (sobre)preocupar-se, de repente, com as pessoas, depois de as ter deixado morrer no ano anterior às pazadas. Que diferença fazem mais 12 casos da variante nepalesa a adicionar às centenas importadas da Índia no mês de Abril? O cínico em mim aposta na necessidade de se forçar o consumo interno inglês para colmatar um ano inteiro sem negócio, um “vá para fora, cá dentro” versão económica. 

Após 15 minutos a atravessar as múltiplas camadas de nuvens sobre o aeroporto de Stansted, lá aterrámos ao som das cornetas irritantes que a Ryanair toca para não ouvirmos os choros dos pilotos à beira da exaustão. Os ingleses libertinos arrancaram a máscara assim que pisaram terra firme, e toca a levar com bafos no pescoço enquanto esperamos pelo escrutínio dos passaportes à chegada

Aproveitamos para fazer o balanço desta viagem de “pandemigra”, em modo anúncio Mastercard:
- Voos inflacionados e catrefada de testes: duas córneas ou um resort no Taiti;
 - Stress acumulado: calvície prematura completa e redução de esperança de vida em sete meses ;
- Reencontro dos netos com os avós após um ano de confinamento e incerteza: priceless