Os pequenos-grandes prazeres que constroem a felicidade
A vida vai mudando, com confinamentos ou sem, com filhos ou sem… E nós ou descobrimos os pequenos-grandes prazeres ou ficamos a viver para um tempo “espectacular que há-de vir” ou um “tempo áureo que já foi”.
Querida Mãe,
A verdade faz-nos mais fortes
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Querida Mãe,
Deixei a sopa a fazer. Durante três horas. Não, não era uma sopa especial que precisava de três horas de cozedura, era uma sopa normal que fugiu do meu pensamento enquanto dava banhos e arrumava o andar de cima. Resultado: 0 sopa. 1 panela queimada. Não é minimamente surpreendente esquecer-me da sopa e queimar uma panela, o que é surpreendente e novo para mim é que já sei limpar a panela e ficou como nova — juro! E mais fascinante do que isso foi a alegria que me deu a panela a brilhar.
Sim, porque podemos andar aqui a trocar cartas sobre a vida e a morte, o amor e coisa e tal, mas parece-me que é nestas pequenas coisas que está o segredo da felicidade ou da infelicidade! Esqueça a guerra e a fome, e tente recordar-se de como se sente quando imagina que:
#1 Tem que tirar o ralo do lava-loiças que está cheio de comida... molhada.
#2 Percebe que se esquece de enviar a lancheira para a escola e que vai ter que virar o dia todo do avesso e gastar gasolina para a ir lá deixar.
#3 Tira a roupa da máquina e só vê nódoas por todo o lado.
#4 Faz uma receita inteira e a meio percebe que falta o ingrediente principal.
#5 Adia ir apanhar a roupa do estendal e começa a chover.
Mãe, e agora pergunte a qualquer mãe do mundo qual a sensação de:
#1 Estar desesperada a pensar no que fazer para o jantar, abrir o frigorífico e ver uma refeição feita no dia anterior de que já não nos lembrávamos!
#2 Encontrar o par de uma meia perdida.
#3 Conseguir tirar uma nódoa difícil.
#4 Acordar e perceber que todos dormiram a noite toda (depois de lá ter ido confirmar que estão todos a respirar!).
#5 Encontrar a chucha cinco minutos antes da hora de dormir depois de um dia inteiro sem saber dela.
E é isto mãe: a vida vai mudando, com confinamentos ou sem, com filhos ou sem… E nós ou descobrimos os pequenos-grandes prazeres ou ficamos a viver para um tempo “espectacular que há-de vir” ou um “tempo áureo que já foi”. Por isso, hoje, fico-me pela minha panela a brilhar e saboreio esta conquista!
Querida Ana,
Quantas vezes já te disse que as cozinhas são perigosas — como se não bastassem as facas, ainda há o lume. Mas vamos ao que interessa, parabéns pela panela a brilhar. Pessoalmente, prefiro engraxar sapatos, mas o fascínio por transformar uma coisa baça e suja em qualquer coisa que brilha deve ser universal a avaliar pelos anúncios a todos os produtos de “lida da casa”.
Assino por baixo da tua filosofia de vida: são os pequenos-grandes prazeres que constroem a felicidade. Deixo-te seis dos meus:
#1 Uma página em branco, e uma ideia para transformar num texto.
#2 Apanhar as ervas daninhas de um canteiro e olhar para ele depois.
#3 Estacionar o carro de regresso a casa, e ver a luz nas árvores da serra.
#4 Arrumar o armário da roupa da casa.
#5 Todas as tarefas se forem feitas com os netos. Nessas alturas tem tudo graça e até, uma vez, fiz um bolo!
#6 Pintar uma aguarela por dia para a tia Xão, até que ela fique melhor.
Sabes uma coisa engraçada, antes de começar a escrever esta minha lista estava com medo de não chegar às cinco, mas quando tomei balanço tive dificuldade de parar na #6, e estava mil vezes mais feliz. Por isso, acrescento à tua receita, a capacidade de enumerarmos o que nos faz feliz, contando as nossas bênçãos.
No Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram.