As festas de Lisboa são irrevogáveis

O leitor Luís Robalo evoca a festa de Santo António em Lisboa.

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FILIPE CASACA

Ó meu rico Santo António,
tuga do meu coração,
faz-me lá um milagrinho,
um amor de supetão.

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Ó meu rico Santo António,
tuga do meu coração,
faz-me lá um milagrinho,
um amor de supetão.

Esta cidade tem um santo a meias. Melhor metade que nenhum  é meio abençoada  , o que não está nada mal dada a carência de protecções divinas. Disputam a naturalidade do santo, afogando-se em investigações, gastam uma vida isto. “Nasceu aqui”, “É mais dali do que daqui”, “Não é italiano”, “Ai isso é que é!”.

O nosso meio santo  reza a lenda acabada de inventar – gostava da folia e não resistia a um belo bailarico, apesar de a sotaina dificultar a soltura de movimentos. Com uma descrição a seguir por estes caminhos, ele tanto pode ser nosso como dos italianos, que em se falando de pés de dança, petiscos e folia os dois povos têm gostos idênticos.

A diferença calha em que cá o comemoramos com muito mais categoria e protagonismo, o que lhe retira a metade de ser dos outros que não o consideram devidamente, transitando a pertença de parte inteira para a cidade de Lisboa.

Em honra do nosso querido santo António – a quem dedicamos todos os 13 de Junho, como feriado irrevogável –, o povo, nos seus orgulhos de bairro, nas picardias das tradições que reclamam mais genuínas que as dos bairros rivais, aperalta os seus, e numa coreografia de gente simples, que ensaiou nas colectividades recreativas ao longo do ano, desfila no “marchódromo” – nome que damos à nossa réplica de sambódromo   na grande avenida, que é a descer e ajuda à marcha.

Há lá montra mais bonita que os balões, as luminárias, o desfilar orgulhoso das cantilenas com rimas simples, e sentimentais, das moças e dos moços, com a alegria e o orgulho estampados nas caras?

Entretanto, nas ruelas e becos antigos, a gente passeia-se, à cata da sardinha no pão, assada no fogareiro da Ti Maria   ela ainda com resquícios de pilosidades na barbela –  e o Ti Manel, camisola de alças –  que faz calor – a abanar e a virar o peixe dos pobres, agora inflacionado, que nesta noite se compõe o orçamento da reforma.

Viva o nosso nado e criado e querido santo António, o patrocinador da melhor festa do ano, e vamos mas é para a rua, que a noite se põe calorosa, e não há nada mais lindo que esta cidade, quando manda a melancolia as ortigas.

O Santo António é lindo e para muitos de nós é melhor feriado que o 10 de Junho, o 25 de Abril ou o 1.º de Dezembro. É como se diz, um valor seguro, que nunca falha e está sempre presente (no seu espírito celestial).

Viva o rei dos feriados, com os devidos cumprimentos aos reis dos feriados dos outros parceiros, que lá no céu eles são todos amigos, o João e o Pedro, não mencionando outros que seria fastidioso, mas de que não temos menos consideração.

Luís Robalo