Câmara de Lisboa enviou à embaixada de Israel dados de activistas pró-palestina e também partilhou informações com China e Venezuela
Em 2019, o gabinete de Fernando Medina admitiu que “sempre que um país é visado pelo tema de uma manifestação, a sua representação diplomática é igualmente informada”.
A 24 de Junho de 2019, chegou à Câmara de Lisboa um pedido do Comité de Solidariedade com a Palestina para que pudesse ser realizada uma acção de sensibilização junto ao Coliseu dos Recreios, durante o concerto do cantor brasileiro Milton Nascimento. A intenção dos activistas era tentar desmotivar o músico a tocar em Telavive quatro dias depois do concerto de Lisboa, algo que consideravam “legitimar o regime de apartheid de Israel”.
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A 24 de Junho de 2019, chegou à Câmara de Lisboa um pedido do Comité de Solidariedade com a Palestina para que pudesse ser realizada uma acção de sensibilização junto ao Coliseu dos Recreios, durante o concerto do cantor brasileiro Milton Nascimento. A intenção dos activistas era tentar desmotivar o músico a tocar em Telavive quatro dias depois do concerto de Lisboa, algo que consideravam “legitimar o regime de apartheid de Israel”.
“Como é normal neste tipo de acção”, o grupo submeteu à autarquia o pedido de realização de uma concentração pacífica, onde iriam “distribuir folhetos e falar com as pessoas que iam ao concerto”. Quando a câmara deu autorização para que a concentração se realizasse perceberam que o e-mail — onde estavam os dados dos activistas e eram explicitadas as motivações para a manifestação — tinha também sido partilhado com a Embaixada de Israel em Lisboa, apesar de a embaixada não ser o alvo da manifestação e de estar localizada a mais de dois quilómetros de distância do local do espectáculo.
Ao PÚBLICO, Ziyaad Yousef, membro do Comité de Solidariedade com a Palestina, afirma ter-se sentido “completamente abandonado e exposto a perigos pela autarquia”, uma vez que, entre os membros do grupo, há palestinianos e alguns têm familiares na Palestina. Ziyaad Yousef diz que existe uma perseguição por parte dos serviços secretos israelitas, conhecidos por Mossad, contra activistas associados ao movimento internacional BDS (boicote, desinvestimento e sanções).
Esta atitude da Câmara de Lisboa levou os organizadores da acção de sensibilização a pedirem esclarecimentos pela exposição dos dados dos activistas, acusando a câmara de “discriminação em relação a todas as outras embaixadas que se situam em Lisboa”. Em resposta ao protesto do Comité de Solidariedade com a Palestina, e para surpresa dos activistas, a assessora de imprensa do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina, admitiu que este envio de informação era uma “prática habitual” e que, não foi apenas com Israel que tinham sido partilhado dados dos organizadores dos protestos, uma vez que “sempre que um país é visado pelo tema de uma manifestação, a sua representação diplomática é igualmente informada”.
Segundo a autarquia, a partilha de dados acontece desde a extinção dos governos civis, em 2011. Com o fim destes órgãos da administração pública foram as câmaras municipais que passaram a assumir a recepção dos pedidos de manifestação por parte das entidades promotoras.
A própria autarquia admitiu, em resposta ao Comité de Solidariedade com a Palestina a que o PÚBLICO teve acesso, que tinha também partilhado informações sobre a manifestação do Grupo de Apoio ao Tibete e quais as razões para o fazer com a embaixada da República Popular da China. Este grupo, a 25 de Abril de 2019, esteve presente no Largo Camões para assinalar o aniversário do Panchen Lama, “a segunda pessoa mais importante na hierarquia tibetana logo a seguir ao Dalai Lama” e que, segundo descreveu então o Grupo de Apoio ao Tibete à autarquia, era “o mais jovem prisioneiro politico do mundo, raptado pelas autoridades chinesas”.
Também a embaixada da Venezuela foi informada sobre a concentração “em solidariedade com o povo da Venezuela” que, a 10 de Junho de 2019, realizou “uma acção pública de informação sobre o bloqueio ilegal de fundos estatais venezuelanos pelo Novo Banco” junto à sede daquele banco, na Avenida da Liberdade, ainda que a Comissão de Solidariedade Venezuela Soberana não seja contraria aos interesses do regime de Nicolás Maduro.
Depois do escândalo com a partilha de dados de três activistas anti-Putin com a embaixada russa em Lisboa e com o Ministério dos Negócios Estrangeiros em Moscovo, o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, já pediu desculpas pelo “erro lamentável” e adiantou que o procedimento já foi alterado para evitar que uma situação idêntica volte a acontecer.
A Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) abriu também um processo de averiguações à partilha de dados pessoais por parte da câmara de Lisboa, depois de uma denúncia recebida nesta quarta-feira.
Contactada pelo PÚBLICO, a Câmara Municipal de Lisboa diz que está por apurar o número de manifestações comunicadas às representações diplomáticas em Portugal e nega que os seus serviços tenham dito ao Comité de Solidariedade com a Palestina que partilharam os nomes dos activistas das manifestações sobre a China e Venezuela.