Cultura ensaia um novo olhar sobre o bairro de Couros, em Guimarães
O movimento “Uma Casa no Bairro”, da associação cultural Ó da Casa, leva, esta semana, teatro e música aos tanques de Couros. Até Outubro, aquela zona será palco de outras manifestações artísticas. O objectivo é olhar o Bairro C a partir de várias perspectivas.
Uma casa de madeira ergueu-se sobre os tanques de Couros, em Guimarães. Por baixo, corre o rio que baptiza aquela zona, vagueando pelos quadrados graníticos que testemunharam da tradição do trabalho do couro na cidade. Esta empreitada, que até a terraço tem direito, não descaracteriza o lugar nem representa um empreendimento turístico; é, antes, uma instalação temporária para se olhar para aquele sítio com outros olhos. Essa é a premissa do movimento Uma Casa no Bairro, criado pela associação cultural vimaranense Ó da Casa, que leva, entre estas quarta e sexta-feira, três espectáculos de música e de teatro ao Largo da Cidade, onde se situam os tanques.
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Uma casa de madeira ergueu-se sobre os tanques de Couros, em Guimarães. Por baixo, corre o rio que baptiza aquela zona, vagueando pelos quadrados graníticos que testemunharam da tradição do trabalho do couro na cidade. Esta empreitada, que até a terraço tem direito, não descaracteriza o lugar nem representa um empreendimento turístico; é, antes, uma instalação temporária para se olhar para aquele sítio com outros olhos. Essa é a premissa do movimento Uma Casa no Bairro, criado pela associação cultural vimaranense Ó da Casa, que leva, entre estas quarta e sexta-feira, três espectáculos de música e de teatro ao Largo da Cidade, onde se situam os tanques.
Jorge Matos, da associação, aprofunda o conceito: “Apercebemo-nos de que [no Bairro de Couros] haveria potencial para criar situações inusitadas, para fazer emergir casas dentro do bairro e fazer uma reflexão sobre as noções de território, pertença, lar, casa.” Daí que se veja ali uma casinha de madeira sobre os tanques — o propósito é mesmo fazer com que se desvie o olhar da rotina e se mire o habitual com outros olhos, “porque quem por aqui passa, passa, não olha nem pára muito”, repara Marisa Cardoso, outra das responsáveis pelo movimento apoiado pelo programa municipal IMPACTA.
O primeiro a subir ao palco-casa é Mira Quebec, projecto a solo de José Pedro Caldas, dos vimaranenses Paraguaii. Depois, na quinta-feira, Anja Calas e Zurrumurru voltam a casa para “apresentar uma abordagem sonora ao vivo” para aquele lugar através de um concerto-performance chamado CauliFlower. Os últimos inquilinos serão os alunos do curso de Teatro da Universidade do Minho que, em articulação com José Eduardo Silva e o NIEP (Núcleo de Investigação em Estudos Performativos), levam a Couros a peça Jaula. Todos os espectáculos começam às 21h e são de entrada livre, havendo lugar para cerca de 70 pessoas por dia.
A plateia estará dispersa pelos caminhos que circundam o palco, numa espécie de “anfiteatro natural” ao ar livre. Mas Junho não será o único mês em que o Uma Casa no Bairro vai explorar a zona de Couros: até Outubro, o movimento continuará a “reinterpretar e reviver” aquele sítio através de “interpretações, lançamentos ou esculturas”. O objectivo é estender a ocupação artística naquele lugar até à edição deste ano do Noc Noc, o festival de rua que preenche vários espaços do centro da cidade — de casas a lojas ou cafés —, organizado pela Ó da Casa há uma década. A agenda cultural vimaranense reserva, desde 2011, a primeira semana de Outubro para o certame, que no ano passado celebrou a sua 10.ª edição dentro de um parque de estacionamento.
Reler Couros com a comunidade
A ocupação dos tanques pelas tábuas de madeira, garante Jorge Matos, não é intrusiva: “Traçamos um desenho que respeita o perfil dos tanques, não existe nada que impacte, nada está fixo à estrutura. Foi o perfil dos tanques que permitiu criar o palco.” E esta é uma abordagem mais simpática ao local, que a autarquia vimaranense quer ver distinguida pela UNESCO como Património Mundial da Humanidade, do que algumas sugestões do passado.
Natural de Guimarães, o membro da Ó da Casa recorda-se de ouvir, há décadas, outras sugestões para aquele lugar: “Quando era miúdo, os tanques não valiam nada. Havia quem perguntasse: ‘Por que não se enche isto de cimento para nos sentarmos? Por que não se parte o muro e se faz um estacionamento?’”, recorda. Agora, os planos são outros. A Câmara Municipal de Guimarães apresentou, no ano passado, o Bairro C. A inicial solitária vem de Couros, claro, e o que se procura é reler o espaço público que compreende, também, o Teatro Jordão, a Rua da Caldeiroa e percursos que se estendem até à Casa da Memória e ao Centro Internacional das Artes José de Guimarães (CIAJG).
O Uma Casa no Bairro ajuda nessa nova leitura: “Parte da nossa programação que há-de vir passará por trabalho com a comunidade, para perceber o que se faz por aqui e ouvir as vozes que se levantam. Estamos a pensar no futuro com a população, que vive e respira [a Zona de Couros]”, explica Jorge Matos. Ainda assim, esse é um trabalho que o Noc Noc e outras “intervenções culturais” da associação têm vindo a fazer ao longo dos anos. “É nisso que trabalhamos: na transformação de um espaço urbano num espaço destinado à arte, ocupando um passeio da rua, uma parede, uma mercearia, para dar essa dimensão de espaço de celebração de arte”, acrescenta.
Nesse aspecto, “o bairro é fantástico” — mesmo que a nova habitação que ali se ergue, com um pátio histórico, seja efémera. As portas estão abertas, ao longo desta semana, para ir “viver o Bairro C, o que ele representa e há-de representar”.