Nem só de cães e gatos se faz um partido, mas o que já fez o PAN por eles?
Com a entrada em acção do Pessoas-Animais-Natureza, os animais passaram de coisas a seres sencientes e o partido passou de “uma moda” a um pequeno grupo parlamentar. Elegeu um eurodeputado na onda verde de 2019, mas perdeu-o. O que conseguiram mudar nos últimos seis anos?
Há um ano, um canil ilegal pegou fogo. No meio de uma mata em Santo Tirso, voluntários carregaram aos ombros os cães que não conseguiam socorrer nas poucas macas que, ao início, chegavam à Serra da Agrela. Entre eles, uma deputada do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) denunciava o crime, primeiro nas redes sociais, depois em frente às câmaras de televisão, enquanto tentava não perder a conta às dezenas de animais carbonizados.
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Há um ano, um canil ilegal pegou fogo. No meio de uma mata em Santo Tirso, voluntários carregaram aos ombros os cães que não conseguiam socorrer nas poucas macas que, ao início, chegavam à Serra da Agrela. Entre eles, uma deputada do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) denunciava o crime, primeiro nas redes sociais, depois em frente às câmaras de televisão, enquanto tentava não perder a conta às dezenas de animais carbonizados.
Foi um dos momentos recentes mais mediáticos do partido que começou por crescer nas redes sociais, ainda como Partido Pelos Animais (PPA), no Verão de 2009. A junção da Internet com imagens de animais, e a presença de conhecidas figuras públicas na recolha de assinaturas para o Tribunal Constitucional, levou a que muitos, eleitores e governantes, os sentenciassem como “uma moda”.
Mas, em 2015, o PAN elegeu André Silva, o primeiro deputado na Assembleia da República do partido de causas, “nem à esquerda, nem à direita”. No mesmo ano, adoptava a Iniciativa Legislativa de Cidadãos pelo Fim dos Canis de Abate. Em Julho de 2016, os canis municipais souberam que iriam deixar de poder eutanasiar animais saudáveis ao seu cuidado, mesmo não sabendo muito bem como iriam conseguir continuar a acolher números “absurdos” de animais abandonados. Com protestos de médicos veterinários municipais, que se queixam de apoios insuficientes para a esterilização e melhorias das condições de alojamento, a Lei 27/2016, que resulta da fusão do projecto de lei do PCP com a iniciativa adoptada pelo PAN, foi aprovada por unanimidade e entrou em vigor em Setembro de 2018. No ano anterior, os municípios abateram perto de 12 mil cães e gatos — uma média de mais de um animal por hora.
Também em 2016, o PAN usou o seu primeiro agendamento de uma discussão em plenário para pensar nas alterações à lei que criminaliza os maus tratos a animais, com o apoio do PS. Começava também a campanha pelo circo sem animais, que deu eco a uma das frases mais ouvidas no movimento pela causa animal: “Até todas as jaulas estarem vazias”, repetia André Silva, já num debate em 2017, ano em que entraria em vigor o estatuto jurídico dos animais.
Entre as pessoas e as coisas, os animais não-humanos, seres dotados de sensibilidade, tornavam-se uma figura jurídica intermédia em Portugal. De fora da grande alteração ao Código Civil ainda ficam muitos animais usados nas “touradas, corridas de cães, caça ou pesca desportiva”.
Pouco tempo depois, os animais de companhia tinham o caminho mais aberto para poderem meter as patas em estabelecimentos comerciais, como restaurantes. Desde Julho de 2018, cabe aos proprietários decidirem ser ou não pet friendly — sempre com trela curta.
Nesse ano, o PAN também se congratulou com o fim do uso de animais selvagens no circo, a partir de 2024, e com o referendo na Universidade de Coimbra que ditou o fim da garraiada, até então uma tradição em muitas festas académicas. Seguiram-se os votos dos estudantes de Setúbal, Porto, Tomar e Évora. Embalados pelo que disseram ser “um sinal de que a sociedade portuguesa já não se revê em eventos bárbaros e violentos”, agendaram pela primeira vez um debate sobre a abolição das corridas de touros em Portugal.
A abolição das touradas continua a ser um tópico difícil de discutir, mas o partido começa a sentir “mais permeabilidade” a iniciativas legislativas que terminem com o fim dos apoios públicos à tauromaquia, ou com o fim da transmissão das touradas no canal de televisão público. Já no Orçamento do Estado para 2020, foi aprovado o aumento do IVA dos bilhetes dos espectáculos tauromáquicos para a taxa normal dos 23%. Outro dos objectivos do partido é aumentar a idade mínima legal para assistir a uma tourada, passando da idade recomendada de 12 anos para os 16 ou 18 anos.
O incêndio no canil de Santo Tirso deixou à vista muito do trabalho que ainda falta fazer no bem-estar animal e deu força à proposta há muito adiada de um projecto de lei que propõe a criação de uma unidade especial de salvação e resgate animal, reconhecendo os médicos veterinários como agentes de protecção civil.
Nem sempre foi fácil fazer valer na política e publicamente as outras duas letras do partido mais conhecido por PAN. Animalista, mas também ambientalista e “com uma dimensão de direitos humanos muito presente”, as grandes vitórias até agora, muitas vezes celebradas com um bolo de chocolate sem produtos de origem animal, fizeram tutores, e animais de companhia, felizes.
Artigo corrigido a 7 de Junho para acrescentar que a Lei 27/2016 resulta de um projecto de lei do Partido Comunista Português (PCP) e não apenas da iniciativa cidadã adoptada pelo PAN.