F. Lee Bailey, advogado no “julgamento do século” de O.J. Simpson, morreu aos 87 anos
“Um dos grandes advogados do nosso tempo”, para uns; “um tipo que vai directo à jugular”, para outros. F. Lee Bailey foi muita coisa, menos rei da popularidade. Mas o seu nome fica ligado à defesa de casos-espectáculo nos EUA, como os de Patty Hearst, do Estrangulador de Boston ou de O.J. Simpson.
F. Lee Bailey, que levou drama e astúcia para o tribunal ao representar a estrela de futebol americano O.J. Simpson, a herdeira Patty Hearst e o suspeito de ser o Estrangulador de Boston, antes de a sua carreira terminar com a expulsão da Ordem dos Advogados, morreu esta quinta-feira, aos 87 anos.
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F. Lee Bailey, que levou drama e astúcia para o tribunal ao representar a estrela de futebol americano O.J. Simpson, a herdeira Patty Hearst e o suspeito de ser o Estrangulador de Boston, antes de a sua carreira terminar com a expulsão da Ordem dos Advogados, morreu esta quinta-feira, aos 87 anos.
Bailey morreu numa unidade de cuidados paliativos no estado da Georgia, nos Estados Unidos, para onde se havia mudado recentemente, de acordo com Peter Horstmann, um advogado e antigo associado. O.J. Simpson, que foi absolvido das acusações de homicídio em 1995 na sequência do que ficou conhecido por o “Julgamento do Século”, publicou no Twitter um vídeo em que homenageia Bailey, nomeando-o como “um dos grandes advogados do nosso tempo”.
Nascido em Massachusetts, a 10 de Junho de 1933, Francis Lee Bailey Jr. tornou-se um dos advogados mais famosos dos EUA. Entre as diversas vitórias conseguidas em tribunal, obteve a absolvição do capitão do Exército Ernest Medina, acusado de ordenar o massacre de My Lai, que resultou na morte de centenas de civis na Guerra do Vietname; e teve sucesso no recurso de Sam Sheppard, um médico de Cleveland condenado por assassinar a sua esposa, caso que terá inspirado a série e, mais tarde, o filme O Fugitivo. Sheppard acabaria por morrer em liberdade, em 1970, graças a Bailey, mas, mais de 40 anos depois do crime, um júri de Cleveland “considerou não ter provas para declarar Sam Sheppard inocente”. Quanto a F. Lee Bailey, perdeu toda a sua fortuna e vivia há alguns anos por cima de um salão de cabeleireiro, no estado do Maine, proibido de exercer advocacia.
Da tropa ao tribunal
No decorrer dos seus estudos, Bailey chegou a entrar em Harvard, desistindo dois anos depois. No entanto, continuou a prosseguir as duas paixões motoras da sua vida: a lei e a aviação. Entrou para a Marinha antes de se mudar para o Corpo de Fuzileiros Navais e tornar-se piloto de caça. Após o serviço militar, frequentou a Faculdade de Direito na Universidade de Boston, ao mesmo tempo que dirigia uma empresa de investigação para advogados.
Ao longo do seu percurso Bailey construiu uma reputação de ser um incisivo e rápido interrogador de memória afiada, com um talento para o espectáculo, um profundo conhecimento dos testes de polígrafo e uma mentalidade de odiar perder. “Não posso dizer não a um caso se ele tiver uma de três qualidades: desafio profissional, notoriedade ou uma grande comissão”, disse ao New York Times durante o seu apogeu.
A sua natureza imperiosa, o seu estilo feroz e o seu amor pela publicidade trouxeram-lhe inimigos entre juízes e colegas advogados. Bailey teve uma grande exposição pública com Robert Shapiro, um amigo de longa data, pouco antes de eles começarem o que se provou ser uma defesa bem-sucedida no sensacional julgamento de duplo homicídio de O.J. Simpson, em 1994. As vítimas eram a ex-mulher do atleta de futebol americano, Nicole Brown, e um amigo desta, Ronald Goldman. Robert Kardashian, pai de Kim Kardashian, foi também uma das figuras celebrizadas por terem defendido O.J. Simpson. Um caso que viria a tornar-se objecto de análise ficcional em The People v. O. J. Simpson: American Crime Story, com o actor Nathan Lane (Os Produtores, Casa de Doidas) a assumir o papel de Bailey.
“Tipos como Bailey — e não são muitos — são grandes personagens e não geram grande amor”, disse Roy Black, um advogado de defesa de grande relevo de Miami e amigo de Bailey, ao Jacksonville Times-Union, em 2000. “Ele é um tipo que vai directo à jugular. É tudo o que ele sabe fazer e não vai ganhar nenhum concurso de popularidade por isso.”
Bailey uma vez resumiu a sua abordagem dizendo ao Times: “Defender um caso nada mais é do que chegar às pessoas que vão falar pelo teu lado, que vão dizer o que queres que seja dito. Eu uso a lei para frustrar a lei. Mas eu não estabeleci as regras básicas. Sou apenas um jogador no jogo”.
Casos que deram filmes
No entanto, nem tudo foram sucessos para F. Lee Bailey. Uma das suas clientes, Patty Hearst, a herdeira de um império jornalístico, que havia sido sequestrada, tendo-se depois aliado aos seus raptores, participando com estes em assaltos à mão armada, acabou por ser presa, mas não cumpriu a totalidade da sua pena, tendo recebido um indulto do então Presidente Jimmy Carter. O episódio foi ficcionalizado no filme American Woman e Patty teve ainda alguns trabalhos como actriz, caso do pequeno papel que lhe calhou na comédia Quem Não Chora Não... Ama (1990), com um já promissor Johnny Depp.
No caso do Estrangulador de Boston – nome por que ficou conhecido o assassinato de 13 mulheres, a maioria abusada sexualmente, entre 14 de Junho de 1962 e 4 de Janeiro de 1964 –, a sua teoria de que Albert DeSalvo sofria de insanidade mental não resultou. E DeSalvo, que além de ter confessado os crimes foi ligado posteriormente a estes através de provas forenses, nomeadamente de ADN, foi condenado a prisão perpétua. Viria a morrer na prisão, esfaqueado, seis anos depois da sua sentença.
Bailey chegou até a ser preso por 44 dias, acusado de desrespeito pelo tribunal, em 1996. Em 2001, foi impedido de exercer, sendo expulso da Ordem dos Advogados no estado da Florida e, em 2003, do seu estado natal de Massachussets, por apropriação indevida de milhões de dólares. Em 2013, Bailey procurou retomar a sua prática jurídica no estado do Maine, mas o Supremo Tribunal negou-lhe a oportunidade, pelo que passou a dirigir aí um serviço de consultoria jurídica. Três anos depois, o ex-advogado declarou insolvência devido a uma conta de impostos federais de cinco milhões de dólares (cerca de quatro milhões de euros).
Ao longo da sua vida Bailey casou quatro vezes e teve três filhos. Escreveu vários livros, na sua maioria textos legais, e participou em múltiplos programas de televisão e conferências.