A dependência dos telefones pode depender só de nós
O mal está em terem incorporando no raio do objecto tudo e mais um par de botas, tornando-o o mais indispensável possível. E nós deixámos, e pedimos mais.
Mãe,
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Mãe,
Recebi um vídeo completamente caricato em que um jornalista faz uma reportagem live para um canal de televisão, enquanto no fundo passava um adolescente ciclista que ao tentar tirar uma selfie caiu da bicicleta. Não lhe aconteceu nada e seguiu caminho, provavelmente feliz por não ter ninguém à volta para se rir dele — mal sabia que estava a ser filmado. O assunto parece cómico, mas não é! Aparentemente, as selfies matam mais do que os ataques de tubarões!
Mas se a ideia de uma selfie bizarra no topo de um precipício ou a tentar fazer uma demonstração com um explosivo que depois corre mal, parece uma coisa mais extrema, há uma situação a que assisto frequentemente e que me preocupa muito mais: a mãe sabe quantas pessoas fazem stories enquanto conduzem? Eu sei que têm o hand's free e que, provavelmente, não estão a infringir nenhuma lei, mas parece-me impossível que olhar para um ecrã onde aparece o nosso próprio reflexo e em que inevitavelmente vamos tentar “ficar bonitos” (o que é perfeitamente natural), não ponha em risco a condução.
Estou longe, muito, muito longe de ser perfeita no que toca ao uso do telemóvel no carro, mas tenho a certeza e estou segura de que tenho de ser mais exigente comigo mesma, e não menos. E sabe o que reflectir sobre isso, me permitiu perceber? A dimensão do meu (presumo que é geral) vício do telefone. Devia ser tão simples, tão óbvio não olhar para ele, não sentir aquele impulso de espreitar uma mensagem, de pesquisar só uma coisa enquanto estou num sinal vermelho, ou só por aquela música e, no entanto, não é. Ontem, um ciclista à minha frente olhou para baixo um micro segundo — eu vi-o a olhar para baixo e foi mesmo um micro segundo — e no instante seguinte partia o nariz contra a mala do carro que ia à frente dele. Por milagre, eu estava suficientemente atenta para conseguir travar em segurança e o carro atrás de mim também. Mas, mãe, são episódios como estes que tornam evidente que não podemos alimentar esta relação patológica com o telefone.
Claro que contribui para esta consciencialização o facto de as minhas filhas estarem a crescer — tarda nada tiram a carta e, se forem como eu, a primeira será de mota logo aos 15 anos. Mas preocupo-me com todos os miúdos — que exemplo lhes queremos dar? Como vamos reagir quando estivermos sentados no sofá, abrirmos um story dos nossos filhos e os virmos a fazer um live e a guiar!?
Vou passar a ter o telefone na mala do carro!! E a mãe?
Ana,
Não vou responder que sim porque sei que não serei capaz de cumprir a tua proposta, mas juro que vou começar um processo de desintoxicação e auto contenção.
Como todos os adictos justifico-me dizendo que o mantenho à mão “só” porque preciso dele para me ensinar o caminho. Ou evitar o trânsito. Também só o ponho na minha mesa-de-cabeceira porque faz de despertador. E só o levo comigo quando vou dar um passeio pelos campos, porque funciona como máquina fotográfica. E, basicamente, para todo o lado porque preciso dele para consultar os e-mails e trabalhar.
O mal está em terem incorporando no raio do objecto tudo e mais um par de botas, tornando-o o mais indispensável possível. E nós deixámos, e pedimos mais. Mas, apesar de tudo, há limites, e o telemóvel na condução é decididamente um deles.
Já lives enquanto conduzo posso jurar-te que não faço, e se as minhas netas alguma vez cometerem uma dessas loucuras, deserdo-as. Podes avisá-las.
No Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram.