Sistemas autónomos aumentam as denúncias de assédio, garante a militar à frente da NATO
Tenente-coronel Diana Morais assume esta sexta-feira a presidência do Comité de Perspectiva de Género da Aliança Atlântica.
“Pelo menos, hoje não está aqui a chover”, diz com um sorriso irónico a tenente-coronel Diana Morais, que esta sexta-feira, em Bruxelas, na sede da NATO, vai assumir a presidência do Comité para a Perspectiva de Género da Aliança Atlântica. É um tema, a igualdade, e um local, a sede da NATO, a que há muito se dedica e que bem conhece.
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“Pelo menos, hoje não está aqui a chover”, diz com um sorriso irónico a tenente-coronel Diana Morais, que esta sexta-feira, em Bruxelas, na sede da NATO, vai assumir a presidência do Comité para a Perspectiva de Género da Aliança Atlântica. É um tema, a igualdade, e um local, a sede da NATO, a que há muito se dedica e que bem conhece.
“No género, a sério, ando desde 2015”, recorda ao PÚBLICO. Então, e durante seis anos, foi representante do Exército da equipa interdepartamental do Ministério da Defesa Nacional para a igualdade de género. Quando entrou para o Exército em 1996, só teve mais quatro colegas mulheres no seu curso.
Neta de militar, sobrinha de militar, casada com um militar, recordou ao PÚBLICO, em Agosto de 2019, que, para sua surpresa, o avô a incentivou para a carreira. Desde então, muito mudou. Mestre em engenharia militar, há dois anos apresentou o projecto de tese de doutoramento em Estudos de Género no ISCSP, Faculdade de Direito e de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova.
Comandou uma força de engenharia que percorria várias vezes ao dia um estreito caminho entre minas quando esteve na UNIFIL, força interina das Nações Unidas no Líbano. Dirigiu a marcação da fronteira sul deste país com Israel, foi oficial de cooperação militar-civil junto de presidentes de câmaras cristãos e muçulmanos. Destas experiências, apesar de iniciais reticências de alguns autarcas em terem como interlocutor uma mulher, ficou-lhe a certeza da necessidade de aproximação dos militares à sociedade civil.
Em Portugal, construiu um aeródromo em Cabeceiras de Basto e as vias que ligaram o Sabugal à A23. Trabalhos que reforçaram a concepção de umas Forças Armadas fora dos quartéis, a trabalhar na sociedade.
O seu labor na perspectiva de género em Portugal já a levara à NATO. “Já estava no comité, como vice-presidente, entre 2017 e 2019”, lembra. “Em 2019, fui presidente eleita e amanhã [esta sexta-feira], ao fim de dois anos assumo a condição de presidente do comité até 2023”, descreve. “Vão ter de me aturar”, brinca.
O Comité para a Perspectiva de Género, criado em 1976, é órgão de aconselhamento do Comité Militar em questões de género para as Forças Armadas da NATO. O objectivo é promover a integração da perspectiva de género nas operações militares e a aplicação de resoluções das Nações Unidas sobre a matéria. A experiência da UNIFIL, o seu trajecto no exército português e a sua experiência na NATO foram fundamentais para a sua eleição de há dois anos. Agora, vai substituir a tenente-coronel holandesa Corine Van Nieuwburg-Hofte.
Já este ano, passou a integrar como coordenadora o Gabinete da Igualdade do ministério de João Gomes Cravinho. “No gabinete estou a um nível de decisão diferente, posso influenciar mais”, reconhece. E não apenas o diz como o fez.
Em 22 de Março, foi criada uma unidade de assédio na Defesa Nacional. A questão não é só importante, como delicada. Em Agosto de 2019, reconheceu ao PÚBLICO, a existência de uma contradição básica: as queixas de assédio eram feitas, segundo as normas militares, ao superior hierárquico. Não era, apenas, um constrangimento, mas funcionava como dissuasão.
“O que foi criado permite que todas as pessoas da Defesa, não apenas militares, tenham uma forma alternativa de apresentar uma denúncia, mas continua possível a denúncia através da cadeia hierárquica”, explica. Esta solução não é original, foi copiada das boas práticas.
“Na NATO dizemos a análise da situação nos países com sistemas alternativos, independentes e autónomos à denúncia hierárquica, e verificámos um aumento das denúncias”, refere.
A tenente-coronel Diana Morais não reconhece as Forças Armadas como o último reduto do machismo, mas não esquece os seus inícios. “Era eu capitão, e perguntavam-me sempre se já tinha casado”, contou, entre risos, há dois anos ao PÚBLICO.