O plano de desconfinamento para o verão: duas respostas e duas não-respostas
Contudo, não tivemos respostas a outras duas questões. E estas respostas permitiriam perceber a forma como o governo pretende gerir os próximos capítulos da pandemia à luz do conhecimento científico atual e sentindo o pulso à população. O facto destas respostas não terem sido dadas não é inteiramente claro e causa maior estranheza considerando o ruído crescente para a alteração de critérios e de indicadores da matriz de risco.
O Conselho de Ministros de 2 de junho tinha uma especial importância por enquadrar as decisões para o plano de desconfinamento no verão.
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O Conselho de Ministros de 2 de junho tinha uma especial importância por enquadrar as decisões para o plano de desconfinamento no verão.
Tivemos duas respostas. Uma foi a forma como o desconfinamento se vai processar até finais de agosto. Ficámos a conhecer as regras, a temporalidade e há uma lógica que vem de trás. Concordando-se mais ou menos, o que é certo é que esta matriz de risco e este plano de desconfinamento conduziram-nos até onde estamos. E temos estado bem do ponto de vista epidemiológico.
A segunda resposta é a solução para os territórios de baixa densidade populacional através da duplicação dos valores de incidência acumulada a 14 dias.
Contudo, não tivemos respostas a outras duas questões. E estas respostas permitiriam perceber com maior clareza a forma como o governo pretende gerir os próximos capítulos da pandemia à luz do conhecimento científico atual e sentindo o pulso à população. O facto destas respostas não terem sido dadas não é inteiramente claro e causa maior estranheza considerando o ruído crescente para a alteração de critérios e de indicadores da matriz de risco.
A primeira não-resposta diz respeito à manutenção da matriz de risco. Marcelo Rebelo de Sousa ecoou dúvidas pertinentes sobre a legitimidade de a matriz de risco continuar assente naqueles dois indicadores. Sou o primeiro a concordar com esta matriz enquanto a população acima dos 60 anos não tiver a vacinação completa. E ainda não estamos aí. Mas, a evidência atual mostra que com o avanço da vacinação, os internamentos e óbitos não terão um aumento correspondente. Seria imprescindível explicar a fundamentação da matriz de risco manter-se inalterada, sabemos agora que até finais agosto.
Isto é importante porque os concelhos continuarão a oscilar na matriz de risco entre o verde, o amarelo e o vermelho. Logo, poderão não avançar ou terão que recuar no desconfinamento. Será legítimo que as populações, os autarcas e o tecido empresarial não compreendam que as restrições continuem assentes na incidência e na transmissibilidade do vírus na circunstância de não houver pressão sobre os cuidados de saúde nem óbitos.
A segunda não-resposta diz respeito ao progressivo desligar dos comportamentos individuais. Isto é evidente, basta sair à rua. É ainda mais evidente nas evidências das reuniões do Infarmed em que se mostra a (não) manutenção de regras de proteção individual e o aumento dos convívios. Ignorar isto na tomada de decisão é ignorar partes da evidência científica, ou não saber ao certo o que fazer com ela.
As orientações internacionais, quer do CDC norte-americano quer do ECDC europeu, apontam para a redução da transmissão do vírus entre pessoas totalmente vacinadas e isso também foi dito na última reunião do Infarmed. Apontam ainda para a possibilidade de relaxe das medidas de proteção individual. Nada foi dito sobre isto. E assim assume-se que as pessoas farão exatamente o mesmo que faziam há um ano. Pois, não é isso que está a acontecer. Todos nós sabemos que as pessoas vacinadas ora continuam a viver com medo e em isolamento ora já convivem sem proteção ignorando as recomendações. Por seu lado, pessoas não vacinadas não cumprem as recomendações porque avaliam que o vírus é relativamente inofensivo ou porque os seus familiares e amigos mais vulneráveis já estão protegidos.
É fundamental explicar às pessoas o que fazer, o que não fazer e porquê. É fundamental dar janelas temporais realistas face à saturação pandémica, à progressiva não adesão às medidas de proteção individual, à baixa perceção de risco e à incompreensão da manutenção de medidas. Não se trata de relaxar. Trata-se de informar. Se estamos numa nova fase da pandemia temos que atualizar o que as pessoas devem saber, incluindo as dúvidas que permanecem.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico