Mais de um terço de mortes ligadas ao calor já são atribuídas a alterações climáticas
Se consideramos só Portugal, 27% das mortes relacionadas com o calor podem ser atribuídas a alterações climáticas antropogénicas, de acordo com um novo estudo.
Entre 1991 e 2018, estima-se que, em média, 37% das mortes humanas relacionadas com o calor podem ser atribuídas a alterações climáticas de origem humana em muitas partes do mundo. Esta é a principal conclusão de um estudo publicado esta segunda-feira na revista científica Nature Climate Change e que engloba dados de 732 locais de 43 países. Concretamente em Portugal, em que foram considerados cinco distritos, viu-se que cerca de 27% das mortes ligadas ao calor já são da responsabilidade de alterações climáticas antropogénicas.
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Entre 1991 e 2018, estima-se que, em média, 37% das mortes humanas relacionadas com o calor podem ser atribuídas a alterações climáticas de origem humana em muitas partes do mundo. Esta é a principal conclusão de um estudo publicado esta segunda-feira na revista científica Nature Climate Change e que engloba dados de 732 locais de 43 países. Concretamente em Portugal, em que foram considerados cinco distritos, viu-se que cerca de 27% das mortes ligadas ao calor já são da responsabilidade de alterações climáticas antropogénicas.
“A actividade humana já mudou o clima” – esta é a frase com que a equipa inicia o artigo na Nature Climate Change. Depois, salienta que, nos últimos dois séculos, as temperaturas globais subiram em média um grau Celsius, desde a época pré-industrial, como consequência de alterações climáticas de origem humana e que há algumas áreas do planeta que ficaram mais quentes do que outras. E, claro, as temperaturas cada vez mais elevadas podem ter consequências na saúde humana.
Quantas mortes podem então já ser atribuídas a alterações climáticas antropogénicas? Para responder a essa questão, uma equipa internacional de cientistas analisou condições meteorológicas anteriores simuladas em cenários com e sem emissões causadas pelos seres humanos. Desta forma, conseguiu-se separar o aquecimento e o impacto na saúde humana que estavam relacionados com as actividades humanas dos que estavam ligados a tendências naturais. A mortalidade relacionada com o calor acabou por ser definida como um número de mortes atribuídas ao calor que ocorriam a exposições superiores à temperatura ideal para a saúde humana – algo que varia consoante os locais.
Ao todo, foram considerados dados de 732 locais em 43 países desde 1991 até 2018. Juntando métodos epidemiológicos e modelos climáticos, estimou-se que, em média, 37% das mortes relacionadas com o calor já podem ser atribuídas a alterações climáticas antropogénicas. Esse valor corresponde a aproximadamente 10.000 mortes por ano nestas mais de 700 localizações. A percentagem foi mais alta na América Central e do Sul (mais de 76% no Equador ou na Colômbia) ou no Sudeste asiático (entre 48 e 61%). Em comunicado, a equipa nota mesmo que populações que vivem em países com rendimentos baixos ou médios – e que foram apenas responsáveis por uma pequena parte das emissões antropogénicas no passado – são das mais afectadas.
Espreitando os valores em algumas localizações, vê-se que houve 189 mortes por ano ligadas ao calor atribuíveis a alterações climáticas em Atenas (26,1% das mortes relacionadas com o calor), 172 mortes em Roma (32%), 177 em Madrid (31,9%), 82 em Londres (33,6%), 141 em Nova Iorque (44,2%) ou 156 em Tóquio (35,6%). Devido à falta de dados empíricos, não foi possível incluir no estudo todas as regiões do mundo, nomeadamente grandes partes de África e do Sul da Ásia.
Os números em Portugal
Em Portugal, 27,7% de mortes ligadas ao calor podem ser atribuídas a alterações climáticas antropogénicas entre 1991 e 2016, o que corresponde a 172 mortes por ano em cinco localizações estudadas no país, de acordo com os dados enviados por Ana Vicedo Cabrera, primeira autora do artigo e cientista no Instituto de Medicina Preventiva e Social da Universidade de Berna, na Suíça.
Ao longo desse período, foram tidos em conta cinco distritos: Beja, Coimbra, Castelo Branco, Lisboa e Porto. Em Beja, 24,5% das mortes relacionadas com o calor podem ser atribuídas a alterações climáticas antropogénicas, o que corresponde a 12 mortes por ano. Já em Coimbra a proporção foi de 29,1% (20 mortes por ano), em Castelo Branco de 27,5% (19 mortes por ano), em Lisboa de 24,7% (68 mortes por ano) e no Porto de 33,4% (53 mortes por ano).
Este trabalho teve a participação das cientistas portuguesas Susana Silva (do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge) e Joana Madureira (do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge e do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto).
Quanto às causas destas mortes, Ana Vicedo Cabrera refere ao PÚBLICO que não foram estudadas as causas específicas neste trabalho e que “essa informação nem está acessível em todos os países”. Mesmo assim, sabe-se que o aquecimento global está a afectar a nossa saúde de diferentes formas. Por exemplo, podem existir impactos directos vindos de incêndios florestais e de ondas de calor ou ainda vindos de mudanças na disseminação de certas doenças transmitidas por vectores.
A equipa sublinha que os resultados agora revelados reforçam a importância de se adoptarem medidas de mitigação mais fortes para que se possa reduzir as possíveis temperaturas mais elevadas no futuro. Desta forma, aconselha que se deve pôr em prática intervenções para proteger as populações de consequências adversas da exposição ao calor. “Os nossos resultados sugerem que estratégias de mitigações ambiciosas devem ser adoptadas com urgência, bem como estratégias de adaptação eficazes para se reduzir a vulnerabilidade da população”, salienta Ana Vicedo Cabrera.
Afinal, em cenários sobre as condições climáticas no futuro prevê-se uma subida substancial nas temperaturas médias do planeta, o que pode levar a mais ondas de calor (por exemplo) e, consequentemente, a impactos na saúde humana. “Prevemos que a proporção das mortes relacionadas com o calor continue a aumentar se não se fizer nada quanto às alterações climáticas”, refere Ana Vicedo Cabrera no comunicado. “A temperatura global média só subiu ainda cerca de um grau Celsius, o que é uma parte do que podemos vir a enfrentar se as emissões continuarem a aumentar de forma descontrolada.”
Já Antonio Gasparrini, também autor do trabalho e cientista da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, refere que este é “o maior estudo de detecção e atribuição dos riscos actuais das alterações climáticas para a saúde”. E deixa uma mensagem: “As alterações climáticas não irão apenas ter impactos devastadores no futuro, todos os continentes já estão a viver consequências terríveis das actividades humanas no planeta. Devemos actuar agora.”