Escultura imaterial, que só existe na cabeça do artista, atinge 15 mil euros em leilão
Intitulada Io sono (Eu sou), a obra do italiano Salvatore Garau não tem existência física. Levada a leilão em Milão, tinha uma base de licitação de 6 mil euros. “A ausência de matéria é, para mim, um acto de amor para com o desconhecido e o mistério com que quase toda a humanidade está comprometida”, diz o autor.
Será, para alguns, o passo em frente após os ready-made de Marcel Duchamp, que conheceram momento fundador no célebre urinol de porcelana (Fonte era o título oficial) que, em 1917, alterou o rumo da história da arte ao transformar um objecto de uso quotidiano em intervenção artística conceptual. Será, para outros, uma resposta à criptoarte, com existência circunscrita ao mundo virtual, que tem gerado muito debate. Antes de tudo isso, porém, temos o que é verdadeiramente Io sono (Eu sou). Trata-se de uma escultura imaterial, ou seja, que só existe na cabeça do seu autor, o artista italiano Salvatore Garau. Um “nada” que, leiloado na Art-Rite de Milão, acabou arrematada por 15 mil euros.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Será, para alguns, o passo em frente após os ready-made de Marcel Duchamp, que conheceram momento fundador no célebre urinol de porcelana (Fonte era o título oficial) que, em 1917, alterou o rumo da história da arte ao transformar um objecto de uso quotidiano em intervenção artística conceptual. Será, para outros, uma resposta à criptoarte, com existência circunscrita ao mundo virtual, que tem gerado muito debate. Antes de tudo isso, porém, temos o que é verdadeiramente Io sono (Eu sou). Trata-se de uma escultura imaterial, ou seja, que só existe na cabeça do seu autor, o artista italiano Salvatore Garau. Um “nada” que, leiloado na Art-Rite de Milão, acabou arrematada por 15 mil euros.
Artista plástico de 57 anos, nascido em Santa Giusta, na Sardenha, Garau tem trabalhado em pintura, escultura ou instalação. A ideia daquilo a que chama esculturas imateriais não nasceu com a obra Io sono que, a 18 deste mês, causou surpresa não só por ser incluída no catálogo do leilão da Art-Rite, mas por, a partir da base de licitação de 6 mil euros, acabar vendida por 15 mil. Em Fevereiro, Garau apresentara em Milão Buda em Contemplação. Na Piazza Della Scala, a pouca distância do La Scala e a exactos 25 metros da Gallerie d’Italia, onde o próprio Garau tem trabalhos expostos, um quadrado desenhado com fita branca no chão delimitava a obra. Era, de facto, o único traço visível dela: o Buda ele mesmo projectava-se da imaginação do artista para a do espectador que, lido o título, contemplava o vazio (curiosamente, houve quem chamasse ao urinol de Duchamp Buda da casa de banho).
O passo seguinte de Salvatore Garau foi levar Io sono a leilão. Como prova física da aquisição, o seu novo proprietário tem apenas um certificado de autenticidade, assinado por Garau, onde se lê: “Escultura imaterial, Abril de 2020. Para ser colocada numa casa particular, num espaço livre de qualquer estorvo de aproximadamente 150 x 150 cm”. No fim, uma nota: “O presente certificado não pode ser exposto no espaço reservado à obra”.
Apesar de o nome de Duchamp ser referido habitualmente para contextualizar Il Sono, o artista explica que a sua motivação é de uma natureza diferente. “O conceito das minhas esculturas é completamente diferente das provocações de Marcel Duchamp no início do século XX ou da arte conceptual dos anos 1960. A ausência de matéria é, para mim, um acto de amor para com o desconhecido e o mistério com que quase toda a humanidade está comprometida”.
Garau contesta também a ideia de as suas esculturas materiais serem um vazio, uma não-existência. “No momento em que decido ‘expor’ uma escultura imaterial num determinado espaço, esse espaço ganhará uma quantidade e densidade de pensamentos num ponto preciso, criando uma escultura que, apenas pelo meu título, assumirá múltiplas formas”, afirma o artista, formado na Academia de Belas-Artes de Florença e que, antes de viragem definitiva para as artes visuais, foi baterista, no final dos anos 1970, da banda de rock progressivo Stormy Six.
As suas esculturas imateriais serão, acima de tudo, uma reacção às marcas do mundo contemporâneo. “Vivemos num tempo em que a fisicalidade, o estarmos presentes tem sido substituído pela nossa imagem virtual e pela nossa voz, que também é impalpável. A carne e o sangue do nosso ser tem que contar com a ausência, que é por estes dias, a única verdadeira presença”. As declarações foram dadas ao Instituto Cultural Italiano de Nova Iorque. Este sábado, a instituição patrocinou a instalação na cidade americana da terceira escultura imaterial de Salvatore Garau. Exposta frente ao Federal Hall, a poucos passos da Bolsa de Nova Iorque, intitula-se Afrodite Piange (Afrodite chora).