No meu começo está o meu fim

Epopeia das ilhas do Porto. Navegação de mestre entre os baixios da memória, as tempestades do passado, os náufragos de outro tempo, numa cidade quase irreconhecível.

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Ilhíada é o mais recente sinal de uma proximidade nada reverencial com a tradição DR

A grelha clássica em que se dispõe Ilhíada é, desde o título, o contrário da afectação. Não se poderá detectar, ao longo do poema, qualquer vestígio de refracção perante o concreto, através da fuga para a estabilidade da tradição clássica (ou arcaica), mas a assunção gozosa de uma inevitabilidade. No poeta de As Metamorfoses do Vídeo (José Ribeiro Editor, 1986), As Moscas de Pégaso (&etc. 1998), ou A Imitação de Ovídio (&etc. 2006), a tradição nunca pode ser uma salvaguarda, nem um escudo protector: quando muito, as fundações, o trampolim, ou a rampa de lançamento para outra coisa. Sempre outra coisa. Ilhíada é apenas o mais recente sinal de uma saudável proximidade, absolutamente nada reverencial, com a tradição. O título começa por ser um tremendo achado. Um daqueles momentos singulares, de acerto e brilhantismo, que o percurso de Alberto Pimenta torna tudo menos raros. O confronto que o título requer com o poema homérico é (mas também não é) desfeito pelo livro. Porque, apesar de existirem coincidências entre o poema de Alberto Pimenta e a Ilíada, que não se quedam no título, o poeta não decalca Homero no sentido de fazer, por exemplo, uma transposição dos acontecimentos da Guerra de Tróia para a actualidade, ou mesmo para um passado não tão remoto. Os sinais identificativos são muito menos óbvios – e impositivos. Ilhíada compõe-se de vinte e quatro momentos – o mesmo número de livros do poema de Homero. Poderíamos conceber cada um desses passos do livro de Alberto Pimenta como poemas autónomos; mas eles parecem, muito mais, constituir os “livros” de Ilhíada. Cada uma dessas respirações é seguida de uma breve secção intitulada, salvo nos dois primeiros casos, pela abreviação “Ad L...”, a qual poderia estar em vez de “Ad Litteram”, como acontece no primeiro “livro” de Ilhíada, ou “Ad Libitum”, no segundo. Depreende-se que se trate de uma forma abreviada de significar a letra de cada um dos episódios do poema, porque estes momentos intercalares funcionam como os escólios da poesia antiga – momentos de comentário e interpretação. Os quais, por se tratar de Alberto Pimenta, constituem tanto a oportunidade para esclarecer, quanto para desconcertar. Sobretudo, são o momento para comentar com ironia, impaciência, ou fúria o passado invocado, através da narração de Ilhíada.

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A grelha clássica em que se dispõe Ilhíada é, desde o título, o contrário da afectação. Não se poderá detectar, ao longo do poema, qualquer vestígio de refracção perante o concreto, através da fuga para a estabilidade da tradição clássica (ou arcaica), mas a assunção gozosa de uma inevitabilidade. No poeta de As Metamorfoses do Vídeo (José Ribeiro Editor, 1986), As Moscas de Pégaso (&etc. 1998), ou A Imitação de Ovídio (&etc. 2006), a tradição nunca pode ser uma salvaguarda, nem um escudo protector: quando muito, as fundações, o trampolim, ou a rampa de lançamento para outra coisa. Sempre outra coisa. Ilhíada é apenas o mais recente sinal de uma saudável proximidade, absolutamente nada reverencial, com a tradição. O título começa por ser um tremendo achado. Um daqueles momentos singulares, de acerto e brilhantismo, que o percurso de Alberto Pimenta torna tudo menos raros. O confronto que o título requer com o poema homérico é (mas também não é) desfeito pelo livro. Porque, apesar de existirem coincidências entre o poema de Alberto Pimenta e a Ilíada, que não se quedam no título, o poeta não decalca Homero no sentido de fazer, por exemplo, uma transposição dos acontecimentos da Guerra de Tróia para a actualidade, ou mesmo para um passado não tão remoto. Os sinais identificativos são muito menos óbvios – e impositivos. Ilhíada compõe-se de vinte e quatro momentos – o mesmo número de livros do poema de Homero. Poderíamos conceber cada um desses passos do livro de Alberto Pimenta como poemas autónomos; mas eles parecem, muito mais, constituir os “livros” de Ilhíada. Cada uma dessas respirações é seguida de uma breve secção intitulada, salvo nos dois primeiros casos, pela abreviação “Ad L...”, a qual poderia estar em vez de “Ad Litteram”, como acontece no primeiro “livro” de Ilhíada, ou “Ad Libitum”, no segundo. Depreende-se que se trate de uma forma abreviada de significar a letra de cada um dos episódios do poema, porque estes momentos intercalares funcionam como os escólios da poesia antiga – momentos de comentário e interpretação. Os quais, por se tratar de Alberto Pimenta, constituem tanto a oportunidade para esclarecer, quanto para desconcertar. Sobretudo, são o momento para comentar com ironia, impaciência, ou fúria o passado invocado, através da narração de Ilhíada.