Gomes Cravinho e a reforma militar: “Não fiquei surpreendido que houvesse contestação”

Para o ministro da Defesa Nacional, a carta dos antigos chefes militares, incluindo Ramalho Eanes, é uma situação geracional.

Foto
Ministro da Defesa comentou reforma militar LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO

As críticas à reforma da estrutura de topo das Forças Armadas já eram esperadas pelo Ministério da Defesa. É o próprio ministro João Gomes Cravinho que o admite.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

As críticas à reforma da estrutura de topo das Forças Armadas já eram esperadas pelo Ministério da Defesa. É o próprio ministro João Gomes Cravinho que o admite.

“Não fiquei surpreendido que houvesse contestação, também se opuseram em 2009 e 2014”, recordou. “É natural que os antigos militares que tiveram funções de chefia tenham relutância, as instituições são muito avessas às mudanças”, explicou.

Na Grande Entrevista na noite desta quinta-feira na RTP3, Cravinho situou a sua proposta num movimento mais geral. “Estamos a fechar um ciclo de reformas”, explicou. “Quem está por dentro das Forças Armadas sabe que a reforma era necessária”, insistiu.

Gomes Cravinho refutou os argumentos críticos e mais uma vez esclareceu que foi necessário um despacho seu em Outubro passado para aligeirar o envolvimento das Forças Armadas a partir do Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA) no combate à pandemia. Prova, prática e adicional, da urgência da reforma. O titular da Defesa recordou, a este propósito, que um dos aspectos mais relevantes das Forças Armadas, as Forças Nacionais Destacadas em cenários internacionais e em missões das Nações Unidas, NATO e União Europeia, já estava na dependência do CEMGFA.

Quanto às considerações de governamentalização das Forças Armadas, um dos pontos da argumentação do PCP, o ministro foi claro: “O relacionamento entre o sistema político e as Forças Armadas”.

Contudo, na entrevista, João Gomes Cravinho mostrou-se surpreendido com um dos pontos da chamada carta dos 28 de todos os antigos comandantes militares desde o 25 de Novembro de 1975, à excepção do general Valença Pinto, incluindo o antigo Presidente da República, Ramalho Eanes: a referência à possibilidade de existirem interesses económicos ligados ao sector da Defesa a ditarem a reforma militar. “O Governo não foi pressionado, fiquei muito surpreendido com a sugestão de uma coisa que não sei qual é”, disse.

Do mesmo modo negou a existência de qualquer turbulência no seio das Forças Armadas. Além dos contactos com o CEMGFA e as chefias dos três ramos – Exército, Marinha e Força Aérea –, Cravinho referiu-se a outros com diversos militares. E, depois, situou a iniciativa da carta dos 28: “Esta carta é uma situação geracional, é normal, não há nenhuma turbulência nas Forças Armadas.”

Em relação à tramitação parlamentar da proposta do Governo, que se inicia nas duas primeiras manhãs de Junho com as audições do CEMGFA e dos chefes dos ramos pelos deputados, Gomes Cravinho reiterou que prende um amplo consenso, tendo à partida garantido o apoio do chamado “eixo estrutural” da Defesa, do PSD, CDS e da bancada socialista.

“O documento não está fechado”, sintetizou com uma advertência. “Não me parece desejável uma alteração substantiva. Quanto ao facto de os antigos parceiros de gvernação do executivo de António Costa, o Bloco de Esquerda e o PCP, terem votado contra na generalidade, o ministro da Defesa recordou que estes partidos não se identificam com pontos cruciais da política de Defesa de Portugal. “Não se identificam [com a presença portuguesa] na NATO, mas isso não tem sido um problema”, afirmou. Aliás, a Defesa, tal como a Política Externa, ficaram à margem das declarações de Novembro de 2015 do PS subscritas com o Bloco, os comunistas e o PEV que estão na base da maioria parlamentar de esquerda.

Explicitou, mesmo, que tem sido possível um diálogo com a bancada comunista sobre pontos caros ao PCP. “Sobre a condição de vida dos militares e a situação do Arsenal do Alfeite”, explicou.

Sobre o reconhecimento da acção do vice-almirante Gouveia e Melo à frente da task force de vacinação, que tem permitido um reconhecimento social das Forças Armadas após o desgaste motivado pelo roubo e achamento de armas dos paióis de Tancos – “esse episódio pertence ao passado” o ministro da Defesa Nacional ponderou a questão. “O que tem conseguido é mérito próprio e de mais de 30 anos de vida militar, de uma vida dedicada ao planeamento e à programação”, sublinhou.

De acordo com João Gomes Cravinho, além dos 140 militares envolvidos nas tarefas de vacinação de apoio à task force, outros 300 continuam nas operações de rastreio. Entretanto, com a diminuição da pressão sobre os hospitais da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, o centro de apoio ao covid 19 do Exército, instalado no Hospital Militar de Belém, fechou, mantendo-se em situação de prontidão caso haja necessidade.

Num registo pessoal, o titular da Defesa, filho do ex-ministro João Cravinho, abordou a luta contra a corrupção animada pelo seu pai e que levou a reacções inesperadas do PS. “Revejo-me na sua postura ética [do pai], de que não temos conseguido tratar este fenómeno [da corrupção] na sociedade como todos gostaríamos”, manifestou.