Heróis de histórias que inspiram. Quem são os autores dos actos nobres de 2021?

Existiram pelo menos 70 actos nobres submetidos à distinção da Nobre Casa de Cidadania. Mas foram as histórias de nove cidadãos que mais inspiraram pela solidariedade, pelo sentido de sacrifício e dedicação aos outros. Exemplos que incentivam à cidadania e que nos provam o seguinte: se eles podem, nós podemos todos. Conheça a história de seis dos homenageados que têm feito a diferença no nosso país.

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Ir e voltar. Dar e receber amor. Pôr a vida em suspenso, sacrificar o tempo em família, ir à exaustão para ajudar os outros. Inspirar e contagiar. Nunca baixar os braços, dar a mão a quem mais precisa. Embora tenham idades e trajectórias diferentes, estas qualidades unem os nove cidadãos que foram distinguidos na edição de 2021 da cerimónia da Nobre Casa de Cidadania (NCC), que se realizou em formato digital. Andreia, Joaquim, Isabel, José Pedro, Rute, Luciano, Alexandra, Luís Carlos, e o casal Isabel e Jorge são os heróis de 2021. Do leque de homenageados, seis apoiam causas nacionais e três fazem a diferença além-fronteiras. 

Foram estes os nomes homenageados, mas quem ganha, na verdade, são todas as pessoas que ajudam, que em muitos casos são às centenas ou milhares, seja fora ou dentro de Portugal. Embora não se conheçam entre si, estes cidadãos partilham qualidades tão nobres que os admiradores da sua solidariedade, quer tenham sido amigos ou conhecedores alheios das suas histórias, os nomearam para esta distinção, que recebeu mais de 70 histórias. Eis os relatos dos seis heróis que apoiam causas nacionais.

Se rir é o melhor remédio, partilhar é a cura

Advogado, humorista e conferencista, José Pedro Cobra, 48 anos, é um orador nato e uma alma solidária. Prova disso são as mais de 200 palestras motivacionais (por ele baptizadas de “partilhas”) que dá a empresas, durante os fins-de-semana ou horários livres, revertendo o valor das mesmas para causas de solidariedade, tendo angariado até ao momento cerca de 500 mil euros. “Começou tudo em 2010, com a minha vontade em partilhar” conta, depois de um retiro que fez na Alemanha, em 2008, o ter inspirado àquilo a que chama de “partilhas de consciência”.

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Ao longo de uma década, foram muitos os seus actos nobres. Contou histórias inventadas “de consciência, de solidariedade e de proximidade” a crianças, no Hospital de Santa Maria, às horas de almoço; fez stand-up comedy em jantares de amigos para angariar dinheiro; envolveu-se na comunidade do Centro de Apoio aos Sem-Abrigo (C.A.S.A). “Quando chegou a oportunidade de fazer as palestras, para mim foi claro que seria sempre um projecto de gratidão” afirma José Pedro, que acabou por fundar a associação “A.Poiares”, em homenagem ao avô-exemplo Augusto Poiares, para agregar todas estas iniciativas. Diz que é uma frase dos Monty Python que o move: “rir é a melhor maneira de levar a vida a sério”.

Em cada esquina, um amigo

Nas Caldas da Rainha, certamente não há quem não conheça Joaquim Sá, 58 anos, que nos anos oitenta começou a enviar cartas a sem-abrigo da cidade, de modo a aproximar-se destes grupos vulneráveis com a finalidade de os ajudar como podia. Mais tarde, fundou uma associação, e hoje apoia pessoas em situação de sem-abrigo e famílias carenciadas das Caldas da Rainha, todos os dias, abdicando de horas de almoço, fins-de-semana e férias para recolher alimentos doados e preparar refeições para quem mais precisa.

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©Jornal Caldas da Rainha

“Em 2002 formou-se a associação “De Volta a Casa”. Em 2011 voltei a dar refeições na rua, como já tinha feito em anos anteriores. Presentemente temos um espaço físico, que já tem oito anos, onde damos refeições diárias, permitimos que façam a higiene pessoal, tratamos de roupas ou burocracias” conta Joaquim, que ajuda regularmente mais de 50 famílias, seja com bens alimentares, mobiliário ou roupas, a par da sua profissão, que é a de assistente técnico numa escola da cidade. Sobre a distinção, diz: “para mim foi uma novidade, fui apanhado de surpresa.” É que já são mais de 30 anos de uma vida dedicada aos outros.

Um sorriso sem idade (e sem preço)

Isabel e Jorge Rosado, 47 e 52 anos, acabaram mesmo por deixar a profissão enquanto professores do Ensino Básico para se entregarem por completo à “Palhaços D’Opital”, instituição que fundaram em 2013, e que desenvolve programas de intervenção artística destinados a pessoas idosas internadas em hospitais em Coimbra, Aveiro, Figueira da Foz, Viseu e Matosinhos. “O Jorge apaixonou-se pelo impacto do Doutor Palhaço. Começou como voluntário na Acreditar, em Coimbra, no hospital pediátrico” conta Isabel, que fala com orgulho da iniciativa.

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Durante o confinamento, lançaram a “D’Opital TV”, um salto para o digital que foi fundamental para entreter os doentes, em instituições, lares ou hospitais, que ficaram mais sozinhos durante a pandemia. “A distinção é dos Doutores Palhaços, são eles que estão no terreno” diz. “Tenho muito orgulho na minha equipa” acrescenta Isabel Rosado.

Mais de 100 quilómetros, uma visita de esperança

Prova de que a resiliência e o tempo são palavras subjectivas é a história de Rute Galvão, 45 anos, enfermeira no Serviço de Psiquiatria de Tomar, que percorreu mais de uma centena de quilómetros, duas vezes por mês, durante dois anos, abdicando do tempo em família, para fazer apoio domiciliário a pessoas com doença mental grave e suas respectivas famílias.

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“Os cuidados de proximidade são muito importantes quando estamos a falar de saúde mental. Nesta área, ter uma relação terapêutica com o doente é meio caminho andado para ter progresso” explica Rute, sobre o momento em que, algures em 2014, se deparou com a suspensão de cuidados domiciliários aos seus doentes. “Alguns estavam a 100 quilómetros, mas todos eles tinham famílias monoparentais, pais idosos, famílias dependentes, sem condições económicas” recorda, com alguma emoção.

Deslocou-se quinzenalmente às casas destes sete utentes, durante 2 anos, até 2016, quando as visitas foram de novo autorizadas. “Eram duas vezes no mês, porque a medicação tinha que ser assegurada. Saia de casa às 8h e chegava às 19h. Por norma eram 250 quilómetros nisto” conta a enfermeira, que chegou a almoçar ou beber café com estes utentes, “pois sentiam que eu era um elemento da família” recorda, com alegria. Diz que descobriu a distinção da Casa Nobre de Cidadania por telefone, e que mais tarde soube que foram as filhas que a nomearam. “Fiquei espantada, porque as histórias que ouvimos são todas fabulosas. Cheguei a levar os meus filhos nas visitas, não tinha com quem os deixar. Eles viveram tudo isto de perto, fizeram parte destas viagens, viveram estas histórias.”

Efeitos da pandemia, e a urgência da educação

Luís Carlos Soares, 33 anos, de Cinfães, em Viseu, é solidário desde que se “lembra de ser gente”. Da adolescência à idade adulta, envolveu-se em diversas iniciativas sociais, que foram “desde a recolha de sangue, de medula óssea, de bens e alimentos para ajudar outros estudantes, instituições e a Cruz Vermelha Portuguesa, até à recolha de rações para animais de associações que passavam dificuldades ou a procura de lares para esses animais” enumera. Durante a pandemia, percebeu que podia ajudar crianças e jovens que precisavam de ferramentas para acompanhar a aulas online, nomeadamente computadores. “. Tendo eu tido a possibilidade e a felicidade de ter desenvolvido a minha formação escolar e académica, não me pareceu justo.”

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Assim nasceu a “Escola Para Todos”, com o intuito de recolher equipamentos informáticos novos ou usados e doá-los às escolas do seu concelho, o que “consistiu num pequeno contributo à reposição da igualdade de oportunidades a todas estas crianças/jovens, e um esforço para que a escola seja de todos e para todos, independentemente, de onde são, das suas condições económicas, da sua religião e da sua cor” diz.

“Na operacionalização da plataforma, o conceito base foi o de recolher equipamentos informáticos novos ou usados e doá-los às escolas do meu concelho.” Sobre o reconhecimento do seu Acto Nobre, Luís diz que o recebeu “com um misto de nervosismo, gratidão e felicidade”, e que “poderá servir de estímulo para que outras pessoas estejam mais atentas ao que se passa ao seu lado e solidariamente dêem o seu melhor.”

Uma vida dedicada aos outros

Alexandra Vaz, 46 anos, é voluntária há mais de duas décadas. Durante a pandemia, fundou o grupo solidário de Facebook “Mais Acção Solidária” junto com o amigo Miro Couto. “Acabei a sair da escola para um turno de substituição na prevenção do suicídio, onde sou voluntária há 21 anos. Estarei aqui ainda umas horas” diz, quando a tentamos contactar. É outra das suas missões diárias, pois para Alexandra não existem “dias da semana” ou “fins-de-semana”. “Devo o meu sentido de solidariedade à minha mãe, que foi uma cuidadora nata, enfermeira por vocação” confessa Alexandra, cuja profissão é a de assistente técnica na Câmara Municipal do Porto, no departamento de Educação. “Consigo gerir isto com poucas horas de sono, um amor incondicional da minha família e amigos.”

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Alexandra diz que a “fome não espera”, e por isso ajuda 365 dias no ano. “Assim que este estado de pandemia nos virou do avesso dei-me conta das limitações de mobilidade das pessoas, das suas necessidades” conta, sobre o porquê de ter fundado a “+ Acção Solidária”, que ajuda cerca de 100 famílias. “Não só com alimentos, com produtos de higiene, material de protecção, até bens para os seus animais.”

Sobre a distinção como cidadã nobre, feita pela Nobre Casa de Cidadania, confessa que a “deve a uma grande amiga de infância”. Pensou que “devia ter sido engano, na verdade nunca se espera. É fantástico que se homenageiem pessoas que fazem coisas extraordinárias (…) e embora esta homenagem possa ser um exemplo, para nós, voluntários, deveria ser algo normal na nossa sociedade.”