Juiz português diz que decisão de Tribunal dos Direitos Humanos abre portas ao “Big Brother” europeu
Decisão num julgamento que ainda tem que ver com fuga de informação de Edward Snowden “assumiu a inevitabilidade da intercepção em massa” de dados, mesmo sem um alvo definido, critica o juiz Paulo Pinto de Albuquerque.
Uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) abre portas à vigilância em massa na Internet, diz o juiz português Paulo Pinto de Albuquerque, que assinou uma opinião “em parte divergente” com a maioria dos juízes que assinaram a decisão final de um caso iniciado em 2013, após as fugas de informação de Edward Snowden, ex-analista da Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos, que revelou a existência de programas de vigilância e de partilha de informação dos EUA operados em conjunto com o Reino Unido.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) abre portas à vigilância em massa na Internet, diz o juiz português Paulo Pinto de Albuquerque, que assinou uma opinião “em parte divergente” com a maioria dos juízes que assinaram a decisão final de um caso iniciado em 2013, após as fugas de informação de Edward Snowden, ex-analista da Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos, que revelou a existência de programas de vigilância e de partilha de informação dos EUA operados em conjunto com o Reino Unido.
Por um lado, os 17 juízes consideraram que os serviços secretos e de contra-espionagem do Reino Unido (GCHQ) tinham violado os direitos à vida privada e liberdade de expressão ao recolherem dados sobre comunicações na Internet através dos fornecedores de acesso. Com isto Pinto de Albuquerque concorda. Todavia, ele e outros quatro juízes discordaram da posição da maioria sobre a gravidade das violações. Os juízes dissidentes consideram que a agência britânica também violou a Convenção Europeia dos Direitos do Homem ao solicitar dados interceptados por outros governos e agências de espionagem de outros países.
Perante um quadro legal indefinido na Europa, com políticas nacionais muito díspares, esta decisão do TEDH dá um enquadramento. No entanto, na avaliação que faz entre o direito à privacidade e as necessidades da segurança dos Estados deu primazia aos governos – o que terá custos, por exemplo ao nível dos direitos profissionais dos jornalistas, de manterem a privacidade na interacção com as fontes.
“O tribunal assume a inevitabilidade da intercepção em massa e, mais ainda, de um regime de intercepção sem alvo definido”, aceitando “os argumentos circulares” do Governo britânico, que afirma que a intercepção em massa é incompatível com a exigência de uma suspeita razoável, porque é, por definição, sem alvo definido”, escreve Pinto de Albuquerque na sua opinião divergente.
“É alterado o actual equilíbrio na Europa entre o direito ao respeito pela vida privada e os interesses da segurança pública”, escreve o juiz português.
Ao fazer isto, o TEDH não segue a sua própria jurisprudência, como no caso Szábo e Vissy vs Hungria, em que o tribunal censurou a prática de “autorizações de intercepção que não mencionam uma pessoa específica ou número de telefone a ser vigiado, e em vez disso autorizam a intercepção de todas as comunicações telefónicas na área onde foi cometido um crime”. Estas práticas de vigilância de um grande número de cidadãos eram defendidas pelo Governo húngaro para lutar contra o terrorismo.
Pinto de Albuquerque sublinha que a lei do Reino Unido não garante “uma salvaguarda eficaz contra o abuso dos poderes de vigilância”. Além disso, pode trocar esta informação com países exteriores ao Conselho da Europa e que não garantem o mesmo nível de protecção de dados pessoais – devido à aliança das agências de informação dos cinco países anglófonos (Austrália, Canadá, Estados Unidos, Nova Zelândia e Reino Unido).
Tratando-se de comunicação na Internet, na qual é difícil definir fronteiras, os dados de comunicações de pessoas que estão em Estrasburgo podem ser interceptadas em Londres, a título de exemplo. Por isso, o tribunal reconheceu o “potencial intrusivo da intercepção em massa” dos dados relativos às comunicações. Mas, por outro lado, admite que os Estados-membros possam escolher as salvaguardas que querem ver consagradas na legislação nacional. Esta mensagem é considerada “tão ambígua que não dá a devida orientação aos Estados sobre quais as salvaguardas que devem ser obrigatórias”, escreve o juiz português. “A posição hesitante do tribunal não afasta o risco de que toda a vida social de uma pessoa possa ser cartografada.”
É por isso que o juiz Pinto de Albuquerque conclui que este julgamento iniciou um caminho perigoso. “Abriram-se as portas para um ‘Big Brother’ electrónico na Europa”, escreveu.