“Contaler” memórias ao neto e desenhar a infância
Diz António Mota que “contaler” é “ler e inventar o que não está escrito, mas parece que está”. Assim nasceu este livro, em que Cátia Vidinhas desenhou as suas memórias de infância.
Uma história simples, de encontro entre uma ovelha e um gato e — entre outras coisas — sobre o que gostam de comer. O gato Chiribi bem tentou gostar das ervas e flores do prado, que tanto agradavam à ovelha Estrelinha, mas, “nhec! nhec! nhec!”, aquilo não era para ele. “Não foi capaz de engolir as ervas verdes e as flores brancas, amarelas e azuis.”
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Uma história simples, de encontro entre uma ovelha e um gato e — entre outras coisas — sobre o que gostam de comer. O gato Chiribi bem tentou gostar das ervas e flores do prado, que tanto agradavam à ovelha Estrelinha, mas, “nhec! nhec! nhec!”, aquilo não era para ele. “Não foi capaz de engolir as ervas verdes e as flores brancas, amarelas e azuis.”
Numa escrita clara, bem-humorada e com recurso a onomatopeias e à repetição, tanto do agrado dos mais novos, convida-se as crianças a entrar num ambiente por muitas desconhecido: o campo.
Sobre a ideia do livro, António Mota conta ao PÚBLICO, via email: “Não sei explicar, e tudo o que diga está sempre inacabado, mas o tempo saboroso de ser avô pôs-me a contar e a ler e a contaler (que é ler e inventar o que não está escrito, mas parece que está) para o meu neto.”
Neste exercício feliz, recuou aos tempos de criança: “Nesse tempo, eu andava no campo a pastorear uma cabra, que me dava cabritos e leite. Às vezes, juntava-me ao António da tia Adelaide, meu colega da escola primária que pastoreava ovelhas, e era uma festa.”
Relata-nos como transformavam em brincadeira algumas tarefas do quotidiano, nem sempre fácil: “Brincávamos a fazer de conta que éramos reis cavalgando cavalos muito altos e brancos. Os pobres dos bichos queriam comer, não gostavam nada da brincadeira, atiravam-nos ao chão, nós ríamos e a felicidade estava no meio de nós.”
Também a alimentação dos rapazes lhe veio à memória: “Fazíamos banquetes com a broa migada no leite que conseguíamos mungir das tetas da cabra, mas não era nada fácil.” E recorda os gatos: “Lembrei-me dos gatos, todos os gatos que não gostavam do meu pai ou o meu pai é que não gostava deles. E isso divertia-me.”
Para finalizar a explicação de como este livro surgiu, o n.º 37 da colecção Obras de António Mota, diz: “Penso que foi tudo isso — mais o desafio de escrever uma história que não pusesse o meu neto a perguntar se faltava muito para irmos brincar a outra coisa — que me levou a criar a Ovelha Estrelinha e o Gato Chiribi.”
Recriar um passado rural
Quem ilustrou esta história foi Cátia Vidinhas e ficou muito contente com o trabalho: “Ilustrar este livro foi uma maravilhosa oportunidade de regressar à minha infância, pois nasci num ambiente rural, repleto de natureza e animais.”
Tal como o escritor, também ela recuperou experiências do passado: “Fiz um exercício de relembrar memórias, cheiros, cores que pude transpor nas ilustrações, que vivem muito desta ligação ao campo e a ambientes naturais.”
Houve outro aspecto que pôde explorar na ilustração e que muito lhe agrada: “O da inocência e da brincadeira através da construção das personagens.” Resultou.
Quanto à parte técnica, descreve: “Todas as ilustrações foram construídas através de técnica digital, usando vários tipos de expressividade disponibilizados pelos pincéis do software Adobe Photoshop.” Cátia Vidinhas conseguiu criar assim uma atmosfera quente e calma, como o tom do texto.
O livro termina com um sonho fantástico e fantasioso do gato, não sem antes pedir à mãe Cristalina, que morava na casa da Carolina, para mamar, mamar, mamar. “E quando a fome desapareceu, o Chiribi dormiu, dormiu, dormiu. E sonhou, sonhou, sonhou.”
Juntos, António Mota e Cátia Vidinhas, têm já um outro livro, A Gaveta Mágica, que fala da perda de memória dos mais velhos. “Quando a gaveta mágica das histórias que existe na cabeça dos avós fica subitamente vazia, é sinal de que algo se passa. Mas o quê?”, lê-se na sinopse divulgada pela editora. Ao PÚBLICO, o autor disse que queria fazer uma história sobre a doença de Alzheimer. E fez.
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