LGBTI e retro: são assim as revistas descobertas na Indonésia, que agora ganham vida online
Ais descobriu uma colecção de revistas LGBTI retro em Bali, em 2020. Desde então, tem-se dedicado a digitalizá-las e a torná-las disponíveis online. “De repente senti que era parte de algo maior do que eu”, disse o investigador de 29 anos.
Dois homens a abraçarem-se na capa de uma revista era algo mais do que arriscado para a Indonésia, pensou o investigador LGBTI Ais, quando descobriu uma colecção de revistas LGBTI retro em Bali, em 2020. “De repente senti que era parte de algo maior do que eu”, disse o jovem de 29 anos — que não quer revelar o nome completo devido à sensibilidade do tema — sobre a descoberta das revistas. “Aparentemente tenho uma história.”
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Dois homens a abraçarem-se na capa de uma revista era algo mais do que arriscado para a Indonésia, pensou o investigador LGBTI Ais, quando descobriu uma colecção de revistas LGBTI retro em Bali, em 2020. “De repente senti que era parte de algo maior do que eu”, disse o jovem de 29 anos — que não quer revelar o nome completo devido à sensibilidade do tema — sobre a descoberta das revistas. “Aparentemente tenho uma história.”
As revistas LGBTI, publicações baseadas na comunidade e impressas em pequenos lotes, foram distribuídas por todo o arquipélago da Indonésia durante as décadas de 1980 e 1990, um sinal de tempos mais permissivos numa nação onde os muçulmanos estão em maioria. Ainda que a homossexualidade não seja ilegal na Indonésia — com a excepção da província de Aceh, controlada por xariás, onde os relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo estão banidos —, este é geralmente um tema tabu.
O país está também a tornar-se menos tolerante à comunidade LGBT+, à medida que alguns políticos se tornam mais vocais sobre o Islamismo ter um grande papel no Estado.
A descoberta deu a Ais e Neau Newham — um australiano que trabalha na área de apoio e prevenção à Sida — o ímpeto para digitalizar tantas revistas quantas conseguissem encontrar, fazendo scan das velhas cópias e publicando-as online no site Queer Indonesia Archive.
“Se é algum tipo de material que reflecte as histórias de indonésios queer e o podemos digitalizar, vamos fazê-lo. Essa é a premissa”, disse Newham, 34 anos, em entrevista à Reuters. Equipado com quatro scanners e ajudado por voluntários, angariações de fundos e doações de organizações não-governamentais, o duo descobriu mais de 18 títulos de revistas LGBTI indonésias, e o arquivo já atingiu os 30 gigabytes.
Ais disse que o grupo normalmente se dirige ao líder da comunidade que produziu a revista para perguntar se podem partilhar cópias.
Poemas para anúncios pessoais
A primeira revista LGBTI da Indonésia foi publicada em 1982 e chamava-se G: Gaya Hidup Ceria (G: Happy Lifestyle), segundo Dede Oetomo, um académico gay que fundou a revista activa com mais tempo de vida, a Gaya Nusantara, que passou a online em 2014.
Ainda que nuncam tivessem recebido reconhecimento, as revistas circularam livremente desde a ilha de Java (Jaka Zine) até Sulawesi (Gaya Celebes), contendo poemas para anúncios pessoais, onde as pessoas que estavam à procura de um parceiro partilhavam informações básicas e fotos deles.
“Estava feliz, porque conseguia fazer imensos amigos. Em retrospectiva, esses boletins faziam o que as aplicações fazem hoje em dia”, disse Dede, referindo-se a apps como o Grindr.
Para evitar as autoridades indonésias, as revistas foram chamadas de “série de livros”, em vez de notícias, disse Dede, acrescentando que isso foi o mais perto que estiveram de autocensura. “Estou feliz que o Queer Indonesia Archive esteja a fazer isto. Nós nunca tivemos essa capacidade”, referiu.
Arquivar estas revistas tem sido um exame de consciência para Ais, que diz que a sua divulgação de comunidades queer nos últimos anos tem sempre sido centrada na questão de perseguição. Ainda que o Queer Indonesia Archive não tenha provocado problemas com as autoridades, estão “sempre com medo que haja backlash”, disse Newham.
Tem havido um aumento na discriminação e ataques violentos contra a comunidade LGBTI da Indonésia nos últimos anos. A polícia processou membros da comunidade com base em leis anti-pornografia, entre outras. Mais de 1800 casos de perseguição a indonésios LGBTI ocorreram entre 2006 e 2017, reportou o grupo Arus Pelangi em Setembro de 2019. Um inquérito feito pelo grupo de pesquisa Pew Research Center em 2020 mostrou que 80% dos indonésios acreditam que a homossexualidade “não deve ser aceite na sociedade”.
Assim que a pandemia termine, Ais e Newham tencionam começar a gravar testemunhos em áudio de membros mais velhos da comunidade LGBTI. “Queremos arquivar mais da nossa história de uma forma inclusiva”, disse Ais. “Através do Queer Indonesia Archive, espero poder tornar as pessoas mais atentas à história queer da Indonésia.”