“Eixo estruturante” da Defesa apoia reforma de Gomes Cravinho
Numa indirecta à carta, entrevistas e intervenções de antigos chefes militares, ministro congratula-se por ver o debate no local certo, o Parlamento.
Era um segredo de polichinelo. O debate desta tarde no Parlamento confirmou que a nova Lei Orgânica de Bases de Organização das Forças Armadas (LOBOFA) e alterações subsequentes à Lei de Defesa Nacional vão ser aprovadas na generalidade na próxima quinta-feira pelo eixo estruturante da Defesa. O Governo terá o apoio aos seus dois projectos de lei do PSD, CDS e, logicamente, da bancada socialista.
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Era um segredo de polichinelo. O debate desta tarde no Parlamento confirmou que a nova Lei Orgânica de Bases de Organização das Forças Armadas (LOBOFA) e alterações subsequentes à Lei de Defesa Nacional vão ser aprovadas na generalidade na próxima quinta-feira pelo eixo estruturante da Defesa. O Governo terá o apoio aos seus dois projectos de lei do PSD, CDS e, logicamente, da bancada socialista.
A coincidência entre o principal partido da oposição e o PS não ficou pelo sentido de voto. Na formulação utilizada para qualificar a importância do que estava em jogo, o ministro da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho, foi peremptório: “Olhamos para os desafios do presente e do futuro”. Por seu lado, a deputada Ana Miguel Santos, do PSD, encarou a questão de modo idêntico: “Hoje discutimos as Forças Armadas do século XXI, que não fazem a guerra, fazem a paz.”
Quer Gomes Cravinho quer Ana Santos coincidiram no diagnóstico de que o mundo mudou após 0 fim da Guerra Fria. Que emergiram novas ameaças, híbridas, de ataques cibernéticos e tecnologias disruptivas. “Temos de começar por algum lado, é tempo de agir”, disse a deputada do PSD, anotando os desafios à condição militar, num elencar de carências. Mais salários, perda de efectivos… O seu colega de bancada, Carlos Eduardo Reis, sugeriu mais discussão, recuperando as declarações de Ramalho Eanes e de Cavaco Silva. Ambas, liminarmente recusadas pelo PSD. As posições dos dois antigos Presidentes foram também recordadas por Inês Sousa Real, do PAN, que solicitou que os projectos de lei não fossem a votação, descessem à comissão para permitir mais debate. Caso contrário, abstém-se.
Em contraponto, o ministro da Defesa recordou o longo historial de reformas falhadas ou a meio. “Em Portugal, em 1995 e 1999 já se falava na melhoria da capacidade operacional, mas por motivos da conjuntura da época não foi possível”, lembrou. Noutra fase intermédia ficaram as alterações de 2009 e 2014, de ministros diferentes, Nuno Severiano Teixeira e Aguiar-Branco, de partidos distintos, do PS e do PSD.
Entretanto, a NATO tem um conceito de Defesa em vigor desde 2010 e avança com outro para o ano, a UE fez o mesmo em 2016 e o português data de 2013. É esta a urgência da “realidade do mundo contemporâneo que vivemos”, comentou Gomes Cravinho.
Porventura, a parte mais substantiva do debate centrou-se na discussão sobre se os dois projectos de lei em apreço – LOBOFA e Lei de Defesa Nacional – não deveriam ter sido antecedidos da definição do novo Conceito Estratégico de Defesa Nacional. O conceito de 2013 já preconizava estas alterações, nomeadamente o reforço do papel do chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, ripostou o ministro. Dito de outra forma: já estava previsto.
Contudo, a uma pergunta de deputado do CDS-PP Pedro Morais Soares, João Gomes Cravinho deu uma resposta mais trabalhada, quase de fundo. O parlamentar questionou sobre a necessidade de se alterar a Constituição no capítulo da Defesa. “É o momento de pensarmos, mas noutro momento, nas missões das Forças Armadas, a [luta contra a ]pandemia alimenta pensar como se relacionam as Forças Armadas com as forças de segurança e o que diz a Constituição”, disse.
À esquerda não houve qualquer novidade, confirmando o guião da sua oposição. Quer o PCP quer o Bloco de Esquerda afirmaram o seu voto negativo, que também foi sucintamente revelado pelo Chega.
A posição comunista, que se absteve em 2019 na votação da Lei de Infra-Estruturas Militares, demarcando-se assim da oposição bloquista, está consubstanciada numa proposta de lei, com uma triangulação de argumentos. Defende o reforço das funções do Presidente da República, enquanto Comandante Supremo das Forças Armadas. O deputado António Filipe explicou o motivo, recordando que, se não fosse a oposição de Jorge Sampaio, em Belém, as Forças Armadas tinham estado no Iraque. Assim, lá esteve a GNR com outras funções. O bloquista João Vasconcelos reconheceu ter dúvidas. E manifestou reservas ao que definiu como “impulso presidencial”.
Por outro lado, o PCP condena, tal como o Bloco, o que afirma ser uma submissão de Portugal à NATO e à União Europeia, e teme a governamentalização das promoções na hierarquia. Pugna, por fim, pelo reconhecimento dos direitos sócio-profissionais dos militares. Os comunistas temem que haja uma deslegitimação da autonomia dos ramos – Exército, Marinha e Força Aérea – face ao poder acrescido reservado ao CEMGFA. “O projecto de lei do Governo reforça o papel tradicionalista dos ramos na luta sindical”, contestou António Filipe.
Balanço feito, o ministro concluiu com pontaria política. “O debate está no sítio certo e no local correcto”, disse, referindo-se ao Parlamento, com a memória em cartas, entrevistas e declarações de antigos chefes militares contra a reforma. Disse que os projectos de lei em causa “melhoram e afinam” e reiterou a disponibilidade para o consenso.