Por que razão as imagens no Google Maps de Gaza e Israel aparecem desfocadas?
Investigadores garantem que o facto de as empresas não disponibilizarem imagens de alta resolução destas áreas não permite localizar ataques e documentar devidamente a destruição provocada por tais ofensivas.
Porque é que Gaza, um dos lugares mais densamente povoados do mundo, aparece desfocado no Google Maps? A questão foi levantada por investigadores que utilizam informações publicamente disponíveis (incluindo dados de mapeamento) para localizar ataques e documentar a destruição provocada por tais ofensivas e que garantem que o facto de as empresas não disponibilizarem imagens com alta resolução impede o seu trabalho.
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Porque é que Gaza, um dos lugares mais densamente povoados do mundo, aparece desfocado no Google Maps? A questão foi levantada por investigadores que utilizam informações publicamente disponíveis (incluindo dados de mapeamento) para localizar ataques e documentar a destruição provocada por tais ofensivas e que garantem que o facto de as empresas não disponibilizarem imagens com alta resolução impede o seu trabalho.
Uma grande parte das imagens de satélite de Israel e dos territórios palestinianos aparecem com fraca resolução no Google Earth — não sendo sequer possível ver um carro com detalhe —, embora imagens de alta resolução de qualquer sítio no mundo sejam comercializadas por empresas que detêm satélites.
As imagens de satélite tornaram-se uma ferramenta extremamente importante para monitorizar conflitos, mas há algumas preocupações de que a disponibilização de imagens detalhadas possa comprometer a segurança.
O tema ganha especial relevância numa altura em que as forças israelitas voltaram a bombardear Gaza, com a ofensiva contra o Hamas a entrar na segunda semana. Desde o reacendimento do conflito, há cerca de uma semana, foram mortas 197 pessoas em Gaza, entre as quais 58 crianças, e mais de 1200 feridos, de acordo com as autoridades de saúde do território. Em Israel, morreram dez pessoas, incluindo duas crianças, segundo o Governo.
Os investigadores tentam registar os locais exactos do lançamento de mísseis e os edifícios atingidos (ou alvejados) em Gaza e Israel através das imagens de satélite, uma tarefa que se torna particularmente difícil quando as imagens são de fraca resolução.
O facto de não conseguirem obter imagens de satélite de alta resolução de Israel e dos territórios palestinianos pode impedir mesmo a realização da tarefa e atrasar o processo, segundo constata à BBC Samir, um investigador que utiliza os dados fornecidos pelo Google Earth e outras plataformas gratuitas para registar a destruição provocada pelo conflito.
“A imagem mais recente no Google Earth [destes locais] é de 2016 e parece lixo. Eu fiz zoom em algumas áreas rurais aleatórias da Síria e há mais de 20 imagens registadas desde essa altura, com alta resolução”, descreveu, numa publicação na rede social Twitter, o jornalista Aric Toler.
A BBC destaca ainda que, até ao ano passado, o governo norte-americano restringia a qualidade das imagens de satélite de Israel que as empresas americanas podiam comercializar no âmbito de uma lei denominada Kyl-Bingaman Amendment (KBA), que foi introduzida em 1997 para dar resposta a preocupações de Israel relacionadas com a segurança. Embora esta lei oficialmente se aplicasse apenas a Israel, acabava por também abranger territórios palestinianos, em parte ocupados por Israel.
A KBA limitava a qualidade das imagens disponibilizadas, permitindo que um objecto do tamanho de um carro fosse identificável, mas qualquer objecto menor ficasse desfocado (impedindo a sua identificação). Apesar de tal prática ser relativamente comum no que diz respeito a alguns locais, como bases militares, neste caso a lei aplicava-se a uma área bastante superior.
No entanto, uma vez que outras empresas estrangeiras, como a francesa Airbus, podiam fornecer estas imagens com elevada resolução, os Estados Unidos ficaram sob grande pressão para pôr fim a tais restrições — o que acabou por acontecer em Julho de 2020, data em que a KBA foi revogada. Significa isto que actualmente o governo norte-americano permite às empresas comercializarem imagens da região com uma qualidade bastante superior.
“A motivação inicial foi científica. Precisávamos de acesso a [imagens de] alta resolução nos territórios palestinianos ocupados comparável ao que usamos noutras partes da região”, explica à BBC Michael Fradley, arqueólogo da Universidade de Oxford que fez pressão para que a lei fosse alterada.
Mas, então, porque é que as imagens continuam a aparecer desfocadas? Questionada pela BBC, a Google alega que o seu objectivo é manter as imagens de “locais densamente povoados” actualizadas “regularmente”, embora este não seja o caso de Gaza. A Google acrescenta ainda que as imagens são disponibilizadas por vários fornecedores e que analisa as “oportunidades para actualizar as suas imagens de satélite à medida que imagens de alta resolução se tornam disponíveis”. Porém, não se mostrou disponível para partilhar imagens da região com qualidade superior.
Já a Apple (que possui apps que dependem de imagens de satélite, como a Apple Maps) garante estar a trabalhar para actualizar os seus mapas com imagens de alta resolução em breve.
Estas plataformas (Google Earth e Apple Maps) dependem de empresas que possuem satélites, como a Maxar e a Planet Labs, para fornecerem tais imagens, sendo que as duas empresas mencionadas estão agora a disponibilizar imagens com alta resolução (40/50 cm) de Israel e Gaza.
Contudo, regra geral, os investigadores estão dependentes de plataformas gratuitas para monitorizar os conflitos e não têm acesso directo a estas imagens de alta resolução. Neste sentido, alegam que, tendo em conta a “importância” dos conflitos, nada justifica que as imagens disponibilizadas publicamente destas áreas continuem a ser desfocadas deliberadamente.