Falemos de poluição luminosa

A poluição luminosa é, portanto, muito mais nefasta do que a simples mudança de cor dos céus. É por isso que são cada vez mais os países que combatem este flagelo, com legislação específica e directivas de iluminação urbana. Mas o que se passa em Portugal, onde a poluição luminosa sobressai nas imagens nocturnas de satélite?

Foto
ESA

Neste Dia Mundial da Luz, 16 de Maio, lembra-se a importância desta forma de energia, fundamental para a vida no Universo. A ponto de influenciar emoções e comportamentos, a hora de deitar e de acordar. Mas o que está a acontecer ao céu nocturno é motivo de preocupação.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Neste Dia Mundial da Luz, 16 de Maio, lembra-se a importância desta forma de energia, fundamental para a vida no Universo. A ponto de influenciar emoções e comportamentos, a hora de deitar e de acordar. Mas o que está a acontecer ao céu nocturno é motivo de preocupação.

Apesar de todas as ferramentas tecnológicas que temos, iluminamos de mais, e os céus nocturnos continuam doentes. São as cidades que emitem luz artificial para o céu, gerando poluição luminosa. O fenómeno tem várias dimensões trágicas: além de gás natural, petróleo e carvão queimados em vão, mudam-se rotinas. Para os mais sensíveis, com a luz que entra da janela, e sem fechar os estores, tentar adormecer pode tornar-se num pesadelo. 

Já fora das cidades, a luz perpétua que vem do céu é a promessa de interferir noutras formas de vida, sem tréguas à vista. Há alterações no crescimento de plantas, nos hábitos de aves, mamíferos ou peixes. Outras espécies ficam com a reprodução ameaçada, sendo a poluição luminosa uma das principais causas para o risco de extinção de pirilampos, muito mais raros nas noites que correm.

Sob o brilho difuso do céu, salmão ou enxofre, perdem-se também pontos de referência. A não ser que se iluminem monumentos, pontes e reservatórios de água, com focos apontados para o céu. A mediterrânica noite azul e preta, que Sophia de Mello Breyner refere n'O Búzio de Cós, passa a não ser mais do que memória distante, enquanto as estrelas se apagam das cidades.

A poluição luminosa é, portanto, muito mais nefasta do que a simples mudança de cor dos céus. É por isso que são cada vez mais os países que combatem este flagelo, com legislação específica e directivas de iluminação urbana. Mas o que se passa em Portugal, onde a poluição luminosa sobressai nas imagens nocturnas de satélite? Pelo que parece, pouco mais há do que um conjunto de intenções. 

Resolução da Assembleia da República nº 193/2019 recomenda que o Governo adopte medidas de mitigação da poluição luminosa. É certo que, pelo esforço dos municípios, e também de empresas públicas e privadas, a instalação de LED pode trazer ganhos de eficiência. Mas falta uma estratégia de coordenação nacional. 

Pode parecer que muito está por fazer, mas a tomada de consciência já está em marcha. Cada vez mais, reconhece-se a importância da luz no bem-estar. Que a cor da luz também é importante para identificar um lugar, não fosse a luz de Lisboa conhecida por isso. E que a sua ausência, durante a noite, para já só em lugares de baixa densidade populacional, torna uma oportunidade muito relevante. Actualmente, a Reserva Dark Sky Alqueva atrai visitantes para observar um céu nítido, onde a Via Láctea brilha no Verão. 

Com novos avanços tecnológicos, um céu urbano cheio de estrelas deixou de ser uma imagem nostálgica, de um passado remoto. Há luminárias reguláveis, com sensores e controladores que aumentam a intensidade da luz à passagem de uma pessoa ou um carro. Há luzes cuja orientação previne o encadeamento. Perante as novas ferramentas, lançam-se outras perguntas. Será possível incorporar a iluminação no planeamento urbano? Pode a iluminação pública ser concebida de forma integrada, para fortalecer a identidade das nossas cidades? Com novas ferramentas tecnológicas, podemos ser mais exigentes com a qualidade da luz no espaço púbico. Não basta iluminar ruas para nos sentirmos seguros, é preciso torná-las agradáveis, com uma cor que convide à permanência.

Finalmente, devemos ser mais exigentes com o céu nocturno. Ou, pelo menos, deixar de ser indiferentes às estrelas que, uma por uma, se vão apagando dos céus urbanos. Como nos escreveu Saint Exupéry n'O Principezinho, as estrelas são diferentes para cada um: orientação para exploradores, ou problema para cientistas que as estudam. Saibamos reclamar o céu nocturno e reencontrar as estrelas que nos acompanham.