Sporting e Israel: Onde é que se cruzam?
Os foguetes de Alvalade e da terra prometida têm que ser vistos pelas vidas que se perdem ou podem perder (dos dois lados obviamente), sem cairmos na tentação de achar que o passado pode ser mais relevante que o presente.
Sporting e Israel. Onde é que se cruzam? Nos argumentos históricos para escamotear o presente. Claro que a história é importante, mas infinitamente menos do que o presente. Não há ninguém que não consiga compreender a ânsia de festividades dos sportinguistas. Não há ninguém que não perceba que o que aconteceu foi um perigo para a saúde pública.
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Sporting e Israel. Onde é que se cruzam? Nos argumentos históricos para escamotear o presente. Claro que a história é importante, mas infinitamente menos do que o presente. Não há ninguém que não consiga compreender a ânsia de festividades dos sportinguistas. Não há ninguém que não perceba que o que aconteceu foi um perigo para a saúde pública.
Depois de um ano de críticas ferozes às celebrações do 1.º de Maio, aos ajuntamentos em Fátima, às jantaradas dos políticos em pleno confinamento, eu acredito que o verdadeiro perigo não está na análise de cada caso em concreto, mas no carácter exemplar e comparativo que cada questão comunica ao país. “Foi o melhor que conseguimos fazer” parece ser a melhor resposta das autoridades perante o descontrolo da festa leonina.
Mas não será o cidadão cumpridor que ficará mais indignado. Como é que se explica aos feirantes, aos empresários de bares e discotecas, aos profissionais que dependem de eventos, a todo o sector da cultura esmagado, e a todos que viram o seu emprego sucumbir pela maldita pandemia que permitir o ajuntamento de dezenas de milhares de pessoas “foi o melhor que conseguimos fazer”? Por mais que se compreenda as razões sentimentais e históricas que levam a comportamentos, as implicações no presente são: dez milhões de pessoas a perguntar se podem festejar, porque é que não podem fazer ajuntamentos em casa, ou porque não podem fazer “isto” ou “aquilo”? Se haverá um aumento de casos por causa do título verde e branco, ninguém sabe, mas que a partir de agora mergulhamos num mar de comparações que impulsionam o incumprimento de todas as regras que salvam vidas, parece-me infelizmente incontornável.
A questão israelo-árabe levanta sempre uma prosa de argumentos ferozes sobre “eu sei mais de história do que tu!”. Alteração da embaixada americana, intifadas, guerra dos seis dias, criação do estado de Israel, Holocausto, otomanos, romanos... até chegarmos a Abraão. Os nossos representantes marcam posição dizendo que condenam os ataques por parte do Hamas, e acrescentam que Israel tem o direito a se defender. Será mesmo que é o melhor que “conseguem fazer”? A história “toda” ninguém a sabe, porque essa reside na vida de cada uma das pessoas que tem vivido naquele rectângulo de ódios desde o início dos tempos. Compreender a história por mais que se estude é um exercício infinito, interminável, utópico e invariavelmente faccioso. Mas o presente diz-nos, ou até nos grita aos ouvidos, que há seres humanos a serem expulsos das suas casas, e num enquadramento legal em que são oficialmente considerados pessoas de valor inferior, por ter uma etnia, uma língua e uma religião diferente dos que têm as armas maiores.
Ninguém pode pronunciar as palavras “direitos humanos”, sem se sentir incomodado com a existência, persistência e crescimento exponencial dos colonatos, que violam a bondade da coexistência e ridicularizam a autoridade das Nações Unidas, que já declararam como inaceitável o acto de se expulsar pessoas das suas casas para se pôr lá outras com um rótulo diferente. E nós não compreendemos que ao estarmos a ser cúmplices de um crime à luz do melhor entendimento de humanidade, estamos a permitir que um dia alguém nos faça isso a nós e saia impune.
O nosso passado explica-nos quem nós somos, mas o que nós decidimos fazer hoje é que define quem é que nós queremos ser. Os foguetes de Alvalade e da terra prometida, têm que ser vistos pelas vidas que se perdem ou podem perder (dos dois lados obviamente), sem cairmos na tentação de achar que o passado pode ser mais relevante que o presente.
Isto não foi, não é, o “melhor que nós conseguimos fazer”, nem o melhor que nós conseguimos ser.
Queremos ser passado ou presente? Nós somos melhores que o passado. Nós somos o presente.