Um espirro no Universo
A natureza, sim, existe alheia a qualquer ímpeto humano. O antropocentrismo é uma ilusão, a força transformadora dominante que pensamos exercer sobre o planeta Terra é passageira. Destruímos, e seremos destruídos? A Humanidade é um espirro no Universo.
A natureza é um dos temas que mais facilmente me faz teclar de forma entusiástica e semear palavras numa folha.
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A natureza é um dos temas que mais facilmente me faz teclar de forma entusiástica e semear palavras numa folha.
Fico contente por não ser a única. Recentemente, uma crónica do Afonso Cruz, no Jornal de Letras, falava disso mesmo, da natureza. Terminava com a seguinte afirmação: “A nossa cultura é a nossa natureza, mas devemos considerar que há boas e más naturezas e a nossa tem-se mostrado hedionda.” Subscrevo e acrescento.
Contemplar a natureza, incluindo a humana, é algo que me é inato. Só consigo viver de olhos abertos para o mundo. Vejo muito, sabendo que não vejo quase nada.
O 13 de Maio católico é uma daquelas datas que nos permite vislumbrar o bom e o menos bom da espécie humana. A fé move. Para quem acredita, as montanhas podem abandonar o seu sopé com a força de uma prece. Não só em Fátima ou nesta ocasião. O Muro das Lamentações está repleto de cartas a um destinatário silencioso. O caminho para Meca nunca terá ervas daninhas. A Iluminação não tem princípio ou fim.
A fé dos que mais acreditam é possuída também por quem precisa mais do que de rezas para viver. A religião é, para muitos, um negócio. Entristece, mas é essa mesma fé, foram essas narrativas que nos trouxeram até aqui enquanto Humanidade. Para o bem e para o mal. “O segredo reside, provavelmente, no surgimento da ficção. Um grande número de estranhos consegue cooperar com êxito graças à crença em mitos comuns”, defende Harari, no seu Sapiens – Breve História da Humanidade. E continua: “qualquer cooperação humana em larga escala — seja um Estado moderno, uma igreja medieval, uma cidade antiga ou uma tribo arcaica — está enraizada em mitos comuns que existem apenas na imaginação colectiva das pessoas”.
Em 2021,o 13 de Maio mistura o sagrado e o profano em diversas camadas: além da celebração da primeira aparição em Fátima, é também Quinta-feira da Ascensão e Dia da Espiga, este último, um ritual de origem pagã para celebração das primeiras colheitas, ao qual o Cristianismo se colou. Curiosamente, este ano, 13 de Maio corresponde igualmente ao primeiro dia após o fim do Ramadão.
No Dia da Espiga, as pessoas iam (ainda vou) pelos campos em busca da alegria, da prosperidade, do amor, da riqueza, da paz, da sabedoria divina, da força, na forma de um ramo. Narrativas que convencem. A uns mais, a outros menos. Não são mentiras. “Uma realidade imaginada é algo em que todos acreditam e, enquanto essa crença colectiva persistir, a realidade imaginada exerce força sobre o mundo.”
Esta é a narrativa a recordar, esquecida algures, entre empregos de escritório, fábricas e tribunais. “Não há deuses no Universo, não há nações, dinheiro, direitos humanos, leis ou justiça fora da imaginação colectiva dos seres humanos.”
A natureza, sim, existe alheia a qualquer ímpeto humano. O antropocentrismo é uma ilusão, a força transformadora dominante que pensamos exercer sobre o planeta Terra é passageira. Destruímos, e seremos destruídos? A Humanidade é um espirro no Universo.