Já escrevemos neste jornal que Minari era quase certamente a melhor coisa a concurso nos tão medianos Óscares deste ano, pelo menos no que à discussão sobre “o melhor filme” diz respeito (perdeu, como sabemos, mas não veio de mãos a abanar: Yoon Yuh Jung, que interpreta a avó meio “lunar”, ganhou o prémio de melhor actriz secundária, o que foi, tanto quanto este conceito é aplicável aos Óscares, “justo”). Lee Isaac Chung é um realizador americano-coreano, filho de imigrantes mas já nascido no Colorado, que se baseou nas suas recordações de infância para construir o argumento de Minari (e “minari”, já agora, designa uma planta aquática abundante na Coreia e muito procurada pelas suas supostas propriedades medicinais). Como a família de Chung, também a família do filme, uma vez instalada na América, se mudou para uma região rural do Arkansas, procurando a auto-subsistência económica através da criação de uma plantação de produtos hortículas para vender aos mercados frequentados pela comunidade coreana na América. E o mais sagaz do filme de Chung é, dados todos esses pressupostos tão facilmente tipificáveis, afastar-se deles (do filme “sobre imigrantes”, da tentação grandiloquente do filme “sobre a América” ou mesmo sobre “os anos 80”, época em que tudo se passa), deixá-los pendurados como candeeiros a iluminarem discretamente a narrativa, para se concentrar em algo de âmbito muito mais reduzido: o olhar de uma criança (que pode ou não ser um “duplo” de Chung, mas é decididamente o mais próximo do olhar da sua câmara) sobre o misterioso mundo dos adultos, sobre uma terra estranha e uma cultura estranha (enfim: para ele, tanto a cultura americana como a cultura coreana são “estranhos”), sobre a relação entre os pais, sobre a sanha “empreendedora” do pai, um tanto egoísta (já alguém escreveu que no recorte do pai há ecos do individualismo dos anos Reagan e sociologicamente, mas sempre seguindo a lógica do “candeeiro”, esse elemento será deliberado, é mais outra forma de o filme habituar os anos 80 e vice-versa, para além de ser uma variação sobre uma figura clássica da mitologia americana, o individualista imparável dos “American Romances” e outros, cuja obstinação se revela criadora e transformadora).
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Já escrevemos neste jornal que Minari era quase certamente a melhor coisa a concurso nos tão medianos Óscares deste ano, pelo menos no que à discussão sobre “o melhor filme” diz respeito (perdeu, como sabemos, mas não veio de mãos a abanar: Yoon Yuh Jung, que interpreta a avó meio “lunar”, ganhou o prémio de melhor actriz secundária, o que foi, tanto quanto este conceito é aplicável aos Óscares, “justo”). Lee Isaac Chung é um realizador americano-coreano, filho de imigrantes mas já nascido no Colorado, que se baseou nas suas recordações de infância para construir o argumento de Minari (e “minari”, já agora, designa uma planta aquática abundante na Coreia e muito procurada pelas suas supostas propriedades medicinais). Como a família de Chung, também a família do filme, uma vez instalada na América, se mudou para uma região rural do Arkansas, procurando a auto-subsistência económica através da criação de uma plantação de produtos hortículas para vender aos mercados frequentados pela comunidade coreana na América. E o mais sagaz do filme de Chung é, dados todos esses pressupostos tão facilmente tipificáveis, afastar-se deles (do filme “sobre imigrantes”, da tentação grandiloquente do filme “sobre a América” ou mesmo sobre “os anos 80”, época em que tudo se passa), deixá-los pendurados como candeeiros a iluminarem discretamente a narrativa, para se concentrar em algo de âmbito muito mais reduzido: o olhar de uma criança (que pode ou não ser um “duplo” de Chung, mas é decididamente o mais próximo do olhar da sua câmara) sobre o misterioso mundo dos adultos, sobre uma terra estranha e uma cultura estranha (enfim: para ele, tanto a cultura americana como a cultura coreana são “estranhos”), sobre a relação entre os pais, sobre a sanha “empreendedora” do pai, um tanto egoísta (já alguém escreveu que no recorte do pai há ecos do individualismo dos anos Reagan e sociologicamente, mas sempre seguindo a lógica do “candeeiro”, esse elemento será deliberado, é mais outra forma de o filme habituar os anos 80 e vice-versa, para além de ser uma variação sobre uma figura clássica da mitologia americana, o individualista imparável dos “American Romances” e outros, cuja obstinação se revela criadora e transformadora).