Violência doméstica: o BE tem um problema

Julgar que de todo este processo a luta contra a violência doméstica – uma das bandeiras mais justas do Bloco de Esquerda – vai sair ilesa é acreditar em histórias da carochinha. Não, não vai sair.

Foto
Pedro Fazeres

Há qualquer coisa de dramático no facto de, quando uma acusação de violência doméstica chegou a um deputado do Bloco de Esquerda, a “empatia” para com a vítima – que não existe, de todo, na sociedade portuguesa, mas que até agora no Bloco existia – se tenha esfumado instantaneamente.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Há qualquer coisa de dramático no facto de, quando uma acusação de violência doméstica chegou a um deputado do Bloco de Esquerda, a “empatia” para com a vítima – que não existe, de todo, na sociedade portuguesa, mas que até agora no Bloco existia – se tenha esfumado instantaneamente.

O deputado Luís Monteiro diz que foi ele o agredido e afirmou que a alegada vítima que o denunciou sofre de uma doença mental. Infelizmente, até este “esclarecimento” é um lugar comum nos processos de violência doméstica: o agressor assume-se como vítima e diz que quem o acusa é maluco. É um facto que isto pode acontecer (uma acusação falsa de violência doméstica), embora segundo o Bloco de Esquerda estatisticamente irrelevante.

Em socorro do deputado Luís Monteiro, apareceu outro ex-namorado da mesma pessoa a servir de testemunha antes do processo judicial: também este se afirmou vítima de agressão – embora não tenha dado pormenores das agressões de que foi vítima, a não ser “SMS intrusivos” e telefonemas insistentes por parte da alegada vítima a quem, imagine-se, no momento em que escreveu tudo isto, conseguiu afirmar que o ligam “laços profundos”.

Saber quem foi ou não agredido é um trabalho para a justiça e os tribunais, de resto bastante complacentes quando se trata de crimes de violência doméstica. Mas julgar que de todo este processo a luta contra a violência doméstica – uma das bandeiras mais justas do Bloco de Esquerda – vai sair ilesa é acreditar em histórias da carochinha. Não, não vai sair.

A acusação é absolutamente grave e pormenorizada. Evidentemente, pode ser falsa. Luís Monteiro diz que tem testemunhas que o podem comprovar. É um trabalho para a justiça.

Mas, a partir de agora, como é que o Bloco de Esquerda vai falar de violência doméstica sem que esta acusação venha atormentar qualquer statement político nesta matéria? Com que cara é que algum dirigente do Bloco de Esquerda vai sensibilizar a sociedade para a necessidade de se ter empatia relativamente a quem se diz vítima de violência sem contestar a veracidade da acusação? Como é que Luís Monteiro vai fazer campanha para a Câmara de Gaia com esta suspeita às costas?

Há aqui um problema muito grave que o Bloco de Esquerda parece não ter percebido: esta acusação é bastante mais grave do que o facto de o antigo vereador Ricardo Robles andar a fazer (bons) negócios imobiliários no centro histórico de Lisboa e vai ao coração daquela que é a melhor das bandeiras do Bloco de Esquerda.