A Cimeira no Porto
A Cimeira terá, certamente, discursos com bonitas palavras dirigidas aos mais de 15 milhões de desempregados e aos mais de 90 milhões que vivem na pobreza. Mas esses discursos esconderão a ausência do compromisso com o pleno emprego, com o direito ao emprego com direitos, com o fim da precariedade ou com a erradicação da pobreza.
Decorre hoje, no Porto, o momento mais mediatizado pela Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, a chamada Cimeira Social.
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Decorre hoje, no Porto, o momento mais mediatizado pela Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, a chamada Cimeira Social.
Quatro anos após a proclamação do denominado Pilar Social, é de novo montada uma encenação que esconde a inexistência de políticas e meios por parte da UE para dar uma efectiva resposta aos graves problemas com que actualmente se confrontam os trabalhadores e os povos nos diversos países que a integram.
Desenganem-se aqueles que esperam uma mudança de políticas. O que se anuncia para a chamada Cimeira Social é uma declaração que, ainda que dissimuladamente, não só aponta o nivelamento no retrocesso de direitos laborais e sociais, como não coloca em causa nenhuma das políticas e imposições da UE e do Euro que desde há décadas estão na origem do agravamento da exploração, das desigualdades sociais, da degradação de condições de vida, do empobrecimento.
A UE renovará velhas e benévolas intenções, mas para os trabalhadores, os jovens, as mulheres, os reformados, para a população no geral, o que se vislumbra é a insistência, mesmo que de forma encapotada, em velhas políticas e imposições.
Instrumentalizando a pandemia e a coberto das denominadas transições – verde, energética ou digital –, o que está em marcha é um rebuscado ataque aos direitos laborais e sociais, que procura levar ainda mais longe: a precariedade laboral, incluindo por via das plataformas digitais; a desregulação do horário de trabalho; o teletrabalho; a pressão sobre os salários, as reformas e as pensões; o ataque à contratação colectiva; a liberalização dos despedimentos; o aumento da idade da reforma; ou o desinvestimento nos serviços públicos e a sua privatização.
Veja-se o exemplo da proposta da Comissão Europeia para uma Directiva sobre a definição do método e critérios para a fixação do salário mínimo em cada país que, a ser aprovada, constituiria um novo pretexto para impor a contenção do aumento do salário mínimo, nomeadamente em Portugal. Aliás, não seria de esperar outra coisa por parte de quem é responsável por recomendações a Portugal contrariando o aumento do Salário Mínimo Nacional.
Ou o exemplo do denominado direito a desligar – que já é previsto e acautelado pela lei e exercido na vida quando o horário de trabalho é respeitado –, através do qual se procura legitimar uma disponibilidade permanente que torna impraticável a conciliação entre as várias dimensões da vida, incluindo o direito ao descanso e ao lazer.
Do mesmo modo, os avanços alcançados na ciência e na tecnologia devem estar ao serviço do progresso social e não serem usados para agravar a exploração – que o digam os trabalhadores das chamadas plataformas digitais ou os que estão a ser empurrados para o teletrabalho – e impor o retrocesso nos direitos laborais e sociais que foram conquistados pela luta dos trabalhadores.
A Cimeira terá, certamente, discursos com bonitas palavras dirigidas aos mais de 15 milhões de desempregados e aos mais de 90 milhões que vivem na pobreza. Mas esses discursos esconderão a ausência do compromisso com o pleno emprego, com o direito ao emprego com direitos, com o fim da precariedade, com a erradicação da pobreza, com a defesa e promoção dos serviços públicos e dos sistemas públicos de segurança social, com a valorização do trabalho e dos trabalhadores, com a redução do tempo de trabalho sem perda de salário, com o aumento geral dos salários, incluindo do salário mínimo, ou com a redução da idade da reforma sem uma qualquer penalidade – entre outros exemplos de medidas que são condição para uma efectiva garantia dos direitos sociais, para a criação de condições dignas de trabalho e de vida para todos.
A União Europeia esforça-se por encobrir as suas responsabilidades, apresentando ora medidas paliativas, ora propostas que nivelam no retrocesso. Por isso toda a propaganda em torno deste evento, que no fundo branqueia a UE e as suas políticas, cujo carácter e gravidade foram de novo expostos pela pandemia da covid-19.
No Sábado, nas ruas do Porto, a acção convocada pela CGTP-IN sob o lema “Por uma Europa dos trabalhadores e dos povos, afirmar a soberania, lutar pelos direitos, mais emprego, produção nacional, salários e serviços públicos”, dará a resposta necessária. Aí estaremos, como sempre estivemos.