Líderes europeus devem discutir levantamento de patentes no Porto. Alemanha está contra

Em causa está a proposta de levantamento das patentes das vacinas contra a covid-19 que o Presidente dos EUA, Joe Biden, mostrou apoiar na quarta-feira. Farmacêuticas registam quedas na bolsa.

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Para o governo alemão, a proposta dos EUA significaria “complicações severas” para a produção de vacinas. FILIP SINGER/EPA

A União Europeia está disponível para discutir a proposta de levantamento das patentes das vacinas contra a covid-19, apoiada pelos Estados Unidos, disse a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, esta quinta-feira. O assunto deverá ser abordado pelos líderes já esta sexta-feira na Cimeira Social do Conselho Europeu, a decorrer na cidade do Porto. Os líderes de França e Itália já manifestaram o apoio ao levantamento das patentes, mas o governo de Merkel está contra.

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A União Europeia está disponível para discutir a proposta de levantamento das patentes das vacinas contra a covid-19, apoiada pelos Estados Unidos, disse a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, esta quinta-feira. O assunto deverá ser abordado pelos líderes já esta sexta-feira na Cimeira Social do Conselho Europeu, a decorrer na cidade do Porto. Os líderes de França e Itália já manifestaram o apoio ao levantamento das patentes, mas o governo de Merkel está contra.

“A União Europeia também está pronta para discutir quaisquer propostas que abordem a crise de uma forma eficiente e pragmática”, disse Von der Leyen durante um discurso no Instituto Universitário Europeu, em Florença (Itália). “É por isso que estamos prontos a discutir como a proposta norte-americana de um levantamento das protecções de propriedade intelectual para as vacinas contra a covid-19 podia ajudar esse objectivo.”

O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, revelou que o levantamento das patentes para as vacinas contra a covid-19 será discutido na Cimeira Social do Conselho Europeu, evento que se irá realizar no Porto esta sexta-feira. Através do Twitter, disse que todos os países devem “permitir a exportação e evitar constrangimentos nas cadeias de fornecimento”. Afirmou ainda que as vacinas – incluindo a questão da patente – serão tema de conversa neste encontro entre os líderes dos Estados-membros.

A ministra da Presidência portuguesa afirmou esta quinta-feira que uma eventual decisão sobre o levantamento das patentes das vacinas contra a covid-19 deve ser tomada em concertação a nível europeu. “A posição de princípio do Governo português é que estes temas e estas decisões são tomadas em concertação a nível europeu e, portanto, as decisões são tomadas neste contexto”, afirmou Mariana Vieira da Silva.

Segundo avança a agência francesa AFP, citando uma porta-voz, a chanceler alemã, Angela Merkel, defende que a protecção das patentes “deve manter-se”. Para o governo alemão, a proposta dos Estados Unidos significaria “complicações severas” para a produção de vacinas. “O factor limitante para a produção de vacinas são as capacidades de fabricação e os altos padrões de qualidade, não as patentes”, disse a porta-voz via email. “A protecção da propriedade intelectual é uma fonte de inovação e deve permanecer assim no futuro.” No entanto, o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Heiko Maas, disse, numa conferência de imprensa, que o governo estaria aberto à discussão do assunto.

Por sua vez, o Presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou apoiar “completamente” o levantamento de patentes das vacinas anticovid. “Evidentemente, temos de transformar esta vacina num bem público global”, frisou o líder francês e membro da UE, poucas horas depois de Ursula von der Leyen ter afirmado que o bloco comunitário está “pronto para discutir” a proposta de Washington.

Já o ministro da Saúde italiano, Roberto Speranza, através da rede social Facebook, considerou que a proposta de Joe Biden sobre o “acesso livre das patentes de vacinas para todos é um importante passo em frente” e defendeu que a “Europa também tem um papel a desempenhar” nesta pandemia.

A proposta foi inicialmente avançada pela África do Sul e pela Índia, junto da Organização Mundial de Comércio, com o argumento de que este será um passo importante para fazer com que as vacinas cheguem aos países mais pobres. Foi apoiada por quase 60 países, mas até agora a União Europeia opôs-se a esse levantamento.

Contudo, a presidente da Comissão Europeia admitiu agora essa possibilidade, ainda que considere que, a curto prazo, os países produtores devem permitir a exportação de doses de vacinas.

Na mesma intervenção, Von der Leyen lembrou que, ao contrário de países como os EUA e o Reino Unido, a União Europeia tem exportado dezenas de milhões das doses que produz para outros países (como o próprio Reino Unido e o Japão). “A Europa é agora a farmácia do mundo e estamos orgulhosos disso”, declarou, citada pelo El País.

Momentos antes, a presidente da Comissão Europeia classificara a campanha de vacinação do bloco europeu como “um êxito”. “A Europa pode superar as crises”, salientou. “Lembro-me muito bem dos primeiros dias da pandemia. Em Itália pediram que a UE se coordenasse e ajudasse. Alguns membros fecharam as suas fronteiras. Decidimos proporcionar as vacinas juntos. Foi uma decisão correcta. Não quero imaginar o que se teria passado, se vários Estados-membros tivessem açambarcado as vacinas, o que teria significado para o mercado comunitário. Teria rompido a nossa união.”

Farmacêuticas registam quedas na bolsa

As acções das grandes produtoras das vacinas foram afectadas pelo anúncio do Presidente dos EUA, Joe Biden. Na quarta-feira, a Moderna e a Novavax fecharam em queda, entre 3% e 6%, na Bolsa de Nova Iorque. As acções da BioNTech cotadas em Frankfurt perderam 14% na quinta-feira. E nem as fabricantes chinesas escaparam: na sessão da tarde desta quinta-feira, a Fosun Pharma perdeu 9%; a CanSine Biologics, 14% e a Walvax Biotechnology, 10%.

O ChiNExt, o índice chinês de empresas da área tecnológica (semelhante ao Nasdaq), caiu 2,2% e o CSI300, 1,1%.

O Financial Times falou com alguns responsáveis e investidores na área da biotecnologia que afirmaram que a posição norte-americana não seria benéfica para a investigação cientifica na área das vacinas a longo prazo. Isto, porque, em teoria, um levantamento das patentes ia permitir que outros fabricantes “copiassem” a vacina, sem perigo de serem processados por roubo de propriedade intelectual.

“Os passos dados pela Administração [norte-americana] foram desnecessários e prejudiciais”, considera Jeremy Levin, responsável da Organização de Inovação em Biotecnologia (associação de comércio conhecida como “Bio”) ao FT. “O resultado não vai ser assegurar as vacinas rapidamente e, ainda pior, estabelece um precedente para as empresas que investem em nova tecnologia e que não irão suportar o risco de que as patentes lhes sejam retiradas.”

Questionado pelo PÚBLICO na noite de quarta-feira, Miguel Prudêncio, investigador principal do Instituto de Medicina Molecular (iMM) da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, disse acreditar que as farmacêuticas não vão ficar a perder, se o levantamento das patentes avançar.

“É certo que as empresas fizeram um investimento, mas parte dele foi investimento público. Não me parece que o retorno financeiro desse investimento esteja em causa. Acho que não terão prejuízo por causa desta decisão: o lucro está garantido não só no imediato, como no futuro. O facto de se terem desenvolvido vacinas com esta eficácia em tão pouco tempo validou uma tecnologia [ARN-mensageiro] que vai ter inúmeras aplicações e vai estar na base de uma série de medicamentos. Estas empresas têm um ganho reputacional, mas também uma perspectiva de lucros futuros. Ninguém sai a perder.”

Actualização: O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, revelou no Twitter que o levantamento das patentes para as vacinas contra a covid-19 será discutido pelos líderes dos Estados-membros na Cimeira Social do Conselho Europeu, a decorrer na cidade do Porto esta sexta-feira. A agência AFP noticiou esta tarde que o governo de Angela Merkel defende a permanência das patentes. França e Itália apoiam o levantamento, e a ministra da Presidência portuguesa disse que a decisão deve ser tomada em concertação a nível europeu.