Os miúdos também têm ataques de pânico

Aprendemos a superar esse medo do medo, e descobrimos que a ajuda de um terapeuta e/ou de medicação é um recurso para usar sempre que for necessário, sem pensar duas vezes.

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Mãe,

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Mãe,

Temos a sorte de, em família, podermos falar abertamente sobre a ansiedade, e da forma dissimulada como contamina muitas vezes a nossa vida. Temos experiência de ataques de pânico, mesmo se não lhe chamávamos então assim, e lembro-me de ser muito pequena quando me ensinaram como as respirações longas, usando a barriga, ajudavam a aliviá-los. Aprendi mais tarde, consigo, a identificar os sinais e a arranjar estratégias para voltar à “realidade”.

Aprendemos a falar sobre a ansiedade sem medos, mas lembra-se daquele período horrível era eu adolescente, em que mesmo quando não estava em “crise”, tinha terror do próximo ataque? Mas aprendemos a superar também esse medo do medo, e descobrimos que a ajuda de um terapeuta e/ou de medicação é um recurso para usar sempre que for necessário, sem pensar duas vezes. Quando uma das minhas filhas, ainda muito nova, teve um primeiro ataque de pânico, o natural teria sido ir a correr às Urgências perante a queixa de que não conseguia respirar, como tantos pais fazem, mas (in)felizmente soube perceber imediatamente o que se passava e como ajudá-la a acalmar. Falamos com toda a naturalidade do mundo sobre estas coisas entre nós, e até com os mais novos, mas mesmo assim ainda hesito em escrever estas coisas em público, ponderando se será exposição a mais ou que julgamentos poderão fazer a partir desta informação.

Mas, este ano, em grupos de mães, no meu WhatsApp, nas escolas e em todos os consultórios de terapeutas, as queixas de ansiedade e ataques de pânico em crianças são omnipresentes. A primeira coisa que penso quando vejo uma mãe, naturalmente preocupadíssima, a descrever os episódios de pânico dos filhos é: “Que alívio e que sorte tive em saber já tanto sobre o que é e como funciona a ansiedade.” Não resolve tudo, mas ajuda muito! E é por isso que temos que falar sobre isto!

Os ataques de pânico são mais fáceis de identificar — a criança começa a hiperventilar, tem a sensação que não consegue respirar ou que vai morrer, sente o coração bater descompassadamente, vê desfocado, tem tonturas, etc. — do que a ansiedade, que é muito mais insidiosa. Agarra-se ao que encontra. E o pior é que se alguns dos sintomas desencadeiam em nós empatia — como quando não conseguem adormecer ou acordam muitas vezes durante a noite, se se queixam de dores de cabeça, enjoos ou tonturas —, há outros que temos dificuldade em correlacionar com a ansiedade, como por exemplo ataques de fúria, birras intermináveis, agressividade com os outros, falta de concentração, irrequietude e por aí adiante. Sintomas que, ainda para mais, nos exasperam e irritam e nos levam a reagir de uma forma que só os agrava, já para não falar na dificuldade de suportar os comentários alheios sobre como tudo se resolvia com mais firmeza ou mais autoridade.

Pense, por exemplo, na ansiedade da separação, que é uma situação real e com contornos muito específicos. Agora imagine como se sente uma mãe, e uma criança, quando tudo o que a criança são coisas como “Pareces um bebé”, ou “Agora estás um chato, já não queres ir a lado nenhum”, ou o best-of do “Isso são os pais que não largam o miúdo!”. Ou perante fobias e tiques (alguns dos mais comuns são piscar os olhos, enrolar os olhos, fazer respirações superficiais ou “suspiros”, mas há muitos!)?

E chegou a altura de falar dos avós, claro, porque às vezes os seus julgamentos são demolidores, e professam a teoria de que tudo ia ao sítio com menos conversa, e que quanto menos se ligar, mais depressa passa. Até porque provavelmente nunca tiveram oportunidade de falar de medos, ansiedades e de todas estas coisas. Por isso venho perguntar-lhe: como se ajuda os avós a perceber os sintomas? A não desvalorizar? E como podem ajudar, ainda por cima porque tantas vezes acabam por ter mais tempo com os netos e mais calma?


Querida Ana,

As palavras que damos às coisas mudam, os sentimentos subjacentes não. Se falares a uma pessoa mais velha de como é mau “sofrer dos nervos”, entendem-te logo, dava-se rapé a cheirar às que tinham “chiliques”, e se perguntares a muitos avós se tomam “uma pastilha amarela para as aflições”, como ouvi uma referir-se ao comprimido de Valium que ingeria alegremente e sem complexos, provavelmente não terás qualquer problema em fazeres-te entender. E quanto mais recuares no tempo, mais facilmente encontras fórmulas mágicas com que as pessoas lidavam com a ansiedade, as fobias, os tiques e todos esses sintomas de que somos humanos e frágeis, num mundo que não é tão linear como o queremos imaginar. Ainda há dias, estive a estudar as rezas que as mulheres na Andaluzia diziam (dizem) para libertar as crianças e os adultos “apanhados pela lua” (palavra de onde vem lunático).

O grande problema é que sobrevalorizarmos o corpo sobre a mente, como se fossem coisas separadas, numa dicotomia que a ciência já provou não fazer sentido. E valoriza a primeira sobre a segunda. Mais, desvaloriza uma linguagem supostamente primária, do povo — é “erudito” falar de “ataque de pânico”, é primário falar de “nervos” ou de “aflições”, mesmo quando se está a dizer a mesma coisa. Se juntares a isto a nossa tendência para desvalorizar aquilo que nos assusta, percebes por que é que tanta gente, avós incluídos, repetem à exaustão o “Isso passa!”.

Podia falar-te horas sobre isto, mas respondendo à tua questão de como conseguir a ajuda dos avós, em lugar de os ter (aparentemente) como adversários, e eu diria que é conversar com eles sobre aquela criança em particular. Falarem dela, de como é vista e sentida pelos avós e pelos pais, falarem do que se está a passar fora do ângulo de visão de uns e de outros. Porque se é verdade que é muito mais fácil para avós que não estão todos os dias com a criança, não assistem aos ataques de pânico, nem às birras e resistências, desvalorizar o que lhes é contado, também os pais ganham em saber como é que o filho age quando está noutro contexto. O que não resulta de certezinha é se esta conversa se transforma numa aula, em que os pais — mais novos e actualizados — tentam “ensinar” os velhinhos, desvalorizados porque nunca ouviram falar de cortisol, serotonina ou hipocampo.

E sim, aconselho a que uns e outros façam preceder esta conversa de um chá de valeriana bebido em conjunto. Mas voltamos ao tema. É giro.


No Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook Instagram.