Parceria estratégica União Europeia-Índia
A cimeira UE-Índia permitirá reforçar uma cooperação que é estratégica para a UE. Mas sobretudo é importante para Portugal, pois poderá mostrar que é capaz de tirar vantagens da sua diplomacia para fazer pontes seja com os EUA, Índia ou com a China.
A presidência portuguesa da União Europeia (UE) fez da parceria UE-Índia uma prioridade máxima, tendo em vista a diversificação das relações com os parceiros do Indo-Pacífico, que é outra área de crescente interesse comum sendo o espaço vital de possível encontro entre a Ásia, a Europa e os EUA.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A presidência portuguesa da União Europeia (UE) fez da parceria UE-Índia uma prioridade máxima, tendo em vista a diversificação das relações com os parceiros do Indo-Pacífico, que é outra área de crescente interesse comum sendo o espaço vital de possível encontro entre a Ásia, a Europa e os EUA.
Importa recordar que o Indo-Pacífico passou a ser o eixo central das alianças estratégicas dos EUA, (Índia, Austrália e Japão) sejam militares, comerciais, logísticas ou sanitárias. O desafio que a ambição de Pequim encerra e a consolidação da estabilidade na Europa orientam a política externa e de segurança americana nessa direcção.
Uma política comum da UE para a região do Indo-Pacífico tornou-se mais urgente do que nunca, sendo fundamental para os seus interesses económicos e geopolíticos. Posicionada estrategicamente a UE é essencial para os desafios e oportunidades no Indo-Pacífico.
Nesse sentido, a UE deve ser parte da mudança, adoptando um olhar abrangente e equilibrado sobre a Ásia tendo em conta os enormes desafios colocados pelas relações EUA-China. Para tal é necessário desenvolver mais a cooperação com a Índia.
É neste contexto, que vai decorrer a cimeira UE-Índia agendada para Maio, no Porto, sendo um evento indispensável no equilíbrio geopolítico da relação da UE com a Ásia. Em todas as cimeiras institucionais anteriores o primeiro-ministro indiano encontrou-se apenas com os presidentes da Comissão e do Conselho Europeu.
Este novo modelo – encontro com 27 por iniciativa de Portugal, realizado em videoconferência - reflecte bem o momento de aproximação que se regista entre a UE e a Índia, fruto de uma conjuntura internacional que da mesma forma interpela europeus e indianos e que os faz também tomar consciência da crescente relevância das afinidades que os unem: o primado da democracia e do Estado de direito, a defesa do multilateralismo e a aposta num mundo multipolar e atento aos desafios ambientais.
Por isso mesmo, aquela cimeira permitirá reforçar uma cooperação que é estratégica para a UE. Mas sobretudo é importante para Portugal, pois poderá mostrar que é capaz de tirar vantagens da sua diplomacia para fazer pontes seja com os EUA seja com a Índia ou com a China. Não é possível entender a importância da relação com a Índia sem ter em conta a relação entre o Ocidente e a China, no contexto de uma região do mundo que é, cada vez mais, o centro de gravidade não apenas da economia global, mas igualmente da segurança internacional.
A cimeira é um ensejo que a Europa não pode perder para encontrar um novo conteúdo no relacionamento entre Bruxelas e Nova Deli. A Europa tem de deixar de olhar apenas para a China.
Portugal sempre defendeu a importância para a UE e para o mundo de uma Ásia multipolar, alertando para a imprescindibilidade do papel que a Índia desempenha nesse contexto. Ora, importa que o peso das relações, sobretudo políticas, corresponda minimamente ao protagonismo que se reconhece àquele gigante asiático emergente, o que não se tem até à data verificado.
Há assim que dar mais substância à parceria estratégica UE-Índia, bem como apostar decididamente no reforço da cooperação não só em áreas-chave como o comércio e o investimento, segurança, tecnologia, as transições digital e verde, a conectividade e a saúde, mas também nas questões como o acesso ao mercado e a cooperação para a reforma da Organização Mundial do Comércio.
A Índia tem-se ajustado, adaptado e inovado constantemente, de forma a lidar com as mudanças de realidade, principalmente na forma como se relaciona com o mundo. E, neste âmbito, tem sido bem-sucedida enquanto interveniente construtivo e confiável no cenário global. Também a Índia cada vez mais empenhada - por conhecidas razões geopolíticas, no estabelecimento de uma complexa e diversificada rede de alianças internacionais - se tem vindo a aperceber do papel crucial que caberá à UE nesta conjuntura.
A UE que é já, o maior parceiro comercial da Índia, a par dos EUA, passou agora a ser encarada como um aliado estratégico incontornável e como um parceiro de preferência em áreas vitais como o digital e a transição ambiental. A cimeira é assim encarada com grande expectativa por ambas as partes, esperando-se que dela possam resultar avanços concretos, susceptíveis de espelhar a inegável confluência de interesses, quer ao nível económico quer por motivos geopolíticos. O reforço da relação com os indianos servirá de contraponto à crescente influência chinesa, que preocupa já muitas capitais.
Claramente que estamos no século da Ásia. A China fez a sua aparição, afirmando-se poderosamente, com factos indesmentíveis na produção industrial e na construção de infra-estruturas. Foi a fábrica do mundo e mexeu com todo o Ocidente nas suas prioridades de acção. A ascendência da China ofusca Nova Deli, que não deixa de ter uma economia em crescimento e, principalmente, com tendência para a tecnologia. A Índia é uma possível fonte de diversificação, especialmente neste período de ascensão em que procura mercados que não estejam já completamente tomados pela China. Portugal pode ter um papel importante neste contexto devido aos laços históricos com Nova Deli.
No entanto, o facto de a UE – pressionada pela Alemanha - ter assinado um Acordo de investimento com a China pode dificultar as negociações de Maio. A Índia tem uma relação difícil com Pequim e deseja autonomizar-se e crescer economicamente. Poderá haver um certo ressentimento da parte de Nova Deli que prejudique as negociações.
Com 1380 milhões de habitantes, a Índia – maior democracia do mundo - está a poucos anos de ultrapassar a China, actualmente com 1440 milhões de habitantes, como o país mais populoso do mundo, mas em termos de poder económico a sua desvantagem é ainda avassaladora: O PIB da Índia é bem menor que o da China, cerca de 5,7 vezes, o que se traduz em riqueza criada por habitante muito mais baixa (1648€/ano contra 9164€).
Mas a relação cada vez mais evidente entre a influência geopolítica de Pequim e os interesses económicos chineses faz que o potencial da Índia se torne interessante. A Índia, pela sua população e nível intelectual, pela história civilizacional, pelas provas de colaboração com os vizinhos no seu desenvolvimento, pela convivência com etnias e religiões, deve ser o primeiro alvo da aproximação.
A relação entre UE e Índia não é de agora: o primeiro acordo de cooperação foi firmado em 1994 e a parceria estratégica data de 2004. Em 2017, a UE era o primeiro parceiro comercial da Índia. Cerca de seis mil empresas da UE estavam então presentes na Índia, empregando directamente 1,2 milhões de trabalhadores e indirectamente outros 5 milhões.
A cimeira constitui também uma oportunidade para se formalizar as bases de uma relação que poderá tornar-se intensa e com impacte para as duas partes, procurando complementaridades e sinergias.
O momento especial que agora vivemos é igualmente um tempo de confluências, porém com um escopo ainda mais alargado e envolvendo, desta feita, Portugal, a Índia e a UE, trabalhando para que os seus efeitos se projectem no futuro.