Inovação: há vida para além do PRR
Uma revisão cuidada e uma visão holística dos incentivos existentes deve ser feita de mãos dadas com a forma como o investimento no PRR é implementado. Só assim estaremos a aproveitar esta conjuntura única, numa Europa unida, para preparar o futuro de Portugal.
Esteve em consulta pública, em duas fases distintas, o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para Portugal, que foi já entregue à Comissão Europeia. Aquele que foi um momento histórico a nível europeu tem vindo a materializar-se num plano concreto, e de médio prazo, em cada Estado-membro. Para Portugal, ficará definido, conforme consta da consulta pública, “com um período de execução até 2026, com recursos que ascendem a cerca de 14 mil M€ de subvenções, um conjunto de reformas e de investimentos que permitirão ao país retomar o crescimento económico sustentado, reforçando assim o objetivo de convergência com a Europa ao longo da próxima década”.
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Esteve em consulta pública, em duas fases distintas, o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para Portugal, que foi já entregue à Comissão Europeia. Aquele que foi um momento histórico a nível europeu tem vindo a materializar-se num plano concreto, e de médio prazo, em cada Estado-membro. Para Portugal, ficará definido, conforme consta da consulta pública, “com um período de execução até 2026, com recursos que ascendem a cerca de 14 mil M€ de subvenções, um conjunto de reformas e de investimentos que permitirão ao país retomar o crescimento económico sustentado, reforçando assim o objetivo de convergência com a Europa ao longo da próxima década”.
Tive oportunidade de ler muitas análises sobre os temas de Inovação, Investigação e Desenvolvimento (I&D) constantes no PRR, umas mais twitteiras e imediatas, outras aprofundadas nos media de referência. Umas davam nota de que não estava previsto o devido investimento nas fundamentais infraestruturas de investigação, outras versavam sobre a quota parte que caberia às empresas, públicas e privadas, e o seu consequente impacto nos indicadores a nível nacional.
O plano tem objetivos ambiciosos e louváveis, desde logo ao determinar 2% do PIB em I&D até 2025, 3% do PIB em I&D até 2030, com indicações claras sobre a sua distribuição: 1,25% de despesa pública e 1,75% de despesa privada. Escrevo medindo bem as palavras pois, segundo os últimos dados conhecidos pela OCDE sobre o investimento em I&D, Portugal (1,35%) supera Espanha (1,24%) e compara com Estónia (1,4%) ou Itália (1,42%). Se isto não impressiona, acrescento que jogamos até na mesma liga do Reino Unido (1,72%).
Mas existem diferenças basilares, quando comparamos Portugal com outros países como o Reino Unido ou a França, e nestas diferenças encontramos aqueles que poderiam ser alguns dos contributos para os próximos anos.
Sem prejuízo da utilização de fundos do PRR para a investigação fundamental, para melhoria de infraestruturas, por exemplo, refiro-me neste artigo tão somente à visão para o aumento de capacidade e resultados da I&D aplicada. E tal não pode significar olhar exclusivamente para o PRR, como se de uma poção mágica se tratasse, mas antes para o seu enquadramento com os demais instrumentos já existentes, que devem acompanhar as escolhas políticas que aí vemos plasmadas.
Por exemplo, no caso do Reino Unido existe um foco do investimento em I&D em determinadas áreas. Para além disso, esse investimento é apenas dirigido a instituições de referência, verificando-se uma escolha óbvia pelo investimento em ciências da saúde, concentrada em organizações como Oxford, Cambridge e a Imperial College. Isto pode demonstrar que, sem pulverização, a concentração de investimento pode trazer maior ambição e relevância nos objetivos a que se propõe.
Já analisando os dados de França, é evidente uma desburocratização dos incentivos fiscais às empresas. Não existe, neste sistema, a necessidade de uma declaração de uma agência governamental mas, em contraste, uma regulamentação baseada em fiscalizações a jusante, o que significa, na prática, um incentivo fiscal automático.
Em Portugal parecem já existir orientações de nível político para a concentração do investimento “num número limitado de domínios estratégicos e tipologias de intervenção por forma a maximizar o seu impacte”, como se lê na Resolução do Conselho de Ministros n.º 97/2020, de 13 de novembro, podendo isto beneficiar e incentivar à clusterização e especialização dos interfaces entre academia e empresas.
Não deveria tal ser seguido pelos demais instrumentos que criam incentivos às empresas?
Defendo que sim, e não apenas em termos de melhoria da burocracia inerente aos benefícios fiscais, sem prejuízo da reflexão que a (má) burocratização sempre merece, mas também na sua concepção e alinhamento com a visão para Portugal.
Esta reflexão é ainda mais necessária se pensarmos que em 2019 foi criado um Grupo de Trabalho dos Benefícios Fiscais que dedicou parte da sua análise ao impacto do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE). Sendo certo que o referido grupo afastou a hipótese de crowding out (demonstrando que por cada euro de benefício fiscal o mesmo implicou mais de um euro de investimento adicional face a um cenário sem benefício), tal não significa que a melhoria da concepção do SIFIDE não pudesse ter melhores resultados. A questão é de elasticidade. Se os benefícios fiscais do SIFIDE fossem concentrados nas áreas em que o País se pretende desenvolver – aumentando o benefício –, coexistindo com outro tipo de financiamentos ou subsídios, será que o desempenho medido seria diferente?
A resposta, ainda que careça de estudo, parece ser positiva. Num paper académico, “Internal and external effects of R&D subsidies and fiscal incentives: Empirical evidence using spatial dynamic panel models”, de Montmartin e Herrera, onde também se estuda essa elasticidade, parece ficar demonstrado que a concentração de benefícios em determinadas áreas, aumentando o próprio benefício, poderia trazer resultados positivos.
Adicionalmente, para medir o desempenho do benefício fiscal, era importante introduzir outros objetivos. Um indicador particularmente relevante é o do trabalho colaborativo entre a academia e as empresas. Uma realidade relativamente incipiente e muito discreta. Se considerarmos apenas o investimento privado, verificamos que as empresas recorrem muito pouco à academia para a investigação com vista ao desenvolvimento de novos produtos/serviços. No setor privado, só 2% a 3% das verbas de financiamento vão para a academia. Devemos, no entanto, perguntar-nos se essa inovação é disruptiva e relevante para os desígnios nacionais justificando os incentivos existentes?
Se observarmos a coprodução de conhecimento científico entre empresas e academia, concluímos que este representa 44,1 publicações científicas por milhão de habitantes em Portugal, comparado com 132,9 publicações científicas por milhão de habitantes no Reino Unido, segundo os últimos dados da Eurostat/OCDE.
É importante que não nos esqueçamos que o investimento em I&D não é um fim em si mesmo, tal como a inovação não se esgota no PRR. A criação de uma marca é tão importante como a criação de uma patente, os primeiros não podem ser alvo de benefício fiscal e os segundos ficarem fora do mesmo, porque são as marcas, não as patentes, que chegam aos mercados.
Uma revisão cuidada e uma visão holística dos incentivos existentes deve ser feita de mãos dadas com a forma como o investimento no PRR é implementado. Só assim estaremos a aproveitar esta conjuntura única, numa Europa unida, para preparar o futuro de Portugal.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico