Cimeira do Porto servirá para reforçar a dimensão social no processo de recuperação da crise

Portugal pretende que os governos e os parceiros sociais subscrevam o plano de acção de Bruxelas para aprofundar o Estado de bem-estar social e construir uma União mais justa e inclusiva

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LUSA/PATRICK SEEGER

A dez dias do arranque da Cimeira Social da União Europeia na cidade do Porto, a presidência portuguesa da União Europeia (PPUE) ainda está a trabalhar os rascunhos dos documentos de trabalho, do projecto de conclusões e da declaração final — enquanto aguarda, ansiosamente, pelas mensagens de RSVP aos convites lançados para a participação no evento, que tem como objectivo colocar a construção da Europa Social no topo da agenda política.

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A dez dias do arranque da Cimeira Social da União Europeia na cidade do Porto, a presidência portuguesa da União Europeia (PPUE) ainda está a trabalhar os rascunhos dos documentos de trabalho, do projecto de conclusões e da declaração final — enquanto aguarda, ansiosamente, pelas mensagens de RSVP aos convites lançados para a participação no evento, que tem como objectivo colocar a construção da Europa Social no topo da agenda política.

Portugal está a contar que tanto a conferência de alto nível, que juntará dirigentes das instituições comunitárias, parceiros sociais e representantes da sociedade civil, no edifício da Alfândega do Porto, como a reunião informal dos chefes de Estado e Governo da UE, que está prevista para os jardins do Palácio de Cristal, possam decorrer presencialmente, ainda que com os constrangimentos e limitações impostas pela pandemia.

Até agora, a organização não registou quaisquer desistências. “Está tudo a avançar. As informações que nos chegam são de que as passagens estão marcadas e os hotéis reservados”, disse ao PÚBLICO uma fonte da presidência portuguesa do Conselho da UE.

Portugal já teve de rever os planos da primeira reunião dos líderes da UE com o primeiro-ministro da Índia, marcada para a tarde de 8 de Maio, logo após a conclusão da Cimeira Social, uma vez que a situação epidemiológica impede a comitiva de Narendra Modi de viajar até ao Porto. “Em relação a planos A ou planos B, a presidência portuguesa tem tido que trabalhar desde o início com todos os cenários”, observou o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva.

“No caso da conferência de alto nível do dia 7 de Maio, e da reunião informal do Conselho Europeu de dia 8 de Maio, trabalhamos num cenário que é presencial, com uma reunião física mas que no caso da conferência de alto nível também tem uma componente virtual, para permitir que mais pessoas possam participar e acompanhar os trabalhos”, confirmou o ministro.

De acordo com a PPUE, “o número de convidados foi adaptado à situação actual de saúde pública, e o formato da cimeira foi planeado para reduzir os contactos directos” entre os participantes. “Todas as normas de distanciamento social, e todos os regulamentos sanitários determinados pelas autoridades nacionais de saúde serão rigorosamente aplicados, para garantir a segurança e mitigar qualquer risco de infecção”, garante a organização.

Ao mesmo tempo que se preparam os espaços do Porto que vão acolher os dois maiores eventos da PPUE, ultimam-se os contactos políticos para enquadrar o debate, e “encontrar um máximo denominador comum” entre todos os intervenientes para obter uma declaração política forte. “Desde o primeiro momento assumimos que a dimensão social seria chave na nossa acção”, lembra o primeiro-ministro, António Costa, numa mensagem em vídeo divulgada no site da presidência portuguesa.

Na base desse trabalho está o plano apresentado pela Comissão Europeia, com metas concretas, para a implementação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, proclamado pelos líderes em 2017, em Gotemburgo. Segundo o mote da PPUE, quatro anos mais tarde, “é tempo de agir”: a ideia é passar da teoria à prática, e converter os 20 princípios gerais da Europa social em acções específicas para que do processo de reconstrução após a crise pandémica resulte uma UE mais justa e inclusiva.

Para António Costa, este é o momento para “desenvolver o Estado de bem-estar social que é o marco distintivo da UE”. O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, espera que os líderes exponham, no Porto, a sua visão de uma “Europa próspera, que protege o ambiente, investe nas competências e na inovação e com isso aumenta o bem-estar dos cidadãos”. Já a presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, vê uma oportunidade para “aprofundar o diálogo social, que é um pilar da economia social de mercado”.

O que Portugal pretende é que, além das instituições comunitárias, também os Estados membros e os parceiros sociais se comprometam a fazer o que for preciso para que, em 2030, estejam concretizadas as três principais metas do plano de acção do Pilar Europeu dos Direitos Sociais: que 78% da população adulta europeia esteja empregada; 60% dos trabalhadores tenham acesso a acções anuais de formação e valorização profissional; e existam menos 15 milhões de pessoas em situação de pobreza e exclusão social na UE.

“Já temos o compromisso das instituições europeias. A nossa ambição é que os governos, as empresas, os sindicatos e a sociedade civil também subscrevam estas metas e este plano de acção”, afirmou a a secretária de Estado dos Assuntos Europeus. Ana Paula Zacarias admitiu que algumas das propostas da Comissão foram objecto de crítica, ou por serem pouco ambiciosas ou por irem longe demais: como revelou, a gestão das diferentes expectativas dos vários agentes envolvidos tem sido um “exercício difícil de diplomacia”.

“Devemos ser realistas”, aconselhou a governante, salientando a importância e o significado político de fechar a conferência de alto nível com a assinatura de um compromisso colectivo — que possa depois ser transmitido aos líderes europeus, e reflectido (ou replicado) na Declaração do Porto com as conclusões da cimeira informal.

As declarações produzidas após a última cimeira social tripartida (a reunião que junta as instituições e os parceiros sociais europeus antes de cada Conselho Europeu) são elucidativas quanto às diferentes perspectivas sobre os possíveis resultados da reunião do Porto. Enquanto o secretário-geral da Confederação Europeia de Sindicatos, Luca Visentini, conta com um acordo para fazer avançar a nova directiva para um salário mínimo adequado na UE, o presidente da Confederação de Empresas Europeias (BusinessEurope), Pierre Gattaz, põe a tónica na necessidade de utilizar as verbas do fundo de recuperação para promover o interesse do sector privado no desenvolvimento de infraestruturas físicas e sociais na Europa.

Numa resolução aprovada com 616 votos a favor, 22 contra e 58 abstenções, os eurodeputados pediram a adopção de uma “agenda política ambiciosa” na Cimeira Social do Porto, e defenderam o estabelecimento de “indicadores sociais vinculativos” para assegurar a justiça social no mercado de trabalho e promover o ajustamento dos trabalhadores à nova realidade da economia verde e digital — o mantra da acção política do actual executivo comunitário.

“A ‘Agenda do Porto 2030’ deve incluir objectivos e medidas que garantam trabalho e salários dignos, justiça social e igualdade de oportunidades, sistemas de segurança social sólidos e uma mobilidade laboral justa”, entendem os parlamentares europeus, que esperam que com a implementação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, estes princípios passem a “usufruir da mesma protecção que as liberdades económicas no mercado único”.

Na última semana, a PPUE recebeu um chamado “non-paper” que exprimia as preocupações de um grupo de onze Estados membros com uma eventual sobreposição de responsabilidades e competências entre Bruxelas e as capitais, na definição de objectivos ou medidas na área social, laboral ou na educação. “Todas as iniciativas europeias nestas áreas têm de respeitar a divisão de competências da União, dos Estados membros e dos parceiros sociais, e estar em linha com os princípios da subsidiariedade e proporcionalidade”, lembra o documento.

Para estes países — do Norte e Centro da Europa — a Comissão pode “contribuir” para o debate nacional” e até “ajudar” ao desenvolvimento de políticas e reformas. Mas quando se trata de fixar metas europeias, Bruxelas tem de levar em conta os “diferentes pontos de partida”, e ainda os “desafios” e a “organização institucional” de cada país.