Óscar meio cheio e meio vazio: Chloé Zhao histórica na noite em que as estrelas não aqueceram Hollywood
Nomadland – Sobreviver na América é o filme do ano e faz história com a sua realizadora. Várias estreias, a frieza do distanciamento social e uma promessa de diversidade quase 100% cumprida, com prémios para Daniel Kaluuya, Youn Yuh-jung, Frances McDormand e Anthony Hopkins – e não Chadwick Boseman – marcaram os 93.ºs Óscares.
Um Óscar meio cheio e meio vazio. Nomadland – Sobreviver na América é o filme do ano e a sua autora, Chloé Zhao, tornou-se a primeira chinesa e mulher não-caucasiana a receber o prémio de Melhor Realização – e apenas a segunda realizadora com o prestigiado Óscar nos 93 anos de história dos galardões. Daniel Kaluuya, Youn Yuh-jung, Frances McDormand e Anthony Hopkins foram os actores premiados numa noite que coroou um ano sem cinemas e que tentou suspender o clima de pandemia com uma espécie de festa dos Óscares. A cerimónia foi uma noite rara em Los Angeles em que nem o calor das estrelas conseguiu aquecer Hollywood.
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Um Óscar meio cheio e meio vazio. Nomadland – Sobreviver na América é o filme do ano e a sua autora, Chloé Zhao, tornou-se a primeira chinesa e mulher não-caucasiana a receber o prémio de Melhor Realização – e apenas a segunda realizadora com o prestigiado Óscar nos 93 anos de história dos galardões. Daniel Kaluuya, Youn Yuh-jung, Frances McDormand e Anthony Hopkins foram os actores premiados numa noite que coroou um ano sem cinemas e que tentou suspender o clima de pandemia com uma espécie de festa dos Óscares. A cerimónia foi uma noite rara em Los Angeles em que nem o calor das estrelas conseguiu aquecer Hollywood.
Nunca os Óscares puderam ter um elenco vencedor tão diversificado, seja no feminino, nas nacionalidades ou nas origens, pulsando-lhes uma veia progressista aos 93 anos. Mas a madrugada desta segunda-feira deu e tirou. Muita expectativa rodeava os Óscares de interpretação, dado que, em 20 nomeados, nove não eram caucasianos e uma certa hashtag parecia fora de validade.
#OscarsSoWhite vistos de 2021? Se o britânico Daniel Kaluuya e a sul-coreana Yuh-Jung Youn fizeram rir e aplaudir com as suas estatuetas por Judas and the Black Messiah e Minari, e se Frances McDormand confirmou o esperado com o seu terceiro Óscar de Melhor Actriz, Anthony Hopkins inverteu a tendência da temporada que daria a Chadwick Boseman a estatueta de Melhor Actor a título póstumo e venceu com um trabalho sobre a demência em O Pai. Foi o revés da noite, e o último prémio a ser entregue, contrariando a tradição de deixar o Melhor Filme para o fim. As redes sociais e a imprensa americana lamentaram o final, um anti-clímax para uma catarse esperada e sobretudo sem Hopkins presente para discursar. O actor de 83 anos, o mais velho recipiente do Óscar de Melhor Actor, reagiu com um vídeo esta segunda-feira, confessando a sua surpresa e guardando uma palavra para o actor que imortalizou o super-herói Black Panther: “Quero homenagear Chadwick Boseman, que nos foi tirado demasiado cedo”, disse no Instagram.
A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood distribuiu prémios pelos vários filmes nomeados, gorou mais uma vez as expectativas de Melhor Filme da Netflix e do seu Mank (o estúdio e o filme com mais nomeações, 36 e dez, respectivamente) e iludiu novamente a rápida ascensão do streaming - que, apesar de se ter tornado uma das poucas formas de ver boa parte dos nomeados e de ter dado sete Óscares à Netflix com vários títulos e três à Amazon com O Som do Metal, saiu uma vez mais da noite mais mediática do cinema sem triunfos retumbantes.
A única vitória clara é de Chloé Zhao e do seu filme sobre uma mulher cujo luto a torna uma dos muitos nómadas das terras americanas. É um filme da Searchlight, ex-Fox e agora parte de um dos estúdios clássicos, a Disney – entre as suas várias chancelas, acumulou cinco Óscares.
Nomadland – Sobreviver na América estreou-se há uma semana em Portugal, depois de receber o Leão de Ouro no Festival de Veneza em 2020. “As pessoas, quando nascem, são inerentemente boas”, aprendeu Zhao com os poemas chineses clássicos que recitava com o pai. “Sempre encontrei bondade nas pessoas que conheci pelo mundo”, garantiu, dividindo o prémio com aqueles que têm “a fé e a coragem de se agarrar à bondade dentro de si”. Foi com estas palavras que se tornou segunda mulher a receber o Óscar 11 anos depois de Kathryn Bigelow ter estilhaçado o telhado de vidro do celulóide com Estado de Guerra (2008). Para ela, realizar é “deixar a nossa pele e estar na de outros”, como contou ao vencedor do ano passado, Bong Joon-ho (Parasitas), “ou então ver Burden of Dreams [o documentário sobre a rodagem de Fitzcarraldo] e perguntar ‘o que é que Werner Herzog faria’”.
Numa cerimónia que o cineasta e produtor Steven Soderbergh queria que fosse como um filme apesar das limitações e da dispersão impostos pela covid-19, Frances McDormand pediu: “Por favor, vejam o nosso filme no maior ecrã possível” assim que a pandemia permitir.
E numa noite em que Soul – Uma Aventura com Alma e A Sabedoria do Polvo receberam os Óscares de Melhor Filme de Animação (e Melhor Banda Sonora) e Melhor Documentário, ambos disponíveis em streaming na Disney+ ou Netflix, Daniel Kaluuya foi premiado por um filme que não se estreou no cinema em Portugal e foi directamente para o videoclube da Nos. Judas and the Black Messiah é sobre a traição ao presidente do partido dos Black Panther, Fred Hampton. “Que homem. Quão abençoados somos por termos vivido uma vida em que ele existiu”, disse sobre o líder assassinado aos 21 anos. Com os Black Panther, o actor aprendeu amor-próprio e “o poder da união, o poder da unidade”.
A veterana Youn Yuh-jung, cujo Minari se estreia a 13 de Maio em Portugal, escolheu o humor para celebrar o facto histórico de ser a primeira pessoa sul-coreana a receber um Óscar de interpretação, neste caso o de Actriz Secundária. Ensinou a assistência a pronunciar o seu nome, ficou contente por conhecer Brad Pitt pessoalmente e riu-se. “Esta noite, estão todos perdoados.”
“Óscares teóricos”
O primeiro Óscar da noite foi o de Melhor Argumento Original para Uma Miúda com Potencial (uma história de vingança e violação que se estreia em Portugal dia 29) e para a britânica Emerald Fennell, a primeira mulher a vencer este prémio a solo desde que Diablo Cody o recebeu com Juno, em 2008. Depois, e juntamente com o primeiro teste à uniformidade que os Óscares desejavam apesar de terem proibido o Zoom, a vitória dividiu-se entre Paris e Londres, onde estavam os vencedores da estatueta de Melhor Argumento, Florian Zeller e Christopher Hampton, por O Pai. “Óscares teóricos”, queixava-se o diário The Guardian durante a madrugada, por O Pai não ter sido ainda visto no Reino Unido – em Portugal estreia-se a 6 de Maio.
Outro filme que só esta semana, dia 29, chega às salas portuguesas é Mais Uma Rodada, de Thomas Vinterberg, que deu à Dinamarca o Óscar de Melhor Filme Internacional e que deu ao público motivos para sorrir e chorar. “Isto é algo para além do que alguma vez imaginei, excepto que sempre imaginei isto, desde os cinco anos”, riu-se, para depois dedicar o prémio, emocionado, à sua filha de 19 anos que morreu devido a um condutor distraído com o telemóvel.
Na cerimónia, transmitida em Portugal pela RTP1 pela primeira vez em mais de duas décadas, as mortes no cinema foram lembradas juntamente com as de três milhões de pessoas em todo o mundo devido à covid-19, bem como as de quem é vítima da desigualdade, exclusão ou racismo – temas inevitáveis da noite, a par da distância entre o público e os filmes do ano.
Uma tarefa quase impossível
Sem monólogo de abertura para dar o tom, sem orquestra para criar ambiente ou mandar embora os discursos longos (mas com um jogo musical de Questlove e Lil Rey), sem números humorísticos e poucos clips de filmes, os Óscares 2021 trocaram a ordem à apresentação dos prémios e contaram com os vencedores – e homenageados como Tyler Perry e o seu convite ao diálogo – para preencher os espaços narrativos. E com os seus “membros do elenco”, os actores e apresentadores convidados, para afinar as notas.
Foi o que fez Regina King, actriz e realizadora (Uma Noite em Miami...) que, depois de uma entrada à moda de Oceans Eleven, avisou nos primeiros minutos do programa: “Tenho de ser sincera: se as coisas tivessem corrido de maneira diferente esta semana em Mineápolis [no julgamento pela morte de George Floyd às mãos da polícia], poderia ter trocado os saltos por botas de combate”.
A pressão era muita sobre esta cerimónia – salvar as audiências em colapso dos Óscares, não cair tanto quanto as das restantes cerimónias de prémios do ano, resgatar o(s) cinema(s) de um ano perigoso. Soderbergh, Stacey Sher e Jesse Collins prometiam muitos watts, dado o número de estrelas presentes, e até filmaram em 24 fotogramas por segundo, padrão cinematográfico, em vez dos televisivos 30 por segundo.
Mas, dispersa entre um cenário novo – a Union Station de Los Angeles, onde estava a maioria dos nomeados –, umas idas ao Dolby Theater do costume, mas também ao British Film Institute, em Londres, a um cinema em Seul ou a dois espaços panorâmicos em Paris e Sydney, parecia uma cerimónia um pouco vazia. As máscaras eram para pôr só quando as câmaras não estivessem ligadas, mas foram aparecendo. À entrada, numa passadeira vermelha sem o habitual enxame de imprensa e assessores, a actriz Amanda Seyfried dizia que estar junto de outras pessoas parecia “a Quinta Dimensão”. Harrison Ford, que levou a sua quota-parte de watts para apresentar o prémio de Melhor Montagem, comentou involuntariamente a propósito sobre a tarefa quase impossível da noite, como é a montagem, que ajuda a chegar à “melhor versão do que o filme quer ser”.
Melhor Filme
- Nomadland – Sobreviver na América
- Judas and the Black Messiah
- Mank
- Minari
- Uma Miúda com Potencial
- Som do Metal
- Os 7 de Chicago
- O Pai
Melhor Realização
- Chloé Zhao, Nomadland – Sobreviver na América
- Lee Isaac Chung, Minari
- David Fincher, Mank
- Emerald Fennell, Uma Miúda com Potencial
- Thomas Vinterberg, Mais uma Rodada
Melhor Actor
- Anthony Hopkins, O Pai
- Chadwick Boseman, Ma Rainey: A Mãe do Blues
- Riz Ahmed, Som do Metal
- Gary Oldman, Mank
- Steven Yeun, Minari
Melhor Actriz
- Frances McDormand, Nomadland – Sobreviver na América
- Viola Davis, Ma Rainey: A Mãe do Blues
- Andra Day, Estados Unidos vs Billie Holiday
- Vanessa Kirby, Pieces of a Woman
- Carey Mulligan, Uma Miúda com Potencial
Melhor Actor Secundário
- Daniel Kaluuya, Judas and the Black Messiah
- Sacha Baron Cohen, Os 7 de Chicago
- Leslie Odom Jr., Uma Noite em Miami...
- Paul Raci, Som do Metal
- LaKeith Stanfield, Judas and the Black Messiah
Melhor Actriz Secundária
- Yuh-Jung Youn, Minari
- Glenn Close, Hillbilly Elegy – Lamento de uma América em Ruínas
- Olivia Colman, O Pai
- Amanda Seyfried, Mank
- Maria Bakalova, Borat, O Filme Seguinte
Melhor Argumento Original
- Uma Miúda com Potencial, Emerald Fennell
- Minari, Lee Isaac Chung
- Os 7 de Chicago, Aaron Sorkin
- Judas and the Black Messiah, Will Berson e Shaka King
- Som do Metal, Abraham Marder, Darius Marder, Derek Cianfrance
Melhor Argumento Adaptado
- O Pai, Florian Zeller e Christopher Hampton
- Borat, o Filme Seguinte, Sacha Baron Cohen, Anthony Hines, Dan Swimer, Peter Baynham, Erica Rivinoja, Dan Mazer, Jena Friedman, Lee Kern & Nina Pedrad
- Nomadland – Sobreviver na América, Chloé Zhao
- Uma Noite em Miami..., Kemp Powers
- O Tigre Branco, Ramin Bahran
Melhor Filme Internacional
- Mais uma Rodada, de Thomas Vinterberg (Dinamarca)
- Collective, de Alexander Nanau (Roménia)
- Quo Vadis, Aida?, de Jasmila Žbanić (Bósnia-Herzegovina)
- Better Days, de Derek Kwok-cheung Tsang (Hong Kong)
- The Man Who Sold His Skin, de Kaouther Ben Hania (Tunísia)
Melhor Filme de Animação
- Soul – Uma Aventura com Alma
- Bora Lá
- Para Além da Lua
- Wolfwalkers
- A Ovelha Choné: A Quinta Contra-Ataca
Melhor Documentário
- A Sabedoria do Polvo
- Collective
- Time
- Crip Camp: Uma Revolução na Inclusão
- The Mole Agent
Melhor Banda Sonora Original
- Soul – Uma Aventura com Alma, Trent Reznor e Atticus Ross e Jon Batiste
- Mank, Trent Reznor e Atticus Ross
- Minari, Emile Mosseri
- Notícias do Mundo, James Newton Howard
- Da 5 Bloods – Irmãos de Armas
Melhor Canção Original
- Fight for You, Judas and the Black Messiah, de HER
- Hear My Voice, Os 7 de Chicago, de Daniel Pemberton e Celeste Waite
- Io Sì (Seen), The Life Ahead, de Diane Warren, Laura Pausini & Niccolò Agliardi
- Speak Now, Uma Noite em Miami..., de Leslie Odom Jr. e Sam Ashworth
- Húsavik (My Hometown), Eurovision Song Contest: The Story of Fire Saga, de Savan Kotecha, Rickard Göransson e Fat Max Gsusa
A lista completa dos vencedores pode ser consultada aqui.
Notícia actualizada e corrigida às 8h12: grafia do nome da actriz Youn Yuh-jung; adiciona informação sobre ordem de anúncio dos últimos prémios; nova actualização às 15h34 - acrescenta agradecimento de Hopkins e completa entrada.