O trabalho como esmola
Bem podemos festejar o 25 de Abril e descer todas as avenidas da Liberdade que quisermos – ao mesmo tempo que o fazemos, as liberdades estão, todos os dias, a ser espezinhadas neste país.
Para evitar confusões: sei bem que há Empresários e empresários; que há quem esteja, todos os dias, a fazer um esforço tremendo para manter firmas a laborar, não deixando que mais famílias se vejam numa situação desesperada; que nunca deixará de existir quem se lembre dos tempos em que não era patrão e de como viver todos os dias custa; porém...
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Para evitar confusões: sei bem que há Empresários e empresários; que há quem esteja, todos os dias, a fazer um esforço tremendo para manter firmas a laborar, não deixando que mais famílias se vejam numa situação desesperada; que nunca deixará de existir quem se lembre dos tempos em que não era patrão e de como viver todos os dias custa; porém...
Porém, o mercado de trabalho tem cada vez menos oásis e cada vez mais exploradores; hipócritas que, a coberto da pandemia e alegando dificuldades, ficam cegos a tudo o que os rodeia, esquecem as promessas feitas, transformam os salários de miséria em política obrigatória, despedem os mais experientes, estendem a mão aos apoios estatais e, a seguir, vão contratar como se nada tivesse acontecido; escudam-se no “é o que temos, se não quiser há mais quem queira, a porta da rua é serventia da casa”; utilizam os recibos verdes como arma de arremesso, recusando contratos a quem mais tempo tem de profissão e exigindo sempre mais e mais de quem trabalha. E ainda devemos todos agradecer a sua “generosidade”, caso contrário estaríamos no desemprego.
É o trabalho como esmola, que não consta das estatísticas do desemprego. A falta de carácter a impor-se em toda a sua vontade de explorar. A vitória dos medíocres, o sucesso medido em número de empresas que se abrem e fecham num ápice, a falta de coluna vertebral tornada emblema, o cinismo feito ideologia, moldada à medida dos tempos. Vindos de tão longe e tanto tendo andado para aqui chegar, como na canção imortal do imortal José Mário Branco, a isto chegámos. A um momento em que, deixando de ser um direito como está na Constituição, que tantos apregoam e poucos se esforçam por fazer cumprir de facto, passe o folclore político, milhares de trabalhadores enfrentam sós esta investida de gente sem escrúpulos.
Bem podemos festejar o 25 de Abril e descer todas as avenidas da Liberdade que quisermos – ao mesmo tempo que o fazemos, as liberdades estão, todos os dias, a ser espezinhadas neste país. Quase 50 anos depois de ser derrubada a longa noite da ditadura, outras opressões subsistem, tão ou mais insidiosas, no interior de empresas lideradas por indignos que se orgulham das boas relações mantidas em círculos de poder e, ao olharem para o espelho, identificam-se como empresários de sucesso. Que fique bem claro: não são. São, como António Lobo Antunes escreveu noutro contexto e com outro alvo, aleijados morais.