Economia circular e inteligência coletiva territorial: entre o risco linear e a oportunidade circular

As grandes transições desta década – ecológica, energética, digital, laboral – irão requerer um posto de observação e monitorização permanente e essa é a razão pela qual as comunidades e os territórios inteligentes estão obrigados a seguir a agenda da economia circular, o único roteiro capaz de nos conciliar com os princípios da nossa querida terra-mãe.

Volto ao tema da economia circular, desta vez como vetor fundamental para mobilizar a inteligência coletiva territorial. Entre o risco linear e a oportunidade circular, o ator-rede das novas comunidades inteligentes tem, aqui, um pretexto extraordinário para constituir as suas plataformas colaborativas e serviços de rede respetivos. Vejamos, então, alguns princípios gerais da economia circular e sua utilização inteligente pela economia do território.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Volto ao tema da economia circular, desta vez como vetor fundamental para mobilizar a inteligência coletiva territorial. Entre o risco linear e a oportunidade circular, o ator-rede das novas comunidades inteligentes tem, aqui, um pretexto extraordinário para constituir as suas plataformas colaborativas e serviços de rede respetivos. Vejamos, então, alguns princípios gerais da economia circular e sua utilização inteligente pela economia do território.

Os princípios gerais da economia circular

Existem já muitas fontes de consulta sobre a temática da economia circular. Para simplificar o acesso do leitor, faço aqui uma síntese daquilo que eu considero serem os princípios gerais da economia circular:

  1. Em vez de extrair, transformar e descartar, trata-se, agora, de reduzir, reciclar, reparar e reutilizar,
  2. Em vez de associar crescimento económico e consumo de recursos finitos, trata-se, agora, de dissociar desenvolvimento económico e consumo de recursos finitos,
  3. Em vez de otimizar apenas a eficiência do consumo de recursos, trata-se, agora, de não-consumo, de usar e reutilizar os recursos,
  4. Em vez de socializar os prejuízos das externalidades negativas, trata-se, agora, de integrar na cadeia de valor o custo das externalidades negativas,
  5. Em vez de aumentar a exposição ao risco de mercado, trata-se, agora, de diminuir o risco e aumentar as internalidades e circularidades da cadeia de valor,
  6. Em vez de alongar e estender as redes logísticas e as suas pegadas ecológicas, trata-se, agora, de encurtar as redes logísticas e as suas pegadas,
  7. Em vez de preparar a obsolescência programada de processos, procedimentos e produtos, trata-se, agora, de acrescer a durabilidade de todo o ciclo de vida dos produtos,
  8. Em vez de adquirir produtos acabados, trata-se, agora, de contratar serviços de utilização,
  9. Em vez de dissimular custos e preços, trata-se, agora, de refletir a verdade de custos e preços reais,
  10. Em vez de cultivar aterros sanitários, trata-se, agora, de programar a reutilização de recursos, materiais e produtos em cascata entre várias cadeias de valor,
  11. Em vez de malbaratar e desperdiçar o capital natural, trata.se. agora, de gerir stocks e reequilibrar os fluxos de recursos renováveis,
  12. Em vez de ignorar o consumidor, trata-se, agora, de colaborar com o consumidor na recolha e tratamento de resíduos e recursos ociosos ou subutilizados,
  13. Em vez de um modelo de negócio meramente extrativo, trata-se, agora, de um modelo que reconhece a utilidade social do respeito,
  14. Em vez de um modelo de negócio que privatiza o benefício e socializa o prejuízo, trata-se, agora, de um modelo de negócio que privatiza o prejuízo e socializa o benefício,
  15. Em vez de um modelo de negócio que impacta o ambiente urbano, trata-se, agora, de um modelo de negócio que introduz inovações ecológicas e sociais no ambiente urbano,
  16. Em vez de um modelo de negócio que procura ludibriar o fisco, trata-se, agora, de um modelo de negócio que é premiado pelo fisco,
  17. Em vez de um modelo de negócio que não cumpre as leis da concorrência, trata-se, agora, de um modelo de negócio que deve ser compensado pelos efeitos redistributivos que desencadeia,
  18. Em vez de um modelo de negócio que privilegia a valorização financeira do produto final, trata-se, agora, de um modelo de negócio que privilegia a valoração sistémica de todos os elementos da cadeia de valor e novas métricas de desempenho,
  19. Em vez de um modelo de negócio meramente comercial, trata-se, agora, de uma verdadeira economia da inovação que atravessa transversalmente todos os setores,
  20. Em vez de um modelo de negócio meramente comercial, trata-se, agora, de uma verdadeira prova real para a demonstração da inteligência coletiva territorial e suas plataformas colaborativas.

Em síntese, talvez possamos dizer que, sendo a terra redonda e os recursos finitos, a economia só pode ser circular.

O plano verde e as circularidades cidade-campo

Já sabemos que o crescimento desordenado causa a fragmentação dos ecossistemas naturais e condiciona o metabolismo circular das cidades, ao modificar, sobretudo, os cursos de água e a morfologia da paisagem. Mais recentemente, o conceito de paisagem global traduz uma visão contemporânea mais complexa das relações cidade-campo, muito para lá dos parques e jardins da cidade industrial. Nesse sistema compreensivo e orgânico de vasos comunicantes, o plano verde é um instrumento essencial na conceção dos espaços exteriores da cidade cuja autonomia do desenho é exigida pela retaguarda biofísica e cultural que lhe é própria e pela prática das artes que desde há muito servem a construção da paisagem viva.

A figura central deste sistema compreensivo e do plano verde que o informa é a estrutura ecológica urbana ou regional que se desdobra e organiza em redor de vários vetores de circularidade: permeabilidade do solo, continuidade ecológica, áreas de recreio e lazer, continuidade cultural, alterações climáticas e riscos territoriais, mobilidade sustentável e infraestruturas verdes. Na operacionalização destes vetores destacam-se as redes de todo o tipo, as linhas de água, as bacias de retenção, a vegetação autóctone, os parques e logradouros, entre muitos outros operadores biofísicos. Uma saliência especial para os corredores verdes que podem ser de diversa forma e natureza: espaços abertos e lineares ao longo de um corredor natural, espaços naturais ou paisagísticos para percursos pedestres ou ciclovias, uma ligação aberta entre parques, reservas naturais, elementos culturais, locais históricos entre si ou com áreas habitadas e, no plano local, os espaços de avenidas, parques ou cinturas verdes.

Estes corredores verdes e, por maioria de razão, as redes de corredores verdes desempenham importantes funções de natureza circular:

  • Em primeiro lugar, funções ecológicas: manutenção da biodiversidade, espaços naturais e habitats, ligações entre habitats para a circulação de espécies, materiais e energia, filtro natural à poluição das águas e atmosfera, fixação de poeiras, proteção dos ventos e regularização de brisas, regularização das amplitudes térmicas e humidade atmosférica, circulação da água pluvial e infiltração;
  • Em segundo lugar, funções sociais e económicas: espaços para recreio e lazer, abastecimento alimentar em produtos frescos, melhoria da qualidade ambiental, preservação do património histórico-cultural, valorização da qualidade estética das paisagens e controlo dos fatores de risco.

Numa abordagem circular da ecologia urbana da cidade em rede, as infraestruturas verdes terão um lugar proeminente no planeamento, na prevenção e na terapêutica urbanas. Assim será, se, por via do planeamento biofísico, soubermos tirar partido da topografia e morfologia do espaço e adequarmos o projeto da cidade à comunidade local.

Para lá destas infraestruturas, o plano verde contempla, também, o que nós designamos aqui como os “operadores biofísicos da cidade em rede” que serão essenciais na projeção territorial da cidade ao universo rural, pois eles poderão funcionar como as placas giratórias dos corredores verdes e das redes de corredores verdes ou como novos lugares centrais da cidade em rede. Recordemos, como exemplo, as principais:

  • Nos edifícios: as coberturas verdes, as paredes verdes, os jardins e quintais, os terraços arborizados,
  • Na rua: os passeios arborizados, as ciclovias, as ruas de uso múltiplo, a reabilitação de linhas de água,
  • No bairro: as comunidades de produção de energia renovável, a bioregulação climática, as hortas urbanas, a floresta urbana e o bosquete multifuncional, os logradouros, os parques e jardins,
  • Na cidade: a experimentação em agricultura vertical, os lagos biodepuradores e a compostagem urbana, a rede de ciclovias, a intermodalidade dos transportes, a integração de redes, a recolha das águas pluviais,
  • No município: os corredores verdes intermunicipais, a mobilidade intermunicipal, os parques agrícolas urbanos e periurbanos para abastecimento local de alimentos, a construção de amenidades agroecológicas, recreativas e terapêuticas, a reabilitação dos ecossistemas e a promoção dos seus serviços.

De resto, devemos falar de unidades operativas de raiz ecológica sempre que há uma obstrução biofísica e paisagística à criação de novas multifuncionalidades ou circularidades que se afiguram necessárias ao bom funcionamento das redes de uso do território. No fundo, depois da arquitetura e da engenharia civil, elegemos a arquitetura paisagista e a engenharia biofísica para repor muitos dos equilíbrios sociais e ecológicos da economia circular que antes tinham sido quebrados.

A inteligência coletiva territorial

Vivemos um momento particularmente apropriado para a fazer a prova real de todos estes princípios da economia circular. Entre o risco linear e a oportunidade circular este é o tempo da inteligência coletiva territorial.

Os territórios inteligentes são, antes de mais, a inteligência emocional de uma geografia desejada. Refiro-me à realização de uma ação integrada de base territorial (AIBT), por exemplo: uma comunidade intermunicipal (CIM), um parque agroecológico intermunicipal, uma área de paisagem protegida (um parque natural), um condomínio de aldeias (as aldeias vinhateiras), uma associação de agricultores (uma área de regadio), uma zona de intervenção florestal (as ZIF), um grupo de ação local (uma área de montanha ou uma amenidade paisagística), uma associação de desenvolvimento local (ADL) para gerir um banco de solos ou um banco de alojamento local, um centro de investigação para ordenar e gerir um sistema agroalimentar local (SAL) ou agroflorestal (SAF), terrenos baldios semiabandonados e agricultura periurbana a precisar de apoio técnico, entre muitos outros exemplos. Em todos os casos, necessitamos de comunidades e plataformas inteligentes 3C, baseadas em conhecimento, cooperação e criatividade.

Um dos aspetos mais pertinentes da inteligência coletiva territorial diz respeito aos novos incumbentes das economias de rede e aglomeração e da política de circularidade. Nos últimos anos foi criado em muitas regiões do país, com o apoio de fundos europeus e nacionais, o que poderíamos designar como o “embrião de comunidades inteligentes”: parques e centros de ciência e tecnologia, centros de negócios, ninhos de empresas, incubadoras e aceleradoras de startup, espaços de coworking, uma rede de living labs, uma rede nacional de associações de desenvolvimento local, uma rede rural nacional, sociedades, uma rede Start Up Portugal, hubs tecnológicos e criativos, para além de muitas associações empresariais de geometria muito variável. Pensemos, por um momento, nos imensos efeitos difusos e dispersivos, de duvidosa sustentabilidade, com origem em todas estas presumidas comunidades inteligentes, pensemos no seu débil impacto de aglomeração e coesão sobre os territórios de baixa densidade e ficamos, de imediato, com um amargo de boca no que diz respeito à sua eficácia, eficiência e efetividade em matéria de circularidade e smartificação territorial bem-sucedidas. O que é que está em causa?

  • Reduzir a entropia e melhorar a sinergia de processos e procedimentos,
  • Reduzir a linearidade e melhorar a circularidade, em aplicação da política de 4R,
  • Reduzir a competição agressiva e melhorar os meios de cooperação entre operadores,
  • Reduzir o consumo de recursos materiais e aumentar a economia de recursos imateriais,
  • Reduzir o consumo de combustíveis fósseis e aumentar o de recursos renováveis,
  • Reduzir as interações fortuitas e furtivas e melhorar a qualidade da conectividade geral,
  • Reduzir a autosuficiência e melhorar a multiescalaridade e a governança multiníveis,
  • Reduzir a predação nas cadeias de valor e aumentar a colaboração entre operadores,
  • Reduzir as monofuncionalidades e melhorar a gestão do risco pela multifuncionalidade,
  • Reduzir a precariedade laboral e melhorar as condições de contratação e regulação.

E porque é que isto acontece? Por faltar, justamente, um ator-rede ou uma curadoria territorial que cuide de mobilizar, estudar e praticar que numa comunidade inteligente o todo é maior do que a soma das partes. Muitos dos efeitos externos das entidades referidas não são monitorizados e, mais tarde ou mais cedo, acabam por perder-se na malha difusa dos frágeis tecidos empresariais municipais e intermunicipais.

Notas Finais

Em síntese, a economia circular que está implícita nas transições ecológica, energética e digital altera profundamente a relação entre o ator e o sistema, mas, também, o perfil das cadeias de valor onde, doravante, os fatores imateriais crescem de importância em direção a uma nova economia de prestação de serviços. Esta nova economia de serviços faz um apelo à inteligência coletiva territorial pois é no seio destas comunidades inteligentes que se organizam, doravante, a rede de serviços e as boas práticas de economia circular, bem como tudo o que diz respeito à prevenção e mitigação de efeitos externos negativos.

Quer dizer, as grandes transições desta década – ecológica, energética, digital, laboral – irão requerer um posto de observação e monitorização permanente e essa é a razão pela qual as comunidades e os territórios inteligentes estão obrigados a seguir a agenda da economia circular, o único roteiro capaz de nos conciliar com os princípios da nossa querida terra-mãe.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico