Seis romances que deslocam as fronteiras da ficção nos finalistas do Booker International

Um romance-ensaio sobre a memória da poetisa russa Maria Stepanova, um livro de contos da nova estrela da ficção argentina, Mariana Enriquez, ou uma incursão de Éric Vuillard na insurreição anabaptista do século XVI são alguns dos livros que disputam o prémio.

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Mariana Enriquez

Anunciada esta quinta-feira, a escolha dos seis títulos que integram a short list do prémio Booker International 2021, destinado a obras de ficção traduzidas e publicadas em inglês no ano anterior, privilegiou livros que se afastam do romance de construção mais convencional, como In Memory of Memory, da poetisa e ficcionista russa Maria Stepanova, que se situa entre o ensaio e o livro de memórias, ou The War of the Poor, do francês Éric Vuillard, uma novela de forte dimensão ensaística que se debruça sobre a revolta dos camponeses alemães de 1524 e a figura do teólogo anabaptista Thomas Münzer.

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Anunciada esta quinta-feira, a escolha dos seis títulos que integram a short list do prémio Booker International 2021, destinado a obras de ficção traduzidas e publicadas em inglês no ano anterior, privilegiou livros que se afastam do romance de construção mais convencional, como In Memory of Memory, da poetisa e ficcionista russa Maria Stepanova, que se situa entre o ensaio e o livro de memórias, ou The War of the Poor, do francês Éric Vuillard, uma novela de forte dimensão ensaística que se debruça sobre a revolta dos camponeses alemães de 1524 e a figura do teólogo anabaptista Thomas Münzer.

“Decerto que entre os muitos livros que lemos havia aquilo a que podem chamar bons romances à moda antiga, que simplesmente contam a história do princípio ao fim; mas de um modo geral aqueles que mais nos entusiasmaram estavam a fazer algo de ligeiramente diferente”, afirmou a historiadora e ficcionista Lucy Hughes-Hallett, presidente de um júri que incluiu Aida Edemarian, uma jornalista do diário inglês Guardian de origem etíope e canadiana, o escritor anglo-indiano Neel Mukherjee, nomeado para o Booker Prize em 2014, a historiadora Olivette Otele, nascida nos Camarões e professora de História da Escravatura na Universidade de Bristol, e o poeta e tradutor inglês de origem húngara George Szirtes.   

“A ficção toma muitas, muitas formas diferentes, e alguns [destes] livros aproximam-se da historiografia; outros são muito ensaísticos; alguns parecem profundamente pessoais, quase como memórias”, descreveu Lucy Hughes-Hallett, para acrescentar: “O que concluímos é que esta é uma dimensão vigorosa e vital do modo como a ficção está a ser escrita neste momento, que as pessoas estão realmente a empurrar as fronteiras”.

O livro vencedor será anunciado no próximo dia 2 de Junho e os respectivos autor e tradutor dividirão a meias um prémio pecuniário de 50 mil libras (cerca de 57.500 euros).

Um dos favoritos, apesar das suas escassas 80 páginas, parece ser The War of the Poor, de Éric Vuillard, que a Dom Quixote publicou em Portugal com o título A Guerra dos Pobres. Como Marguerite Yourcenar em A Obra ao Negro, ou Maria Gabriela Llansol em O Livro das Comunidades, o escritor francês interessou-se pela figura do teólogo anabaptista Thomas Münzer, que lutou ao lado dos rebeldes na insurreição camponesa alemã e suíça no período da Reforma protestante. “Em certo sentido é um ensaio histórico, mas nunca li uma obra historiográfica com este tipo de fulgurante energia imaginativa”, disse a presidente do júri, citada pelo Guardian.

Vuillard tem ainda traduzido em português, e igualmente publicado pela Dom Quixote, o seu romance Ordem do Dia, que venceu o prémio Goncourt em 2017.

Também When We Cease to Understand the World, do chileno Benjamín Labatut – Um Terrível Verdor na tradução portuguesa editada pela Elsinore –, cruza ficção com história e ciência, abordando o conceito físico de singularidade.

A morte de uma tia leva a escritora russa Maria Stepanova, autora de uma dezena de livros de poesia, a vasculhar um apartamento cheio de fotografias, postais antigos, cartas, diários e outras recordações, das quais a autora parte para atravessar um século de história russa e mostrar como uma família judia comum logrou sobreviver a todas as perseguições. “O livro cria algo de singular e indelével, cria uma nova forma no ar”, disse o júri. “É um acto de contar a verdade como nenhum outro”.

Em At Night All Blood Is Black, David Diop, que nasceu em Pais mas é de origem senegalesa, acompanha um soldado senegalês na frente ocidental durante a Primeira Guerra Mundial. “Uma revelação ofuscante, um trabalho encantatório de fraternidade e terror”, ajuizaram os jurados.

O cenário de The Employees, da poetisa, ficcionista e crítica literária dinamarquesa Olga Ravn, é uma nave espacial. A julgar pela descrição do júri, não parece ser um livro monótono: “É alternadamente terno e frio, divertido e deliberadamente prosaico, capaz de criar num minuto um sentido de horror existencial, e no minuto seguinte de conforto quotidiano ou desgosto íntimo”.

A sexta obra candidata é um livro de contos de terror – The Dangers of Smoking in Bed – de um dos grandes nomes da nova ficção argentina, Mariana Enriquez, jornalista e actual presidente do Fondo Nacional de las Artes, de quem a Quetzal já publicou As Coisas que Perdemos no Fogo e um romance que tem sido comparado, na sua ambição, a Rayuela de Julio Cortázar, ou Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez: A Nossa Parte da Noite.